Brasil

Seis meses após desastre, lama de Mariana ainda afeta animais marinhos

04/05/16 - 09h02
Reprodução/R7

O dia 5 de novembro de 2015 marcou o Brasil após o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, de propriedade das empresas Vale e da anglo-australiana BHP. O maior desastre ambiental com barragem dos últimos 100 anos liberou uma enxurrada de lama – estimada entre 50 e 60 milhões de metros cúbicos – e destruiu o distrito de Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, região central de Minas Gerais.

Seis meses após o desastre, a lama tóxica ainda faz vítimas: pode ter afetado uma enorme variedade de animais marinhos ainda pouco ou nunca estudados que ocorriam em regiões atingidas pela onda de rejeitos de minério de ferro.

Um artigo publicado na revista científica BIOTA Neotropica relata que um desses seres que é a água-viva Kishinouyea corbini Larson. Além de extremamente rara, a espécie tem sua única população conhecida na Praia dos Padres, em Aracruz, no Espírito Santo - um dos pontos atingidos pela lama.

O estudo é assinado pelo professor do Instituto de Biociências (IB) e diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos Marques e pela pós-doutoranda no IB-USP, Lucília Souza Miranda. De acordo com Marques, o evento foi catastrófico para a fauna marinha brasileira.

— Essa espécie é emblemática da perda de informação sobre diversos animais da fauna marinha ainda pouco estudados, ou até mesmo totalmente desconhecidos, que um evento catastrófico como o desastre ambiental de Mariana pode ter causado.

As informações são da Agência de notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), da qual a pós-doutoranda é bolsista. O artigo sobre os impactos escondidos da lama da Samarco, de Marques e Miranda, pode ser acessado aqui.

Rejeitos atingiram mais de 320 mil

A consultoria Bowker Associates, especializada na gestão de riscos relativos às construções desse tipo. Os relatórios são assinados pelo geofísico e doutor em planejamento ambiental pela Universidade da Califórnia, David Chambers. De acordo com um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), os rejeitos continham materiais tóxicos. A Samarco nega essa informação. Após o rompimento, o governo de Minas Gerais estima que mais de 320 mil pessoas foram atingidas de alguma forma pelo rio de lama.

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Vários questionamentos foram levantados pelo público leigo nos quase cinco meses desde a catástrofe. Um dos mais relevantes é o seguinte: há tecnologia suficiente para prever ou evitar esse tipo de catástrofe?

A resposta, talvez chocante, é que o rompimento da barragem do Fundão era não só previsível, como poderia ser evitado. A afirmação é do próprio Chambers, em entrevista ao R7.

— Nós temos a tecnologia para a construção de barragens que são muito mais seguras do que o tipo feito na barragem do Fundão. Nós precisamos colocar as considerações de segurança na frente de considerações financeiras.

De acordo com o geofísico, represas do tipo jusante (como aquelas construídas para barragens de abastecimento de água) são as mais seguras. Construções como as realizadas pela Samarco são feitas apenas para cortar o custo de operação.

Resposta tecnológica

Se não foi utilizada de maneira preventiva, a tecnologia também tem papel importante para remediar a situação. Até janeiro deste ano, a lama havia percorrido mais de 600 km, fazendo do rompimento o maior acidente com barragens dos últimos 100 anos.
O coordenador do grupo de estudos de Meio Ambiente e Sociedade do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo), Pedro Jacobi, explica que a resposta para um incidente de tais proporções deve unir tecnologia instrumental e social.

— A tecnologia tem a capacidade de verificar o impacto de um desastre na qualidade de água e ambiental, em termos regionais. Esse é um primeiro aspecto, mas a tecnologia social também foi importante, toda a articulação que houve na sociedade civil para mobilizar diferentes especialistas que se organizaram rapidamente para poder dar uma resposta sobre o grau de contaminação dessa água.

Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Harvard University e doutor em sociologia pela USP, Jacobi acredita que sejam essenciais a pesquisa e a utilização de novos métodos que estejam “além dos caminhos da natureza” para reverter os danos causados ao ambiente nesse tipo de desastre.

Consumo e riscos ambientais

O caso da mineração é emblemático não apenas pelo desastre de novembro de 2015. A atividade retrata de forma interessante a ligação entre a demanda por tecnologia e seus impactos no meio ambiente. Sem minerais raros, como tântalo, tungstênio e estanho seria praticamente impossível fazer aparelhos eletrônicos funcionarem nos moldes atuais. Isso mesmo, boa parte dos smartphones, tablets, notebooks e outros produtos semelhantes precisa dos resultados dessa atividade para existir.

David Chambers – o pesquisador responsável pelo estudo sobre a barragem do Fundão – e a especialista em gerenciamento de riscos ambientais Lindsay Bowker – comentam os riscos da conservação de rejeitos no relatório The risk, public liability & economics of tailings storage facility failures (O risco, responsabilidade civil e economia de acidentes em instalações de armazenamento de rejeitos, em tradução livre).

— A métrica da mineração moderna já está bem mapeada: maior produção da mina é necessária em função das notas baixas do minério, um século de declínio de preços é compensado pelo declínio de custos por tonelada.

Ainda de acordo com o relatório, essa métrica demanda um desenvolvimento contínuo, por meio de economia de escala. Ou seja, quanto mais eficiente é a operação (melhor e maior tecnologia), também é mais profunda a pegada deixada pela atividade no planeta.

Por outro lado, Jacobi comenta o aspecto econômico de dependência pela tecnologia.

— É indiscutível que vivemos em uma sociedade que demanda recursos naturais. Os recursos foram explorados durante anos de forma insustentável, hoje se demanda que eles sejam explorados de uma forma mais sustentável, mas é uma equação difícil de ser realizada - pelas próprias características da forma de exploração.

O coordenador do grupo de estudos sobre o meio ambiente ainda argumenta que os especialistas em mineração deverão se focar em formas de usar novos aparatos e técnicas para que a atividade seja realizada de forma mais sustentável, mesmo que isso diminua a lucratividade.

— Quando você tem uma grande parcela da população dependente desse tipo de exploração, a soma é extremamente problemática.

Novo Código de Mineração

Os especialistas ainda apontam que este é um momento chave para que a sociedade pressione os legisladores. Há mais de cinco anos em discussão na Câmara dos Deputados, o novo Código de Mineração deve ser votado no início deste ano. Em fevereiro, a votação foi colocada na pauta pelo presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas ainda não têm previsão para votação.

Para Chambers, o novo código deveria ser mais rígido com as mineradoras.

— Minha recomendação inclui tornar a construção de barragens a montante [como a do Fundão] ilegal e obrigar as empresas a publicar uma garantia financeira para as falhas catastróficas de barragens.

O geofísico diz ainda que essas duas medidas podem ajudar a reduzir o risco de falha desse tipo de construção ao mesmo nível das barragens de abastecimento de água, que chega a ser até dez vezes menor.

O especialista em planejamento urbano da USP acredita que seja preciso que o Estado tenha maior poder de regulação sobre atividades com risco tão alto contra o meio ambiente. O déficit de controle e recursos humanos para que seja feita essa fiscalização torna a questão ainda mais complexa.

— Se a sociedade civil não se mobiliza, o risco é ainda maior.

Em dezembro do ano passado, o jornalista Ricardo Senra, da BBC Brasil, informou que o documento oficial do projeto de lei proposto pelos deputados federais para o novo código havia sido criado e alterado em computadores do escritório Pinheiro Neto de advocacia. A empresa atende a clientes como a Vale e BHP, donas da Samarco.

O relator do projeto e também quem assina o texto, o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), recebeu cerca de R$ 2 milhões de mineradoras na eleição de 2014. Quintão não respondeu aos pedidos de entrevista para comentar o caso.

Acordo com os Estados

No dia 2 de março, foi realizado um acordo entre Samarco, Vale, BHP Billiton com a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Dentre os principais pontos estão o repasse de R$ 4,4 bilhões por parte da Samarco para recuperação do meio ambiente e atividade econômica nas regiões afetadas. Por meio de um comunicado à imprensa, o diretor-presidente da Vale, Murilo Ferreira, comentou o acordo.

— Este dia é um marco para todos os envolvidos, uma vez que um acordo é sempre melhor do que uma disputa judicial. Ele permitirá acelerar as medidas de remediação do meio ambiente e indenização dos afetados, complementando todas as ações iniciadas pela Samarco desde o primeiro momento.

O MPF (Ministério Público Federal) questiona o acerto extrajudicial feito pelas empresas com o governo. Em nota oficial, o MPF afirma que “o acordo prioriza a proteção do patrimônio das empresas em detrimento da proteção das populações afetadas e do meio ambiente”. O órgão que faz parte de uma força-tarefa para a investigação do desastre. Com base na experiência do desastre no Golfo do México (2010), o Ministério Público pede R$ 155 bilhões de Samarco, Vale e BHP Billiton.