Flávio Gomes de Barros
Texto de Vinicius Rodrigues Vieira
"Em busca de um partido ao qual possa se fundir ou pelo qual possa ser incorporado, o PSDB tem sua trajetória associada à evolução da redemocratização pós-ditadura militar e, portanto, da ordem constitucional imposta pela Carta Magna de 1988.
A 'morte' do partido, assim, pode sinalizar o fim da Nova República e dias ainda mais difíceis para os defensores da Constituição, que, vem sendo desacreditada até mesmo pelos futuros operadores do Direito que flertam com a política antissistêmica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) et caterva.
Embora o desaparecimento dos tucanos é geralmente creditado às suas próprias lideranças, parece-me que o partido que ocupou a Presidência da República entre 1995 e 2002 e, depois disso, foi a principal força de oposição até 2016, termina por conta de dois fatores estruturais.
Um partido como o PSDB, originalmente com tendências liberais na economia e nos costumes, só tinha lugar num Brasil que era minimamente competitivo em indústria na globalização ou tivesse disseminado valores do liberalismo político entre a população. Na esfera econômica, há muito perdemos qualquer capacidade competitiva no setor de manufaturados. Na dimensão comportamental, estamos assaz afastados da valorização dos direitos individuais universais que tanto caracteriza o liberalismo político.
No Brasil pós-globalizado, quem dita a marcha político-econômica é a dinâmica agroexportadora. Não descemos para BC, com diz o hit do verão que glorifica Balneário Camboriú. Quase um século depois do início da marcha forçada para a industrialização, voltamos para o inferno da dependência de commodities, tão característico da República Velha, em combinação com o fundamentalismo conservador religioso.
O PSDB falava para uma classe média do pós-ditadura que não mais existe porque, em sua configuração histórica, foi dizimada junto com a indústria nacional. Profissionais liberais historicamente ligados ao partido ainda estão por aqui, mas hoje seus valores aproximam-se mais do bolsonarismo que do tucanismo histórico, de forte viés intelectual. De fato, nunca tiveram os tucanos uma base orgânica tal e qual o PT encontrou nos sindicatos e, hoje, a extrema direita — espalhada por diversos partidos, sobretudo o PL — dispõe dentre profissionais militares e de segurança pública, produtores agrícolas, pequenos empresários e evangélicos.
É simbólico que, para os tucanos, tenha sobrado apenas a opção de se juntar a um dos dois partidos que melhor r'presentam o centrismo à brasileira. PSD e MDB bem encarnam o tipo de partido 'pega-tudo”, mas que hoje possuem quadros relevantes a flertar com a direita antidemocrática. Tendo sido uma dissidência do antigo PMDB, que se tornara excessivamente fisiológico durante a Constituinte, o PSDB representou uma tentativa fracassada de modernização da política brasileira, com foco em quadros com certo verniz intelectual-técnico, num claro contraponto ao personalismo típico das agremiações políticas do país.
O bolsonarismo, porém, deixou o PSDB nu. Isso porque fica evidente que parcela significativa votava 45 não por convicção, mas por falta de alternativa para combater o petismo e o lulismo. O distanciamento temporal da ditadura e o declínio do liberalismo ao redor do mundo fizeram com que a extrema direita desse a cara a bater e perdesse a vergonha.
Corretamente criticado pela postura elitista de suas lideranças e membros, o PSDB chega ao fim da linha num momento em que a democracia segue ameaçada. Por isso e por sua trajetória de quase 37 anos, não é exagero dizer que o fim dos tucanos representa nosso fracasso como democracia. Do centro para a direita, hoje no Brasil não sobra uma força totalmente comprometida com essa forma de regime político.
Para sustentar a ordem político-social-econômica inaugurada entre 1985 e 1988, basta uma centro-esquerda cada vez mais minoritária e com traços fortes de personalismo e populismo? Até mesmo os que costumavam ser desprezados pelos tucanos, assim como os adversários que os rotulavam de fascistas, vão sentir saudades."
LEIA MAIS
COMUNICADO Com Boulos no Planalto, Lula tenta reconstruir a esquerda O coração dividido de Luciano Barbosa Ufal é destaque em novas variedades de cana-de-açúcar