No Brasil, o governo muda de mãos mas continua a prevalecer a lógica do toma-lá-dá-cá

Publicado em 23/06/2023, às 18h31

Redação

No Brasil, o governo muda de mãos mas continua a prevalecer a lógica do toma-lá-dá-cá

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Texto de Nuno Vasconcelos, no portal “IG”:

“Como acontece a cada quatro anos, o eleitor foi às urnas em 2022 com a esperança de que seu voto ajudaria a construir um país melhor. Um país em que o governo não apostasse na divisão entre esquerda e direita na hora de distribuir benefícios e se mostrasse capaz de promover mudanças econômicas e de estimular o desenvolvimento. Um país que evoluísse para uma nova era de crescimento do emprego e da renda e permitisse aos trabalhadores e aos empresários deixar para trás as aflições que os perseguem desde 2014. De todos os candidatos que participaram da disputa, Luiz Inácio Lula da Silva foi o que mais prometeu dias melhores à população.

A menos de duas semanas de completar os primeiros seis meses, no entanto, o governo que foi eleito para cumprir essa missão parece empacado, sem saber exatamente o rumo a seguir para cumprir os compromissos de campanha. Ainda que os economistas prevejam algum crescimento para este ano, ele será discreto a ponto de não fazer diferença na vida das pessoas — e estará longe de abrir as portas para a prosperidade imaginada.

E se não houver uma mudança importante no ambiente institucional, que depende da aprovação do Congresso, a Economia continuará parada nos próximos anos. A pergunta é: será que Lula está mesmo perdido, a ponto de não saber em que direção avançar para entregar à população tudo o que prometeu?

Os mais apressados dirão que sim. Desde que tomou posse para o terceiro mandato na Presidência, Lula ainda não conseguiu implementar uma única medida que indicasse uma mudança significativa em relação ao caminho que o país vinha trilhando nas mãos de Bolsonaro.

É claro que houve mudanças importantes no discurso e na postura. Mas, na prática nada de importante aconteceu e isso às vezes dá a impressão de que seu governo é refém nas mãos do Congresso.

A batalha pública em torno da pasta do Turismo, que esteve próxima do desfecho na semana passada, passou a impressão de que o presidente não manda no próprio ministério e que age ao sabor das pressões que recebe do parlamento. E que, para conseguir a fidelidade de um grupo de deputados, ele é capaz de esquecer os compromissos assumidos. Ou seja: o governo que chegou para mudar parece condenado a deixar tudo exatamente como estava! Será que é isso mesmo?

Calma! Embora a vontade de ver os problemas removidos o mais depressa possível justifique as cobranças por agilidade, há muita água para descer esse morro antes de alguém afirmar, como já tem gente fazendo, que o governo deu errado e que o presidente não entregará nada do que prometeu.

E para o país obter sucesso daqui por diante, o melhor que as forças que não apoiaram Lula neste momento têm a fazer é não fazer o mesmo que o PT fazia quando era oposição.”

Em resumo, por mais que seja legítimo exigir resultados e cobrar pressa, é preciso dar a Lula o tempo que seus correligionários no Congresso sempre negaram aos presidentes que não se guiavam pela cartilha petista.

Isso mesmo! Sempre que esteve na oposição, o PT fez tudo que estava a seu alcance para infernizar o ambiente e dificultar a vida do governo da ocasião. Pior: sempre esteve do lado oposto a tudo o que pudesse trazer qualquer evolução institucional ao país desde a redemocratização.

Nunca é demais lembrar que os parlamentares da legenda, inclusive o próprio Lula, se recusaram a assinar a Constituição de 1988. Depois, foram contrários ao Plano Real.

O partido também se opôs à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) do governo Fernando Henrique Cardoso, à Reforma Trabalhista do governo Temer e à Reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Todas essas e várias outras medidas importantes aprovadas no país sempre tiveram que enfrentar a oposição ferrenha do PT

Um momento! Ninguém está dizendo que as mudanças introduzidas por essas reformas foram perfeitas nem que elas não continham pontos que precisavam ser aperfeiçoados.

O problema não está em divergir do que está sendo proposto. Está, sim, em se recusar a discutir e a negar os benefícios que algumas delas podem trazer. Ao insistir em ver o mundo com um olhar preso no Século 19, como sempre fez no parlamento, a bancada do PT em nada contribuiu para tirar o país das crises que enfrentou. Este é o ponto.

O clima atual no Congresso, por mais acentuada que pareça a divisão entre a esquerda e a direita, é bem diferente do que era no tempo em que o PT estava na oposição. Por mais que os grupos contrários ao governo batam o pé em relação a determinadas ideias e até imponham algumas derrotas ao governo nas votações de matérias rumorosas, é inegável que o país conta neste momento com uma oposição mais flexível e aberta ao diálogo do que aquela que havia, por exemplo, no tempo do governo Bolsonaro.

Ainda que muitos políticos ponham um preço elevado em sua disposição para dialogar com o governo, é inegável que a intenção de debater pode gerar resultados mais adiante. Ela pode, por exemplo, favorecer à aprovação de medidas importantes que finalmente apontem para as mudanças de que o país necessita.

Será que essa afirmação não é otimista ou ingênua demais? Mais uma vez, é preciso pedir calma e não confundir o que foi dito acima com um elogio à política do toma-lá-dá-cá — que tem dominado o cenário político brasileiro nas últimas décadas sem que nenhum presidente consiga resistir a ela.

O parlamento brasileiro sabe o poder que tem nas mãos e, por ter mais instrumentos de pressão do que o Executivo, sempre joga pesado para obter vantagens nesse jogo. O presidente que não souber lidar com isso e pensar em agir com intransigência diante de um parlamento sedento por vantagens com certeza estará abreviando seus dias no Palácio do Planalto.”

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