Meio Ambiente

Devemos deixar as florestas queimando? Alguns ambientalistas dizem que sim

20/08/17 - 07h56
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Chad T. Hanson entrou numa floresta queimada, suas botas chutando as cinzas. Árvores enegrecidas, sem vida, projetavam-se na direção do céu azul. Hanson, um ecologista, não podia estar mais feliz. “Cada dia aqui é um dia de alegria para mim, porque é aqui que está a vida selvagem”, observou sorrindo.

Um casal de aves se aproximou e pousou sobre árvores mortas. Eram pica-paus pretos, uma das aves mais raras da Califórnia, que ultimamente se tornou símbolo de um imenso debate científico e político sobre o futuro dos incêndios nas florestas.

Cientistas na vanguarda da pesquisa ecológica — Hanson um deles — afirmam que a eliminação dos incêndios florestais tem sido uma calamidade. Eles pedem uma nova abordagem que sugere basicamente que se permita que incêndios em áreas remotas queimem milhões de hectares de mata.

Em princípio, o governo aceitou uma versão desse argumento anos atrás, mas, na prática, os incêndios costumam ser combatidos em todos os Estados Unidos.

Para os biólogos, isso tem posto em risco a flora e a fauna — ao passo que centenas de animais, como foi possível verificar, preferem viver em florestas recentemente queimadas. O que na realidade está em jogo são vidas humanas. Bombeiros morrem muitas vezes, mais de uma dezena em poucos anos, apagando incêndios que, na opinião de muitos cientistas, deveriam continuar queimando.

Mas uma mudança neste sentido, permitindo-se que incêndios não sejam controlados, certamente suscitaria temores quanto à segurança das pessoas que vivem nas comunidades próximas das florestas.

Os cientistas tentam calcular com que regularidade incêndios consumiram florestas nos Estados Unidos antes da colonização europeia, mas evidências sugerem que a área que queimou era maior do que a permitida hoje — possivelmente de 8 a 12 milhões de hectares em um ano típico. Atualmente, está mais próxima de 1,6 milhão a 2 milhões de hectares.

Os esforços para suprimir os incêndios começaram no século 19, motivados em grande parte pela convicção de que as florestas devem ser consideradas madeira em pé, de valor econômico. Nos anos 30, técnicas usadas em escala industrial permitiram que agências de combate ao fogo, inclusive o United States Forest Service, suprimissem incêndios em todas as partes. Há dezenas de anos, alguns cientistas começaram a argumentar que isso era um erro.

Nos últimos dez anos, a pesquisa proporcionou uma nova compreensão do papel do fogo nas florestas. Centenas de espécies podem viver em locais recentemente queimados, e várias delas preferem florestas carbonizadas a qualquer outro habitat. Muitos agora consideram os incêndios algo essencial para a melhoria da saúde das matas, porque contribuem para reduzir a densidade da flora e criam uma paisagem mais variável.

Os argumentos em defesa de uma nova abordagem produziram mudanças em alguns lugares, como no norte das Montanhas Rochosas. Mas na Califórnia, e em muitas outras regiões, os bombeiros ainda tentar apagar praticamente tudo o que arde.

Depois da grande conflagração conhecida como Rim Fire, que destruiu mais de 100 mil hectares de floresta da Califórnia, perto do Yosemite National Park, em 2013, Hanson citou sinais de recuperação inclusive nas áreas mais intensamente queimadas. Ele apontou árvores que acabaram de brotar. Borboletas esvoaçando entre os brotos. A floresta outrora densa tomou uma clareira, essencial para certas plantas. Entretanto, as árvores mortas, que continuam de pé com seus 24 a 30 metros de altura, constituem uma visão ao mesmo tempo bela e desconcertante.

Toda árvore morta que continua em pé é chamada snag. O grupo de Hanson, o projeto ‘John Muir of the Earth Island Institute’, em Berkeley, Califórnia, afirmou que as florestas de snags são alguns dos habitats mais importantes da América do Norte.

Em 2012, o grupo de Hanson apresentou uma petição para que o pica-pau preto fosse incluído na lista das aves ameaçadas no âmbito da lei sobre Espécies Ameaçadas. Na administração Obama, o United States Fish and Wildlife Service declarou que a proteção dessas aves poderia se justificar; por outro lado, não está claro o que fará o governo Trump com a proposta. Quase certamente uma lista exigirá que alguns incêndios continuem queimando.

Os cientistas que querem que outros incêndios não sejam contidos deixaram claro que não pretendem colocar as pessoas em risco. Na realidade, acreditam que o governo poderia fazer com que as pessoas estivessem mais protegidas do que acontece hoje se os fundos fossem redirecionados para projetos de segurança das comunidades contra incêndios. E também destacam que são as próprias pessoas que se expõem ao risco construindo em áreas favoráveis a incêndios sem tomar as medidas necessárias para protegerem suas casas — como instalando telhados metálicos.

As famílias dos bombeiros destacados para o combate a incêndios florestais, e que morreram no cumprimento do dever, anteriormente aceitavam a situação com resignação, mas algumas começaram a entrar com processos, perguntando por que o governo desafia a ciência moderna apagando incêndios em áreas remotas.

Timothy Ingalsbee, ex-bombeiro que hoje dirige um grupo de defesa, afirmou: “As famílias não se deixarão mais convencer por políticos que aparecem no memorial para falar dos seus heróis mortos”.