Análise: "Censura não é o caminho para internet segura"

Publicado em 18/06/2025, às 17h00

Flávio Gomes de Barros

Texto de Demis Getschko:

LEIA TAMBÉM

"Pós-redes o mundo tornou-se hostil: fraudes, mentiras e armadilhas espreitam a cada passo. Ou será que foram os humanos? Clima propício a propostas apressadas, visando a minimizar nossos riscos. A prudência recomendaria mais cautela: “Festina Lente”, diria o imperador Augusto: “apressa-te devagar”. Trocou-se a prioridade? Parece agora ser menos importante a busca do agente causador o dano, do que criar formas que impeçam a sua ação. Ao invés de buscar caçar o lobo que abusa, prefere-se cercar e isolar a floresta onde ele viveria, mesmo sabendo que há seres inocentes habitando lá.

 

Na discussão sobre o artigo 19 do Marco Civil, é importante uma pequena digressão: fonte de sua inspiração foi também a seção 230 do “Communications Decency Act” norte-americano de 1996, 18 anos antes da promulgação do Marco Civil em 2014. E, já em 1998, o DCMA “Digital Millenium Copyright Act” abria uma exceção à proteção que o 230 trazia às plataformas: a alegação de “infração a direito autoral” faria com que o conteúdo fosse removido, sem necessidade de ordem judicial.

Aliás o Marco Civil também prevê exceções, como da divulgação não autorizada de imagens de nudez. Nos EUA tentou-se expandir a ação deste 'notifique e será removido' (notice and takedown) quando, em 2011, os famosos casos do SOPA (Stop Online Piracy Act) e do PIPA (Protect IP Act), se propunham a remover conteúdos, nomes de domínio, etc. Isso poderia trazer uma onda de censura e auto-censura, que deformaria a internet. A comunidade internet se alvoroçou!

Em 2012, em movimento uníssono, usuários e plataformas rejeitaram o 'notice and takedown' - a própria Wikipedia removeu por 24 horas seu conteúdo em inglês, como forma de protesto. Alguns países adotaram medidas intermediárias, a partir da ideia de remoção por notificação. Caso interessante é o do Canadá, com o 'notice and notice': quando uma plataforma recebe uma reclamação sobre um conteúdo, ela é repassada ao autor, mas mantem-se o conteúdo no ar - caberá ao autor decidir se prefere removê-lo e não correr riscos legais, ou se o preservá-lo, independentemente da reclamação.

Fechar a floresta não elimina o lobo, apenas o desloca. Diógenes de Sinope, com ironia, ensinava que não são as muralhas que protegem a cidade, mas a concórdia entre os cidadãos (Diógenes Laércio, VI.20). Ou seja, é a educação e a ética que geram qualidade na convivência social, no diálogo e no respeito mútuo.
O caminho mais seguro não é alçar entidades em censores preventivos, mas sim responsabilizar os agentes pelos seus próprios atos, com processo e aplicação firme da lei. Isso inclui indivíduos e empresas, especialmente as que conhecem e se valem do conteúdo que recebem.
Soluções rápidas costumam gerar remédios piores que a doença, erodindo a própria vitalidade democrática que pretendiam proteger. Há que se lidar com as consequências da liberdade, não eliminá-la em nome de uma segurança absoluta, que não existe.
Como diriam na Atenas antiga, avançamos na 'techne', mas talvez tenhamos retrocedido na 'phronesis'."
 
 
 
Gostou? Compartilhe

LEIA MAIS

COMUNICADO Com Boulos no Planalto, Lula tenta reconstruir a esquerda O coração dividido de Luciano Barbosa Ufal é destaque em novas variedades de cana-de-açúcar