Contigo!
Em vez de criar piadas sobre a Bíblia, Fabio Porchat decidiu lê-la. O resultado é "Stand Up e Anda!", especial de Natal do Porta dos Fundos de 2025, que usa passagens do Velho Testamento como material para um programa que conta histórias bíblicas clássicas e detalhes menos conhecidos de maneira cômica e questiona interpretações seletivas do texto sagrado.
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O especial, que estreia nesta quarta-feira (17) no YouTube, marca o retorno do Porta dos Fundos ao formato natalino após dois anos e aposta em um gênero inédito dentro dessa tradição do grupo. Pela primeira vez, a produção coloca Porchat sozinho em cena, no papel de Jafé Julião, um comediante que se apresenta para uma plateia há dois mil anos.
Segundo Porchat, as passagens narradas foram escolhidas pela distância que o público costuma manter dos detalhes "absurdos" ou "improváveis" do texto original. "A maioria das pessoas acredita profundamente na Bíblia, mas não leu", afirmou o comediante. "O que me interessava era provocar essa pergunta: vocês leram a Bíblia? Porque a Bíblia diz muita coisa."
Ao longo do espetáculo, o humorista cita capítulos e versículos no palco, reforçando que as histórias narradas não são invenções "Eu faço questão de deixar claro que está na Bíblia. Não sou eu falando isso", disse ao F5. "A interpretação é minha, mas a história está lá."
O texto percorre episódios conhecidos, como Sansão e Dalila, e outros menos lembrados, como Balaão conversando com uma jumenta ou o profeta Eliseu amaldiçoando jovens por chamá-lo de careca.
Para Porchat, o incômodo surge com trechos do livro sagrado que hoje são usados como regra sem o mesmo rigor aplicado ao restante do texto. "Ou você acredita em tudo que está ali ou entende que são parábolas. Escolher só o que convém é fácil demais", afirmou.
Para construir o roteiro, que escreveu sozinho, Porchat afirma que leu o Velho Testamento do início ao fim, em busca de histórias que coubessem no humor ou pudessem ser questionadas. Segundo ele, o processo envolveu procurar episódios pouco comentados, além de reler passagens conhecidas sob outro viés.
O humorista conta que já tinha lido o Novo Testamento para edições anteriores do especial de Natal. "Eu gosto mais do Velho Testamento. Acho ele mais ágil. Deus mata gente. É um filme de ação", disse.
Porchat afirma que o especial não tem como alvo uma minoria religiosa nem a fé em si, mas o uso do texto bíblico como instrumento de poder e exclusão. Segundo ele, a crítica se dirige a instituições e lideranças que mobilizam a Bíblia para ditar regras de comportamento na vida pública.
"A gente não está sacaneando gente frágil", disse. "Religião, no Brasil de hoje, é uma das forças mais poderosas que existem."
O humorista imagina que a reação ao especial tende a repetir o padrão dos anos anteriores, com elogios e críticas. Para ele, esse embate faz parte do campo da comédia. "Vai ter gente dizendo que é absurdo e gente dizendo que é genial. Isso sempre aconteceu".
Ele diz que, apesar de episódios graves como o ataque a bomba à sede do Porta dos Fundos em 2019, não trabalha com medo. "As pessoas são muito mais violentas na rede social do que na vida real. Nunca na minha carreira alguém me xingou na minha cara."
Gravado em 2023, o especial ficou pronto dois anos antes de chegar ao público. Segundo Porchat, o adiamento aconteceu devido à transição do Porta dos Fundos após a saída da Paramount. O humorista diz que o material permaneceu intacto desde a gravação. "Ele foi feito e pensado para aquele momento. A gente não cortou nada, não atualizou nada."
Para o humorista, a decisão de lançar o projeto no YouTube amplia o alcance e recupera a relação direta do grupo com o público. "É a nossa casa. Todo mundo tem acesso", disse.
Ao falar sobre o limite do humor, Porchat, evita rodeios. Para ele, a restrição não está no tema, mas na lei. "O limite é a Constituição brasileira", afirmou.
Segundo ele, a responsabilidade aumenta quando o conteúdo circula para além do pacto estabelecido com o público original. "Não é fazer a piada e ir embora", afirmou. Porchat diz que acompanha a repercussão do que produz e que se sente obrigado a intervir quando percebe que um discurso passa a incentivar ataques ou perseguições.
"Vivemos em 2025 e precisamos entender que piadas feitas em 1990 já não fazem mais sentido. Existe uma responsabilidade sobre o que se diz", afirmou.
Para Porchat, o termômetro não está em agradar ou desagradar, mas em observar quem reage positivamente ao discurso. "Se eu começo a fazer piadas e um público nazista passa a gostar, eu preciso parar e pensar onde errei. Quando é o Silas Malafaia dizendo que não gostou, eu penso: 'acertei'."
"O problema é quando nosso discurso inflama as pessoas erradas a fazerem coisas erradas", afirmou. "Por isso que é tão forte jogar no YouTube, porque é um produto audiovisual que pode chegar em todo mundo. Então tenho que ter mais responsabilidade ainda.".
Após o hiato, o humorista afirma que já tem novas ideias em desenvolvimento para 2026. Algumas estão mais avançadas, outras ainda em fase de argumento, mas todas partem do desejo de não repetir ideias já concretizadas. "Eu não quero fazer sempre o mesmo", disse.
Entre as possibilidades, ele cita a vontade de trabalhar com histórias originais, fora do universo bíblico, e até de ambientar um especial nos dias atuais.
Além de um novo formato para o especial de Natal, Porchat deve estrear um novo podcast com o Porta dos Fundos em 2026. O grupo também está gravando um especial com a emissora portuguesa RTP, chamado "Porta Pro Milhão", uma paródia do Quem Quer Ser Um Milionário com comediantes do país.
Os projetos Não Importa e Que História É Essa, Porchat? também devem ganhar versões no teatro no próximo ano.
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