Análise: "É proibido chamar ladrão de ladrão"

Publicado em 18/04/2025, às 19h00

Flávio Gomes de Barros

Jornalista Felipe Moura Brasil:
 

"Um dos piores legados da impunidade geral é não poder chamar ladrão de ladrão. Seja ladrão de estatal, seja ladrão de emenda, seja ladrão de gabinete. Seja ladrão de esquerda, seja ladrão de Centrão, seja ladrão de direita.

A blindagem judicial também blinda contra a descrição verbal objetiva, protegendo a imagem do ladrão na sociedade com a imposição do risco permanente de prisão, ou de condenação por crime contra a honra, a quem ousar descrevê-lo à luz dos roubos impunemente cometidos, ainda que fartamente comprovados.

Existem, claro, segmentos moralmente corrompidos da sociedade que, mesmo conscientes dos crimes, têm seus ladrões de estimação e fazem campanhas em defesa deles, mas, sem o alerta linguístico legitimado judicialmente, o segmento menos consciente dos atos criminosos e das manobras processuais que os acobertaram, ou das graves consequências de eleger pessoas sem caráter, fica mais suscetível a ser roubado ou, pelo menos, enganado de novo, já que a ladroagem pressupõe a disposição para a mentira.

Ladrões de todos os matizes supostamente ideológicos, com poder concedido por variados segmentos da população, ainda se articulam entre si para minar os mecanismos de combate à ladroagem que resultaram nos processos dos quais, não sem desgaste com cidadãos mais conscientes, acabaram se livrando.

Com o desmantelamento desses mecanismos, os ladrões passam a roubar livremente, institucionalizam determinados tipos de roubo e corrompem ainda mais a administração pública, favorecendo a ala das elites econômicas mancomunada com o poder e distorcendo o mercado de trabalho com a concorrência desleal dos empresários favorecidos – com frequência, também ligados às togas protetoras ou contratantes de familiares dos togados.

Para controlar as narrativas circulantes, impedindo a expressão de suas condutas, esses empresários (patrocinando ou comprando), assim como os governos (com verbas de publicidade), investem em veículos de comunicação, onde a ladroagem sistêmica e a impunidade geral nunca mais são nomeadas como obstáculos à ordem, ao progresso, ao desenvolvimento econômico, à igualdade de oportunidades, à bonança, à paz social. Ao contrário, qualquer iniciativa para combatê-las é desqualificada e demonizada como um projeto de poder político, uma vez que ela se converte em ameaça perigosa a seus financiadores.

O contraste entre o “garantismo” para os poderosos e o punitivismo para seus críticos (que, mesmo quando incorrem em crimes e merecem ser punidos, são alvos de penas excessivas) turbina ressentimentos, tensiona o debate público, estimula a autocensura, resulta em censuras veladas e oficiais, e vai abrindo novos flancos para o autoritarismo sob o pretexto de defesa da “democracia”, o que termina por sugar o país para uma disputa bizarra entre os praticantes do conchavo geral e os apoiadores do golpe de Estado.

É urgente restaurar a linguagem até para descrever a natureza dessa disputa. Porque um país onde só ladrão de celular pode ser chamado de ladrão não pode dar certo."

 
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