Opinião: "Judiciário precisa se afastar da política"

Publicado em 07/09/2025, às 11h00

Flávio Gomes de Barros

Do jornal “O Estado de São Paulo”:

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“Não é de hoje que as Cortes Superiores, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), têm sido percebidas como centros de ação política. Mas a desenvoltura com que alguns ministros passaram a transitar nos meios político e empresarial e a promiscuidade entre os interesses envolvidos nessas rodas têm adquirido contornos demasiadamente inapropriados até para o padrão de escracho dos poderosos deste país.

Há poucos dias, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou sem pejo algum que Jair Bolsonaro ‘tem grandes chances’ de ser candidato à Presidência em 2026, malgrado estar inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o sr. Valdemar, a troca de comando no TSE – que, em agosto do ano que vem, passará a ser presidido pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro – abriria o caminho para a reversão da condenação do ex-presidente. É óbvio que se trata de um discurso para inflamar as hostes bolsonaristas. Porém, ainda que por vias tortas, a fala do capo do PL ilustra um problema gravíssimo: a percepção de que as mais altas instâncias do Judiciário são tribunais essencialmente políticos.

A inelegibilidade de Bolsonaro, vale lembrar, decorre de decisão colegiada do TSE, tomada com base em fatos e provas, não em preferências pessoais. A presidência da Corte Eleitoral não confere a seu titular o poder monocrático para anular julgamentos. Uma raposa como o sr. Valdemar sabe disso, mas ainda assim alimenta a vã esperança de que um só ministro irá reverter um caso juridicamente consolidado. Isso ocorre porque, em larga medida, o sistema político acostumou-se a tratar o STF e o TSE como Cortes abertas à barganha, não como tribunais que se limitam a aplicar as leis.

O mesmo se viu quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, intercedeu junto ao STF para que fosse devolvido o passaporte de Bolsonaro a fim de que o réu por tentativa de golpe de Estado, pasme o leitor, viajasse aos EUA para ‘negociar’ com o presidente Donald Trump a reversão do tarifaço imposto ao Brasil. O pedido foi repelido, é claro, mas a mera iniciativa revela como mesmo autoridades de relevo, como o governador paulista, supõem natural recorrer ao STF como se fosse uma ouvidoria política, para não dizer um balcão de lamúrias.

Por sua vez, o decano do STF, Gilmar Mendes, jactou-se com a maior naturalidade do mundo de ser habitual interlocutor de políticos e empresários ao responder perguntas sobre a menção a seu nome em conversas entre Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro, publicadas recentemente com autorização do STF. Onde já se viu um juiz considerar natural atuar como mediador político?

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, tem razão quando sustenta que a Constituição de 1988 conferiu à Corte um protagonismo político inescapável, assegurando-lhe a palavra final sobre temas que, em outros países, ficam restritos à concertação entre Executivo e Legislativo. Contudo, se esse é o desenho institucional brasileiro, o que se espera dos ministros é ainda mais comedimento, não menos. E o que se vê é o contrário: votos se transformaram em manifestos ideológicos; ministros buscam holofotes como siriris; eventos supostamente acadêmicos são pretexto para juízes tagarelarem sobre as mais variadas questões como se fossem políticos em exercício de mandato.

Um Judiciário que aceita esse papel – e com aparente gosto – torna-se alvo fácil de críticas nem sempre republicanas ou bem-intencionadas. A confiança da população na Justiça depende fundamentalmente da convicção de que ela se pauta exclusivamente pelas leis e pela Constituição, não por predileções partidárias. Nossa democracia não precisa de um STF militante, mas sim sereno, que fale menos e decida melhor. O País anseia por um Supremo que estimule mais a discrição de ministros como Edson Fachin ou Rosa Weber, ora aposentada.

É o caso de reafirmar o óbvio: o Judiciário não é arena política. Quanto mais os ministros reforçam essa caricatura, mais fragilizam a autoridade das Cortes Superiores e mais abrem espaço para a corrosão de sua legitimidade.”

 

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