Estado de Minas
O aposentado Dirceu Luiz Fava, 66 anos, morador de Xanxerê, no interior de Santa Catarina, parecia estar respondendo bem ao tratamento repassado pelo médico do plano de saúde nos primeiros dias de sintomas da covid-19. A partir do quinto dia, porém, a situação começou a se agravar.
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O médico tentou trocar a medicação, sem sucesso. Um kit de oxigênio foi providenciado e serviu para mantê-lo em atendimento domiciliar por mais quatro dias. Fava tinha comorbidades, era obeso e estava com pneumonia. No nono dia da doença, na última segunda-feira (1/3), o profissional de saúde que o atendia em casa constatou que ele precisava de um leito de UTI para sobreviver.
Após contato com o único hospital da cidade, o Hospital Regional São Paulo, a família conseguiu um leito improvisado na emergência, que é a porta de entrada da unidade. O espaço, hoje com 30 pessoas, foi reorganizado para atender os pacientes graves da covid-19, mas não corresponde às necessidades de uma UTI.
Fava foi atendido pela equipe médica de plantão e foi intubado ali na emergência mesmo. Horas mais tarde, a filha Rosemeri Fava recebeu a notícia de que o pai não havia resistido.
"Veio a médica conversar, disse que não tinha leito [de UTI] e que tinha mais de 20 [pacientes] na frente dele. Foi horrível. Não tem explicação, não tenho palavras", lamentou Rosemeri.
Dirceu Fava deixou quatro filhos e esposa. Ele é um entre pelo menos 43 pacientes que morreram enquanto aguardavam leitos de UTI em Santa Catarina de fevereiro para cá.
A reportagem confirmou pelo menos 15 óbitos no Hospital Regional São Paulo, em Xanxerê; 14 na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Chapecó; uma no Pronto Atendimento da Epafi, em Chapecó; 12 no Hospital Regional de São Miguel do Oeste; e uma no Hospital Municipal Santo Antônio, em Itapema.
Todos esses pacientes receberam atendimento em unidades de saúde, inclusive em leitos improvisados, mas não conseguiram transferência para UTI.
O governo de Santa Catarina não se pronunciou sobre os números, mas confirmou que havia 251 pacientes aguardando leitos de UTI até a tarde desta quarta-feira (3/3).
Entre os pacientes que morreram na fila de espera estão duas técnicas de enfermagem que atuavam na linha de frente da covid-19, conforme as informações divulgadas pelo Conselho Regional de Enfermagem.
Uma delas é Zeni Buenos Pereira, de 53 anos, que trabalhava no Centro Integrado de Saúde de Itajaí.
A profissional sentiu os sintomas no dia 23 de fevereiro e foi atendida no Hospital Municipal Santo Antônio, em Itapema. Ela já estava fazendo uso de máscara de oxigênio e precisava de um leito de UTI. No dia 25, conseguiu uma vaga no Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, mas morreu antes de ser transferida.
Eliandre Boscato, de 43 anos, que atuava na Associação Hospitalar Padre João Berthier, em São Carlos, passou por situação parecida.
Foi internada no dia 20 de fevereiro na unidade em que trabalhava, mas precisou ser transferida para o Hospital Regional São Miguel do Oeste. Quando chegou à unidade, ficou mais um dia em um leito improvisado e não resistiu, morreu no dia seguinte, em 28 de fevereiro.
Cassio de Nakano, diretor clínico do Hospital Regional de São Miguel do Oeste, fez um desabafo na última coletiva de imprensa que ocorreu na terça-feira (2/3) e apontou a situação crítica da unidade de saúde.
"De todos os doentes que estão entrando na UTI hoje, 60% vão morrer. Dos 40 que estão aqui, 25% estão entrando em insuficiência renal aguda, o que é um péssimo prognóstico, é assustador".
E alertou: "Parem de achar que não tem nada, que porque é jovem não vai morrer. Pacientes com menos de 50 anos, atletas, estão morrendo. O pessoal tem que acordar. Aqui no hospital estamos fazendo tudo o que dá, mas a gravidade da doença está muito pior do que antes, nunca esteve tão ruim", completou o diretor.
A lotação das unidades hospitalares de Santa Catarina começou em meados de fevereiro, logo após o Carnaval e a retomada das aulas. Os primeiros meses do ano também foram marcados por grandes aglomerações no litoral catarinense.
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