Guerra leva Relógio do Juízo Final ao ponto mais crítico da história

Publicado em 24/01/2023, às 22h05
Reprodução / Twitter -

Igor Gielow / Folhapress

Após dois anos, o Relógio do Juízo Final, instrumento simbólico que desde 1947 indica o quão perto da extinção a humanidade se encontra, moveu seus ponteiros. A Guerra da Ucrânia fez com que o mundo chegasse a 90 segundos da meia-noite que simboliza o apocalipse, o mais crítico índice de sua história.

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A nova medição foi revelada nesta terça (24) pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, entidade não governamental americana que é uma das referências globais em não proliferação nuclear e avaliação de impactos das mudanças climáticas.

"Nós enfatizávamos [em 2020 e 2021] que a situação na Ucrânia era um foco potencial de crise. Nossos temores se confirmaram", afirmou a presidente do Boletim, Rachel Bronson.

Divulgada no começo do ano, a posição dos ponteiros reflete os fatos dos 12 meses anteriores. Em 2020 e 2021, estava equilibrado em 100 segundos para a meia-noite, o que já era o menor nível histórico, devido ao acirramento das tensões internacionais, à pandemia de Covid-19 e até à política para a Amazônia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Agora, a cortesia pelo sombrio alerta é de Vladimir Putin, o presidente russo que surpreendeu o mundo ao levar a cabo meses de ameaças e invadir a Ucrânia, em 24 de fevereiro passado. O fez montado em ameaças de aniquilação nuclear de quem se envolvesse na guerra, repetida de formas variadas ao longo dos meses do conflito.

Após citar a desestruturação da segurança mundial, o texto completa: "E, pior de tudo, as ameaças russas de uso de armas nucleares lembram o mundo de que a escalada do conflito, por acidente, intenção ou erro de cálculo, é um risco terrível. A possibilidade de que o conflito saia de controle segue alta".

O crescente apoio do Ocidente liderado pelos Estados Unidos a Kiev, refletido no debate sobre envio de tanques alemães que Berlim teme justamente por não querer escalar o embate com Moscou para uma guerra entre Otan (aliança militar ocidental) e Rússia, dá a medida do óleo liberado por Putin para fazer deslizar o ponteiro.

Não por acaso, de tempos em tempo autoridades russas lembram acerca do risco de uma guerra nuclear: herança da Guerra Fria, russos e americanos detêm mais de 90% dos arsenais atômicos mundiais. A

China tem crescido sua posição, ainda na casa das 350 bombas, mas isso pode mudar e ampliar a estabilidade percebida, até porque Pequim não adere a nenhum acordo de controle de armas.

Há outros fatores ligados à guerra: o rearmamento das forças europeias, o que sugere um ambiente mais tensionado daqui para a frente, e a instabilidade econômica decorrente do impacto do conflito nos preços de energia e alimentos, algo ainda inconcluso.

Mesmo sem a Ucrânia, é provável que o ponteiro se mexeria por motivos belicistas. O ano passado assistiu um acirramento da Guerra Fria 2.0 entre EUA e China focado em Taiwan, a ilha que Pequim diz que vai tomar por bem, ou por mal.

Ainda na Ásia-Pacífico, a ditadura norte-coreana acelerou os testes de mísseis nucleares, alarmando Coreia do Sul e Japão –Tóquio está prestes a abandonar o pacificismo que só professa por obrigação contratual com os vencedores de 1945. A Índia, por sua vez, cada vez mais se antagoniza com os chineses.

Durante as longas décadas do embate entre EUA e União Soviética, o mais próximo do desastre que o mundo havia chegado no Relógio, 3 minutos para a meia-noite, foi em 1953 (refletindo as tensões agravadas pela Guerra da Coreia e a retórica soviética) e em 1984 (após a quase guerra que as superpotências arriscaram em 1983).

O maior alívio na contagem, previsivelmente, foi quando a Guerra Fria faleceu, em 1991, já refletindo a dissolução soviética dos anos anteriores. Os ponteiros começaram a ser atualizados anualmente a partir de 2015. Antes, era mais esporádico; são 29 marcações nesses 76 anos.

Um painel de 19 cientistas de vários país se reúne duas vezes por ano para debater os fatores que afetam o Relógio, consultando primariamente um grupo de 31 patrocinadores do mecanismo, 13 deles donos de prêmios Nobel.

A partir de 2007, a mudança climática entrou na conta do Relógio. O fracasso dos Acordos de Paris, a citada ascensão de líderes tóxicos ambientalmente como Bolsonaro e a recente necessidade de se voltar a combustíveis fósseis para compensar o fechamento da torneira do gás russo na Europa, por exemplo, são itens considerados. O Brasil não mereceu menção à parte neste ano.

O texto alerta também para riscos biológicos, trabalhando em cima da antecipação falha e a resposta atabalhoada do mundo à pandemia. "O número total e a diversidade de epidemias de doenças infecciosas desde 1980 cresceu significativamente, com metade delas causas por zoonoses [doenças oriundas de animais]."

Da mesma forma, a ampliação de tecnologias consideradas disruptivas no campo da inteligência artificial e uso de drones autônomos também demanda regulação, sob o risco de criar variantes de cenários de ficção científica ao estilo "Exterminador do Futuro" (1984), filme no qual a humanidade é quase aniquilada por máquinas conscientes.

O Boletim é filho do grupo Cientistas Atômicos de Chicago, criado sob inspiração do alemão Albert Einstein, do pai da bomba atômica, Robert Oppenheimer, e de nomes ligados ao Projeto Manhattan, que criou os dispositivos que obliteraram Hiroshima e Nagasaki em 1945.

Todos os cientistas, que emprestaram seu conhecimento para ajudar a derrotar o que era percebido como um mal maior, anteviram a escalda apocalíptica que as novas armas trariam. Quando o Relógio foi revelado pela primeira vez, contudo, os 7 minutos para meia-noite em seu mostrador eram um capricho da artista que o criou, Martyl Langsdorf: "Pareceu bonito aos meus olhos".

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