Flávio Gomes de Barros
Cientista político Fernando Schuller:
"No Brasil não existe censura', disse o ministro Barroso esta semana, na abertura de uma sessão do STF. A declaração me surpreendeu. Tenho apreço pelo ministro, de modo que dou uma resposta popperiana: listo dez casos de censura, no Brasil dos últimos anos. Se eles não existirem, está tudo bem. Mas se eles forem reais, quem sabe vale refletir sobre o que vem se passando, afinal, em nossa democracia.
O primeiro é o ato inaugural. Muita gente acha que os inquéritos surgiram para salvar a democracia, mas não. Foi para censurar uma revista, em 2019 Depois vem o caso do PCO. Um tuíte que quase ninguém leu, um 'ataque' ao STF, quem sabe em nome da justiça soviética, e o minpusculo partido comunista foi apagado. O terceiro é o professor Marcos Cintra. Tuíte elegante sobre o resultado de algumas urnas. Nenhum 'ódio'. Apenas o direito de questionar alguma coisa, na internet. O próximo é o deputado Homero Marchese. Divulgou um protesto, em Nova York. Estava no Paraná. Mas foi a pique. Censurado durante meses, recorreu. Sua indenização foi anulada e, o juiz que a concedeu, investigado.. Curioso caso em uma democracia onde 'não existe censura'.
Depois vem a turma do WattsApp. Grupo privado, papo-furado. Um sujeito diz que prefere uma ditadura à eleição de um candidato. Bobagem, não crime. Os demais, nada. Um deles, Luciano Hang. Dois anos de censura por dizer coisa nenhuma, no WhatsApp. A lista segue com o Monark. Primeiro, censurado por achar que mesmo um partido nazista deveria ter direito à expressão. Princípio elementar da Primeira Emenda Americana. Crime? Foi censurado ainda uma segunda vez por críticas ao STF. Ameaça nenhuma, apenas uma opinião ácida. Dessas a que estão sujeitos os que ocupam funções públicas.
Censurar um documentário sobre o atentado a Bolsonaro, sem conhecer o conteúdo? Caso clássico, e algo ridículo, de censura prévia; Indiciar um deputado, Marcel Van Hatten, por uma denúncia de abuso de poder, na tribuna da Câmara? Um deputado não pode fazer uma denúncia, no Parlamento, se julgar relevante? E as plataformas digitais obrigadas a apagar sua visão sobre o 'PL das Fakes News'? E uma autoridade, numa manhã de Brasília, dando ordens para 'desmonetizar' revistas? E depois de ouvir que 'não tem nada', que há apenas 'matérias jornalísticas', mandar que se 'use a criatividade' para incriminar veículos de comunicação?
Desde que o mundo é mundo, liberdade de expressão é para ideias desagradáveis e controversas. Ideias que 'odiamos', como lembrou Oliver Holmes. Liberdade só para ideias aceitáveis ao poder é democracia café com leite. Ou para as tantas formas do iliberalismo atual. Quero crer que o ministro concorde com isso. Muitos cidadãos foram agredidos, em seus direitos, e isto jamais deveria acontecer em nossa democracia.
Oxalá o tempo e a sabedoria nos ajudem a corrigir essas coisas."
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