Espécie de peixe identificada por brasileiros viveu há 66 milhões de anos na Antártida

Publicado em 23/08/2025, às 10h37
- Foto: Maurilio Oliveira/Divulgação/Nature

Aléxia Sousa/FolhaPress

A paisagem gelada da Antártida esconde pistas de um passado muito diferente. Pesquisadores brasileiros identificaram o fóssil de um peixe que viveu há mais de 66 milhões de anos, pertencente a uma espécie até então desconhecida. O exemplar também sugere que o continente já teve mares com temperatura mais amena.

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O estudo foi conduzido por cientistas da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Eles publicaram os resultados no dia 11 deste mês na revista Scientific Reports. O trabalho contou com colaboração de pesquisadores da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e recebeu financiamento da Faperj, da Capes e dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.


A coleta do fóssil se deu na Ilha James Ross durante uma expedição do projeto Paleoantar realizada no verão de 2018-2019.


Batizado de Antarctichthys longipectoralis, o espécime media de 8 a 10 centímetros e possuía nadadeiras peitorais excepcionalmente longas. A espécie pertence a um grupo encontrado tanto em água doce quanto na marinha e que hoje é visto principalmente em regiões tropicais e subtropicais.


"Ao analisar as imagens, a gente foi ficando animado com as estruturas anatômicas. Começamos uma análise de parentesco e aí vimos que esse grupo sempre ocorre mais ao norte. Então, como ele apareceu aqui [mais ao sul], foi ainda mais interessante", diz a bióloga Valéria Gallo, professora titular do Departamento de Zoologia da UERJ e uma das autoras do estudo.


"Academicamente, a gente sabe quando um artigo científico tem impacto. Uma descrição nova é importante, mas essa ocorrência na Antártida traz um impacto diferente para o nosso trabalho", acrescenta a pesquisadora.


A análise do fóssil foi realizada por meio de microtomografia computadorizada no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ), que gerou mais de 2.000 tomogramas usados para reconstrução 3D.


"A microtomografia é extremamente eficaz para espécimes pequenos e permite acessar estruturas internas da matriz rochosa ou do próprio osso. Conseguimos informações em alta resolução sobre o volume e formato das estruturas. Provavelmente, sem essa técnica, não conseguiríamos nomear a espécie", afirma o paleontólogo Arthur Souza Brum, pós-doutorando do Departamento de Zoologia da UERJ. Ele também assina o artigo.


A pesquisa revelou que o Antarctichthys longipectoralis possuía nadadeiras peitorais extremamente longas, a ausência de dentes e a existência de uma conexão otofísica no neurocrânio --estrutura que liga o ouvido interno e crânio, relacionada à condução sonora e ao equilíbrio.


Essas particularidades sugerem que o peixe se alimentava por filtração, retirando partículas da água, e que suas nadadeiras longas ajudavam na flutuabilidade, já que o grupo perdeu a vesícula gasosa presente em peixes modernos.


"É tudo inferência. Pela estrutura anatômica podemos deduzir que ele usava a nadadeira para manobras rápidas ou para subir e descer na coluna d'água", afirma Gallo.


"Quando você olha para o peixe, consegue relacioná-lo a espécies atuais", diz a pesquisadora, referindo-se à reconstrução artística da espécie. "Isso facilita explicar para uma criança ou para alguém que não é da nossa área. A gente compara com peixes que existem hoje, olha as formas, a nadadeira longa, a cabeça alongada... você consegue mostrar que não é algo tão distante, como um dinossauro de 40 metros, que não tem nenhum equivalente atual."

O fóssil também fornece informações sobre o clima e a vida marinha na Península Antártica durante o Cretáceo. A região não possuía a cobertura de gelo atual e estava geograficamente mais próxima da América do Sul, mantendo conexões marinhas que permitiam maior biodiversidade.


"Podemos inferir, a partir do peixe e de outros fósseis da formação geológica, como tubarões, moluscos, crustáceos e algas, que havia mares abertos, clima ameno e ecossistemas ricos. Era um ambiente bem mais ameno do que hoje", diz Gallo.


O estudo levou cerca de cinco anos, período marcado por obstáculos como o incêndio no Museu Nacional em 2018, que destruiu grande parte do acervo, e a pandemia de Covid-19. A preservação excepcional do peixe se deve à concreção em que foi encontrado, com uma camada sedimentar que protege o fóssil, mantendo ossos e vértebras articulados.


"Tivemos muita dificuldade. O material estava empacotado e, quando desempacotamos, já não existia mais o Museu Nacional. A gente examinava com máscara, no microscópio, tentando tirar o material e triá-lo. Teve muito desânimo, mas a gente sabia que conseguiria completar o trabalho", lembra Gallo.

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