Bióloga e escritora portuguesa é achada morta dias após relatar estupro sofrido aos 60 anos

Publicado em 11/12/2025, às 22h48
- Foto: Reprodução/X

Cláudia Colucci/FolhaPress

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Dias antes de ser encontrada morta em sua casa em Estremoz, no Alentejo, em Portugal, a bióloga, escritora e professora Clara Pinto Correia, 65, ícone literário e voz polêmica da cultura portuguesa, relatou ter sido estuprada na noite de Natal de 2020. Á época tinha 60 anos.
Em uma crônica publicada no jornal digital "Página Um", do qual era colunista, ela escreveu que o crime havia ocorrido após sair de uma festa na casa de amigos e ter aceitado carona de um jovem.

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"Há cinco anos, (...), foram os dois tarados que juntaram esforços para tornar possível a minha violação. E depois, como fazem todas as mulheres violadas, falei com a minha médica, mas não falei com mais ninguém", diz um trecho da coluna.


Depois do episódio, Clara disse que ter ficado "traumatizada até ao mais fundo do coração", desenvolveu depressão e se refugiou ainda mais na solidão, longe da família e dos amigos.
O corpo de Clara foi encontrado pela empregada e, segundo as autoridades policiais, a morte havia ocorrido três ou quatro dias antes. Ela vivia sozinha com o cachorro Sebastião.


As causas da morte ainda estão sendo investigadas. Os exames iniciais apontam para uma parada cardíaca, mas só a necropsia e exames toxicológicos vão esclarecer as circunstâncias.


Combinação rara de cientista e escritora, Clara fez carreira acadêmica na pesquisa em embriologia e integrou equipes em instituições como o Instituto Gulbenkian de Ciência e universidades nos Estados Unidos. Teve o celebrado paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould como mentor.


A sua carreira literária começou no início dos anos 1980. Com apenas 25 anos, escreveu o romance "Adeus, Princesa" (1985), obra que logo se um best-seller, chegando a ser adaptada ao cinema em 1992. O livro explorava a alma do Alentejo na fase final da reforma agrária.


Ao longo da vida, Clara publicou mais de 60 obras, com gêneros que iam da ficção e literatura infantil à divulgação científica, ensaio e crônica de opinião.


Nos anos 1980 e 1990, foi presença regular em debates públicos em Portugal, um estilo que lhe angariou tanto admiradores quanto críticos.


Em nota após a sua morte, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, destacou-a como "uma personalidade de grande inteligência e brilho", cuja "intervenção oral e escrita, o magistério científico e a comunicação com os outros" nunca deixaram ninguém indiferente.


Nos últimos anos, porém, várias polêmicas marcaram a sua vida pessoal e profissional, que a levaram e dificuldades financeiras e profissionais e ao afastamento dos holofotes.


A derrocada teve início em 2003, após ser alvo de acusações de plágio relacionadas a um artigo de opinião publicado na revista "Visão", que deixou cicatrizes na sua relação com parte da comunidade intelectual.


Outro episódio que deu muito que o falar foi a exposição fotográfica "Sexpressions", composta por dez fotografias de Clara com expressões de orgasmo, feitas pelo seu então marido Pedro Palma.


Em entrevistas, a escritora disse que sentiu na pele o preconceito nas mais diversas formas. Relatou ter perdido trabalhos, passado quase dois anos sem subsídio de desemprego e enfrentado até uma ordem de despejo da casa onde viveu por três décadas.


"Ao fim de 60 anos de grande esforço de estudo e formação, outros tantos de criatividade, e mais outros tantos de serviço ao país, a Clara Pinto Correia... é uma gaja que fez um plágio e teve um orgasmo. Se eu não fosse capaz de rir na face das minhas desgraças, já tinha enlouquecido há muito tempo", desabafou em uma das entrevistas.


Clara Pinto deixa dois filhos e seis netos. O funeral está previsto para esta sexta (11), em Lisboa, reservado à família e amigos próximos.


Para além de toda a biografia oficial, Clara Pinto Correia foi amiga e mentora no meu mestrado em história da ciência, na PUC (Pontifícia Universidade Católica).

O seu livro "O Ovário de Eva: A Origem da Vida", que oferece um relato detalhado e fascinante sobre como os cientistas e pensadores da época imaginavam a reprodução, antes do entendimento moderno da biologia reprodutiva, abriu-me as portas para conhecer a obra do italiano Lazzaro Spallanzani, tema da minha dissertação. RIP, Clara.

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