Flávio Gomes de Barros
Jornalista Carla Jimenez:"O início do julgamento de Jair Bolsonaro cria um quadro inédito no Brasil: num espaço de menos de uma década, dois ex-presidentes terão sido julgados pela Suprema Corte por atos ocorridos durante seus respectivos governos.O primeiro foi julgado por corrupção. O segundo, por atentar contra a democracia.Bolsonaro será julgado por cinco crimes, sendo o golpe de Estado e a abolição violenta do Estado Democrático de Direito os mais importantes num país que já sofreu outros nove golpes em sua história, sem contar os fracassados.'Estamos diante de uma situação inédita; do ponto de vista constitucional, um tribunal vai enfrentar o julgamento de um processo de golpe, e do ponto de vista simbólico, quando olhamos para a maneira como essa ruptura foi planejada', diz a professora Eloísa Machado, professora de direito constitucional da FGV Direito de São Paulo.Eloísa avalia que o golpe começou a ser planejado desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, quando o então presidente já partilhava textos com críticas ao STF para desgastá-lo propositalmente, com o intuito de avançar o sinal diante dos limites democráticos.'O Supremo chega fragilizado ao julgamento porque apanha do bolsonarismo desde 2019', acredita.Mas, para o professor da FESP-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), Beto Vasques, os réus golpistas têm pouca margem de manobra, devido ao "excesso de provas" contra eles, mais fortes do que a delação.Caberá à defesa do ex-presidente de extrema direita, por exemplo, o ônus de apresentar provas de que seu cliente não tem nada a ver com um plano (batizado de 'Punhal Verde e Amarelo') que previa matar autoridades - incluindo Lula -, impresso dentro do Palácio do Planalto.E que a invasão da Praça dos Três Poderes, acompanhada em tempo real pelo país todo, no dia 8 de janeiro de 2023, não tem nada a ver com ele.'Uma tentativa de golpe onde dificilmente se veem tantas provas produzidas pelos próprios autores', diz o advogado criminalista Antônio Carlos Almeida Castro, conhecido como Kakay, que defendeu mais de 30 réus nos tempos da Lava Jato.No caso de Lula, o STF ratificou a condenação a 12 anos e um mês de prisão em abril de 2018 pela suposta propina recebida por ele de uma empreiteira, em forma de um tríplex no Guarujá.O apartamento, de 215 m², seria a recompensa concedida a Lula, segundo a tese do então juiz de Curitiba, Sérgio Moro, por facilitar a relação da OAS com a Petrobras.O TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) deu aval à tese de Moro, depois confirmada pelos ministros da Corte.Lula era mais um personagem pego pela Justiça dentro um escandaloso propinoduto que inflava contratos da Petrobras para enriquecer um punhado de executivos, fornecedores e partidos políticos, incluindo o PT.Há inúmeros documentos que confirmam as transações, centenas de executivos delatores que contaram como repartiam ou distribuíam propinas, e políticos admitindo que recebiam dinheiro do esquema há décadas.Faltava uma prova concreta que atrelasse Lula diretamente à corrupção da Petrobras. Surgiu com o tríplex, embora o imóvel não estivesse em nome do petista, e sim no da OAS.À época do julgamento, a defesa de Lula argumentava que a inclusão do seu nome no julgamento forçava a barra, e apelou para a tese de 'lawfare', o uso político do Direito para perseguir adversários. Não teve sucesso, Lula foi preso, mas o tempo acabou lhe dando razão.Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol viraram políticos e, em tese, se beneficiaram da prisão de Lula. O resto é história.Os advogados de Bolsonaro também trouxeram à tona a tese de lawfare para o seu cliente quando ele foi indiciado por obstrução de Justiça no dia 20 de agosto, diante de diálogos encontrados no celular do ex-presidente, apreendido no início do mês passado.Nele, havia indicações da comunicação do ex-presidente com o filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), buscando saídas para desgastar o ministro Alexandre de Moraes junto ao governo dos EUA.Havia ainda um rascunho de pedido de asilo para o presidente argentino, Javier Milei.Para Lenio Streck, jurista e professor da Unisinos (Universidade do Vale dos Sinos), o caso de Bolsonaro não configura lawfare porque não há nenhuma evidência de que a Corte esteja usando o Direito politicamente contra Bolsonaro como se ele fosse um inimigo.'Na verdade, foi o Bolsonaro quem colocou o STF como seu inimigo', completa.O advogado Rafael Valim, co-autor do livro 'Lawfare, uma introdução', concorda. 'O julgamento de Bolsonaro é muito diferente do caso Lula. Hoje a Corte precisa julgar tentando se defender', diz Valim.Defender-se inclusive dos ataques orquestrados no exterior pelo filho do ex-presidente, que insuflou o uso da Lei Magnitsky contra Moraes."
LEIA MAIS
COMUNICADO Com Boulos no Planalto, Lula tenta reconstruir a esquerda O coração dividido de Luciano Barbosa Ufal é destaque em novas variedades de cana-de-açúcar