Redação
Por Nuno Vasconcelos, no portal IG:
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“É preciso ter a cabeça em outro planeta para imaginar que os militares, a esta altura do Século 21, estariam dispostos (para recordar as palavras do deputado Eduardo Bolsonaro, ditas antes da eleições de 2018) a mobilizar ‘um cabo e um soldado’ num jipe para fechar o Supremo Tribunal Federal ou qualquer outra instituição brasileira. Por mais que a oposição tenha apontado, ao longo dos últimos quatro anos, o risco de as Forças Armadas agirem como uma espécie de ‘guarda pretoriana’ do governo, o certo é que não foram elas, mas os eleitores de quatro anos atrás, que puseram e mantiveram Bolsonaro no poder.
Por outro lado, é preciso reconhecer que uma parte dos militantes situacionistas também levou a sério essa possibilidade e sonhou com uma quartelada ao melhor estilo das republiquetas latino-americanas do século passado. Isso, porém, não acontecerá. Por, pelo menos, três razões.
A primeira é que os militares são os primeiros a rejeitá-la. Eles nunca demonstraram o menor interesse nessa solução nem fizeram, desde a redemocratização, qualquer movimento que sugerisse a intenção de um golpe. Será que a ‘autorização’ dada pelos bolsonaristas é suficiente para tirar as tropas dos quartéis? Certamente, não.
A segunda é que, em 1964, os militares não agiram sozinhos – e, sem apoio civil, a chance de um golpe dar certo é tão remota quanto a do restabelecimento da monarquia no Brasil. Naquele momento, eles contaram com a simpatia, com o apoio e com a adesão da classe média, de empresários e da imprensa da época que os ajudaram a tramar e, em seguida, a legitimar o golpe. Se alguns desses órgãos de imprensa, por conveniência ou por convicção, mudaram de ideia nos anos seguintes e passaram a defender a democracia, é uma outra história. O certo é que, em 1964, eles eram aliados fiéis do movimento que pôs uma pedra sobre o Estado democrático de direito no país.
Por último, mas não menos importante, existe a razão econômica. A economia brasileira, ao longo das últimos 58 anos, tornou-se mais diversificada, menos concentrada no Sudeste, mais internacionalizada e menos disposta a acertar uma imposição de cima para baixo do que era naquele momento. Um país como este tem muito a perder caso perca a conexão com o mundo. Qualquer tentativa de romper a ordem institucional no momento atual afastaria o país do mercado internacional e tornaria ainda mais difícil a conquista do objetivo que deveria ser a prioridade de qualquer governante neste momento.
Que objetivo é esse? Elementar: deixar a crise para trás, fazer o país crescer, gerar empregos e oferecer oportunidades de uma vida mais digna e mais próspera a toda população, que merece acesso de qualidade à educação, à saúde, à alimentação, à segurança, ao lazer e à habitação.
Para alcançá-lo serão necessárias providências que, até segunda ordem, não estão na alça de mira do governo recém-eleito, assim como não estavam na do candidato derrotado. Quanto mais tarde o governo e a sociedade acordarem para esta realidade, mais difícil e onerosa será a solução.
Em resumo, o que está sendo proposto aqui é uma medida radical, que leve em conta a gravidade e a profundidade da crise que o país atravessa e implante algo parecido com um ‘Governo de Salvação Nacional’. Nele, todos terão que abrir mão de alguma demanda para que, juntos, todas construam ma solução de longo prazo.
A busca dessa solução deve partir da constatação de que, com apenas 2.139.645 votos a separar o primeiro do segundo colocado, no universo dos mais de 124 milhões de brasileiros que foram às urnas, o equilíbrio é delicado e todo cuidado é pouco.
Qualquer tentativa de impor a pauta mais radical do lado vencedor sobre os adversário derrotado servirá apenas para prolongar esse clima de disputa que, embora não tenha força suficiente para desencadear um golpe de Estado, pode dificultar o encontro das soluções dos problemas que de fato interessa.
Ou então – o que pode ter consequências ainda mais nefastas para o país e sua população -, alimentar a prática do Toma-Lá-Dá-Cá que só interessa aos políticos espertalhões. E essa prática, pelo visto, já ganhou forças antes mesmo do novo governo começar…”
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