A ressurreição da frente ampla de Lula

Publicado em 10/08/2025, às 17h00

Flávio Gomes de Barros

Do jornal "O Estado de São Paulo":

"Lula da Silva ganhou a eleição presidencial de 2022 por um triz, embalado pela pregação de união nacional em defesa da democracia contra o bolsonarismo. A tal 'frente ampla', contudo, não resistiu a um par de meses de Lula na Presidência: rapidamente, a natureza lulopetista de concentração de poder e de visão econômica perdulária e estatista logo se impôs, traindo os eleitores independentes que foram decisivos para derrotar Jair Bolsonaro.

Governando mais do que nunca como petista, Lula vinha amealhando índices medíocres de popularidade e começou a ver seriamente ameaçada suas chances de reeleição em 2026, a ponto de se especular se ele sairia mesmo como candidato. Mas então apareceu Donald Trump.

O presidente americano, escoltado por sabujos brasileiros sob a liderança da família Bolsonaro, resolveu interferir diretamente nas eleições do ano que vem, ao punir de modo draconiano ministros do Supremo Tribunal Federal, com a óbvia intenção de coagi-los a desistir do julgamento do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Foi o bastante para que Lula tirasse de seu baú discursivo a empoeirada bandeira da defesa da democracia – e agora, também, a da defesa da soberania nacional.

O presidente do PT, Edinho Silva, deu o tom: em entrevista recente ao Valor, ele falou em reedição da 'frente ampla' para eleger Lula, dizendo que, sem a vitória do presidente, 'o retrocesso para o Brasil será gravíssimo do ponto de vista da reconstrução das políticas públicas, de um projeto de país, e do risco de abrirmos espaço para o avanço do fascismo'.

É preciso reconhecer que Lula seria um tolo se não aproveitasse a oportunidade de ouro que Trump e os Bolsonaros lhe ofereceram de bandeja.'Defesa da democracia' havia se tornado um slogan obsoleto, porque a ameaça de ruptura já foi plenamente neutralizada, e os principais sediciosos estão à beira de uma dura e merecida condenação.

Até o ataque de Trump ao Brasil, Lula estava tendo que se haver com o duro cotidiano de um governo com escassez de poder e de ideias, recorrendo até mesmo à nostalgia da luta de classes para tentar reviver suas chances eleitorais. Mas eis que, de uma hora para outra, a truculência trumpista e bolsonarista conseguiu a façanha de dar a Lula ares de líder dos brasileiros contra uma injustificada agressão externa de caráter evidentemente golpista.

Se esta crise será decisiva na eleição de 2026, é algo que está no terreno da adivinhação, mas é lícito supor que, se Trump continuar a apertar o torniquete contra o Brasil a pretexto de ajudar Jair Bolsonaro, Lula terá plenas condições de se apresentar no palanque como o campeão da independência brasileira contra os entreguistas bolsonaristas – com chances razoáveis de convencer disso os eleitores decisivos, aqueles que rejeitam tanto o PT quanto Bolsonaro.

Aos candidatos que pretendem desbancar Lula em 2026, portanto, é imperativo afastar-se tanto de Bolsonaro quanto de Trump, que são crescentemente tóxicos, por razões sobejamente conhecidas. Conforme atestou recente pesquisa do Datafolha, só 6% dos brasileiros acham que o governo deveria atender às condições impostas por Trump, e quase 60% consideram que o presidente americano está errado ao exigir a anulação do julgamento de Bolsonaro.

Compreende-se que alguns dos possíveis candidatos do campo conservador precisam expressar lealdade a Bolsonaro, a quem devem seu sucesso eleitoral, mas já está claro que o ex-presidente não ajudará a conquistar o eleitorado que quase certamente desempatará a eleição, como ocorreu em 2022. Derrotar Lula, assim, passa necessariamente por renegar a truculência trumpista e o golpismo bolsonarista.

As urnas não perdoarão quem hesitar entre os interesses dos Bolsonaros e os interesses do Brasil. E a História não perdoará quem permitir, por pusilanimidade, que Lula, posando de super-herói patriota e vingador mascarado da democracia, ganhe mais quatro anos de poder."

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