Morre dama do cinema italiano, aos 87 anos

Publicado em 24/09/2025, às 09h06
Claudia Cardinale - ANSA

Guilherme Luís e Leonardo Sanchez / Folhapress

A atriz Claudia Cardinale morreu nesta terça-feira aos 87 anos. A informação foi confirmada pelo agente dela, Laurent Savry, à agência de notícias AFP. A causa da morte não foi informada. Cardinale estava em Paris com seus filhos, Patrick e Claudia.

LEIA TAMBÉM

Atriz emblemática do cinema nos anos 1960, a franco-italiana, nascida na Tunísia, trabalhou com alguns dos maiores diretores de sua geração -Luchino Visconti, Federico Fellini, Richard Brooks, Henri Verneuil e Sergio Leone. "Ela nos deixa o legado de uma mulher livre e inspiradora, tanto como mulher quanto como artista", disse seu agente à AFP.

Ao longo da carreira de quase seis décadas, se desdobrou em tipos sedutores, caso da viúva desejável do "Era Uma Vez no Oeste", de Leone, em 1968, e da mulher ideal em "Oito e Meio", obra memorialística de Fellini, de 1963. Também encarnou a inocência, no caso de "O Leopardo", e a princesa de Blake Edwards em "A Pantera Cor-de-Rosa", ambos de 1963.

Em "O Leopardo", Cardinale vive Angelica Sedara, filha de um burguês rico que se casa com o sobrinho do Príncipe de Salina. Com seu papel, deu rosto a uma Itália efervescente, vibrante e moderna. O filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Em suas seis décadas de carreira e mais de cem papéis, Cardinale, porém, não cruzou o limite da nudez, preferindo sempre estimular o erotismo pela imaginação, sem tirar a roupa nos sets.

Nascida em 1938, na Tunísia, Cardinale era filha de pais de origem italiana, da região da Sicília. Era conhecida pela beleza, e foi eleita a italiana mais bela do país natal aos 17 anos pela embaixada, e por isso ganhou uma viagem para o Festival de Veneza, um dos principais eventos de cinema do mundo.

Após ir ao evento, passou a receber propostas de trabalho de muitos produtores -que, inicialmente, rejeitou, instigando ainda mais o desejo dos executivos.

Mas havia outra razão: Cardinale estava grávida e daria à luz um filho em poucos meses, Patrick. Ela nunca revelou a identidade do pai, mas disse ao jornal francês Le Monde que havia sido estuprada.

Depois, aceitaria enfim o convite do produtor Franco Cristaldi, com quem se casou e que a manteve sob contrato por 18 anos. Com ele, Cardinale foi aos poucos lançada como uma resposta da Itália à grandeza de Brigitte Bardot -mesmo sem ser fluente na língua italiana, já que havia apenas aprendido francês, árabe e o dialeto siciliano dos pais.

Tanto que, em seus primeiros trabalhos, precisava ser dublada. "Oito e Meio" foi um ponto de virada, já que Fellini insistiu em ter a voz original da atriz no filme.

Como musa sob medida, eram controlados os papeis que interpretava, seus penteados, o peso, a vida social. Nessa época, o filho de Cardinale era anunciado oficialmente como seu irmão mais novo, enquanto o menino era criado pela família da atriz.

Discreta sobre sua vida pessoal, colecionou rumores do seus casos amorosos com astros como Steve McQueen, Jean-Paul Belmondo e Delon, mas confirmou ter rejeitado uma aproximação de Marlon Brando, um ídolo dela na época em que trabalhou em Hollywood.

Separou-se de Cristaldi em 1975 e, então, conhece o diretor Pasquale Squitieri, que ela lembrava como o grande amor de sua vida. Nunca se casaram formalmente, mas permaneceram juntos até a morte do cineasta, em 2017. Juntos, tiveram a filha, Claudia.

Cardinale ascendeu num momento em que a Europa preenchia as telas do mundo com divas que tinham talento e complexidade equiparáveis à sua beleza e elegância, como Sophia Loren, Monica Vitti e Gina Lollobrigida, suas compatriotas, e Brigitte Bardot, Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, estas francesas.

Ao emprestar rosto e corpo a cineastas gigantes e contracenando com nomes como Burt Lancaster e Alain Delon, ela estampou o movimento de transformação pelo qual passava o cinema europeu, que naquela década se tornava mais autoral.

De um lado, o neorrealismo italiano levava suas musas para o centro dos problemas sociais do país; de outro, a nouvelle vague francesa as impelia a romper com os padrões vigentes na indústria.

Assim, a Europa se tornava o centro do debate cinematográfico, o que mais tarde influenciaria toda uma geração de cineastas hollywoodianos e, por consequência, mudaria a forma como os americanos enxergavam as suas próprias atrizes.

Com Cardinale e tantas outras, elas passariam, também, a encarnar papéis mais densos e independentes, que rejeitavam o padrão "pin-up" representado por Marilyn Monroe e Jayne Mansfield. Foi uma geração que não abandonou a sensualidade, mas que soube fazer dela apenas uma entre as várias camadas de suas personagens e de suas figuras públicas.

Assim, Cardinale se tornou figura mitológica do cinema, capaz de capturar o clima de transformação que tomava não só a produção cultural, mas toda a sociedade europeia da época. Sua geração ainda alimentava o desejo masculino, claro, mas não como mero acessório -eram atrizes que ocupavam o centro das narrativas, dentro e fora das telas, abraçando suas contradições.

Sua influência na cultura ao longo das décadas também pôde ser vista em personagens como Claudia de "Entrevista com o Vampiro" -Claudia era um apelido da filha da autora, Anne Rice, por usar um penteado que a remetia à italiana. Ainda na literatura, inspirou o livro "Diálogos e Fotografias", de Alberto Moravia, que combinava textos dele e imagens da estrela ao longo dos anos. A menção às "Cardinales bonitas" na letra de "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso, também é referência à estrela.

A atriz teve diversas passagens pelo Brasil. Dentre elas, em 2012, recebeu o prêmio Leon Cakoff durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo pelo conjunto da obra no encerramento do evento. À época, estrelou "O Gebo e a Sombra", do centenário diretor português Manoel de Oliveira.

Décadas antes, em 1967, veio ao país para rodar "Uma Rosa Para Todos", de Franco Rossi. Em entrevista à Folha de S.Paulo, em 2012, lembrou ainda das caóticas filmagens na Amazônia de "Fitzcarraldo", de 1982, um dos projetos mais ambiciosos de Werner Herzog.

"Foi a maior aventura da minha vida. Filmava com centenas de índios seminus, que me deram vários presentes. Quando voltei para a Amazônia, anos depois, precisei dançar duas horas com eles... ainda seminus", disse, às gargalhadas.

Cardinale recebeu diversos prêmios honorários nos festivais de cinema de Veneza, Berlim e em outros espaços internacionais importantes. Em 2017, em Cannes, uma foto sua estampou o pôster do evento, mas despertou polêmica após suas coxas terem sido afinadas digitalmente na imagem.

Ela também foi embaixadora da Unesco para os direitos da mulher.

Gostou? Compartilhe

LEIA MAIS

'Amante' é flagrada fugindo pela janela do 10º andar de prédio; assista Influencer é preso após postar selfie em frente a incêndio com 159 mortos e chamar vítimas de 'pecadoras' Mulher é condenada por compartilhar fotos do parto do neto no Facebook Estrela pornô e recordista sexual é presa na Indonésia em meio a ‘tour mundial’