Futebol Nacional

Tite busca ápice na carreira após salvar seleção e cartolas da CBF

10/06/18 - 11h09
Reprodução

Depois de dois anos no comando da seleção brasileira, Tite já tem claro um diagnóstico de sua trajetória até aqui: ajudou a tirar a CBF de uma das suas piores crises em troca de um sonho, o que ele mesmo classifica como uma decisão egoísta.

Em junho de 2016, quando Adenor Leonardo Bachi assumiu o posto de Dunga, Marco Polo Del Nero, então presidente da CBF, vivia seus piores momentos e tinha sua permanência criticada até mesmo pela Globo, emissora líder de audiência no país e com histórico de alinhamento com os cartolas da confederação.

"Será que, num momento tão critico, Marco Polo Del Nero, investigado por corrupção, tem condições morais para decidir o futuro da seleção brasileira?", questionava o narrador Galvão Bueno, durante edição do Jornal Nacional naquele mês.

Tite também fazia parte do movimento e tinha aderido a um abaixo-assinado que pedia a renúncia do cartola.

Dezesseis vitórias e a conquista da vaga para a Copa do Mundo depois, Del Nero não só permaneceu no comando, como ainda conseguiu emplacar seu sucessor, Rogério Caboclo, em clima de paz, mas também à custa das mesadas a presidentes de federações.

Adenor, hoje com 57 anos, costuma justificar sua contradição, de ter criticado o cartola e depois aceitado o convite, dizendo que não é possível salvar o mundo. E usa uma frase de Rose, sua esposa, que serviu como carimbo para sua ida à seleção: quando uma oportunidade dessa vai surgir de novo?

O vazio de poder e a aposta toda em cima dos resultados dentro de campo fizeram com que Tite tivesse, como nunca, carta branca para toda e qualquer decisão, o que, em troca, o obriga a dizer que Del Nero foi um dos melhores presidentes com que já trabalhou, pelo respaldo e confiança que teve.

Como exemplo da ausência de interferências políticas, o técnico fala das convocações.

Diz que nunca ouviu pedido ou reclamação dos jogadores escolhidos. E afirma que as listas eram entregues na mesa da presidência apenas 30 minutos antes de serem divulgadas, o que continuou acontecendo mesmo após o afastamento determinado pela Fifa -Del Nero foi banido para o resto da vida pela entidade.

Adotou o discurso da transparência, palavra que utilizou algumas vezes sobre o que deveria haver na CBF.

No segundo andar da sede da entidade, mantém sua porta aberta para receber jornalistas e outras visitas quando o trabalho permite.

Ao mesmo tempo, aproveitou a boa fase para lucrar. Antes avesso a patrocínios, hoje o técnico da seleção atua em comerciais de quatro empresas (Itaú, Cimed, Samsung e Uninassau). É missão quase impossível ver televisão sem se deparar com um Tite anunciando algum produto.

Na seleção, Tite jura que instaurou o que a comissão técnica chama de "gestão humanizada", com cobranças de responsabilidades, elogios de tarefas bem executadas e puxões de orelha em conversas individuais.

A mais difícil adaptação foi à falta de treino diário e ao convívio com atletas -em dois anos, jogadores e treinador se encontraram cerca de 60 dias.

Sem campo e bola, o técnico estabeleceu idas diárias à CBF.

Durante todo esse período, a comissão viajou a vários países e assistiu a mais de 300 jogos in loco. E a família, que o treinador sempre fez questão de ter por perto em toda sua carreira, fica em segundo plano, como ele próprio admite.

Dos jogos mais marcantes, Tite se lembra do duelo contra a Argentina no Mineirão, palco do imortal 7 a 1. Primeiro, na saída do hotel em que a seleção estava concentrada, gritos de torcedores lembravam, como alfinetadas, o infeliz resultado da Copa de 2014.

Depois, o grito, de quase toda arquibancada, de "olê, olê, olê, Titê, Titê", o que o próprio treinador classifica com uma das maiores surpresas desde que assumiu o cargo. Não queria nem ir para a entrevista habitual depois da vitória por 3 a 0.

O jogo contra a Alemanha, em março, mesmo sem nomes importantes como Thomas Müller e Mesut Özil, foi considerado pela comissão como um divisor de fases.

Tite usou na preleção um tabuleiro de xadrez, que fica em sua sala na CBF, para simbolizar as dificuldades que a seleção teria dali em diante. Com a proximidade da Copa, não era mais jogo de dama.

Com seu filho, Matheus, e pelo seu principal auxiliar, Cléber Xavier, o treinador tenta manter quase todas as práticas que funcionaram nas passagens pelos clubes, especialmente no Corinthians.

As conversas com jogadores para mostrar vídeos de lances de jogos são um dos pilares da gestão, mas nessa reta final para a Copa tem uma especificidade: a reunião conta só com Tite e o atleta, diferentemente de outros momentos, quando a tarefa era dividida com membros da comissão.

Tite demonstra especial apreço por Gabriel Jesus, 21, caçula do time. Além da facilidade de "abstrair" como poucos vestindo a camisa da seleção, a relação familiar parecida com a que tem com a sua trouxe empatia ímpar.

Em quase 30 anos de carreira como técnico, Tite conquistou dois Brasileiros, uma Copa do Brasil, uma Sul-Americana, uma Libertadores e o título mundial de clubes. Daqui a 35 dias espera levantar a principal taça da sua vida.