Tatiana Ferraz ressalta que a legislação ‘foi criada num contexto de Estado controlador, o que se evidenciava na criação do sindicato único’. ‘O objetivo era criar um documento único que pudesse trazer de forma clara e acessível os direitos dos trabalhadores, num contexto de aceleração da economia, que gerou o aumento da oferta de empregos, mas acentuou as péssimas condições de trabalho e a desigualdade social.’
A partir de então, criou-se também o imaginário nacional de que a legislação trabalhista brasileira era muito protetiva e onerosa para os patrões. O que, comparado com outros países, nem sempre é uma visão correta.
Ferraz avalia que a legislação trabalhista local é ‘abrangente, quando comparada com os Estados Unidos [?], que não possui uma lei federal trabalhista’. ‘Por outro lado, a França tem um código do trabalho prevendo jornada de trabalho inferior à brasileira e proteção contra despedida arbitrária.’
Fabiola Marques entende o protecionismo da legislação trabalhista brasileira como uma necessidade, ‘porque não existe igualdade de condições entre empregado e empregador’. Depende: se compararmos com a China, [a lei brasileira] é bem mais protetiva. Se comparada com a Alemanha, França e Espanha, não é mais benéfica.’
‘É importante [salientar] que o problema do desemprego no país não é decorrente da legislação trabalhista, mas sim de fatores sociais e econômicos’, defende Marques. ‘Enquanto não houver garantia de educação e distribuição de renda no Brasil, empregados continuarão a ser explorados. Com ou sem legislação protetiva, já que tampouco existe fiscalização.’
Reforma de 2017
Ela diz que, ‘ao contrário do prometido’, a reforma de Temer ‘não criou novos empregos, não fortaleceu os sindicatos ou a negociação e, como se não bastasse, trouxe riscos para os empregados que, por não terem seus direitos observados, são obrigados a acionar o poder judiciário’.
Para o advogado Luiz Carlos Corrêa, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), entre os impactos negativos resultantes da reforma de 2017 está a ampliação da precarização e a piora na inserção no mercado de trabalho:
“Os postos de trabalho criados estão também em condições piores. Um dos argumentos de quem defendia a reforma era a criação de mais empregos, mas vimos o contrário.”
Em 2019, pela primeira vez na história, o Brasil acabou incluído na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora, segundo o Índice Global de Direitos divulgado durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Da mesma lista constam países como Zimbábue, Filipinas, Cazaquistão, Bangladesh e Guatemala.
Mas não são só críticas que pesam sobre a reforma de 2017. A advogada Tatiana Ferraz, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), onde integra o Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho, e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende que as mudanças implementadas foram “necessárias para a adequação da legislação trabalhista às novas tipologias criadas nas últimas décadas”.
Ela defende a necessidade da criação de um código próprio para o direito do trabalho: ‘Ainda há a insistência de nosso legislador em ‘remendar’ a CLT, perdendo a oportunidade de criar um código, no que pese a reforma trabalhista ter sido a maior até hoje em nosso sistema. Isso é fruto de um sistema conservador e ainda preso às raízes protecionistas, que não se justificam mais para 100% dos empregados’, argumenta a professora.
Dentre todos os ‘remendos’, destacam-se outros ajustes além da reforma do governo Temer. A Constituição de 1946, por exemplo, transformou a Justiça do Trabalho em órgão do poder judiciário, reconhecendo sua autonomia.
Em 1966 foi criado o 13º salário. Três anos mais tarde, houve a regulamentação do descanso semanal remunerado e do trabalhado aos domingos e feriados. A Constituição de 1988 fixou direitos mínimos dos trabalhadores. É do ano seguinte a lei que atualmente regulamenta greves.
Mais recentemente, em 2019, instituiu-se a assim chamada lei de liberdade econômica, que ampliou o leque de atividades com permissão para trabalho aos domingos.
‘Além disso, na pandemia, o Brasil teve diversas medidas provisórias, algumas convertidas em lei, permitindo a adoção de medidas para flexibilizar alguns direitos trabalhistas. Em 2022, tivemos uma lei [?] com importantes alterações para o teletrabalho e o vale-refeição’, “, salienta Ferraz.”