Novo currículo do Ensino Médio pode colocar futuro da ciência em risco, diz Sinteal

Publicado em 25/10/2018, às 14h16
Renato desenvolve pesquisas científicas | Divulgação -

Sinteal

Renato tem 24 anos, é graduado em biologia pela Universidade Federal de Alagoas e atualmente está concluindo um mestrado na Universidade Federal de Pernambuco. O jovem tem desenvolvido pesquisa científica desde os 19 anos, quando entrou na universidade, e já apresentou trabalhos até no Canadá.

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Ele entende que a curiosidade é o que move a ciência. “Um jovem que não tem o seu senso crítico estimulado, não é motivado a procurar os porquês dos cheiros, cores e qualquer outra coisa que encontra na natureza. É isso que pode impulsionar a criança à busca científica na vida de estudante. Se você tem um professor que te instiga a procurar os porquês do mundo ao redor, mostrando que a ciência é palpável, você vai aplicar conceitos científicos e despertar a curiosidade dele. Eu escolhi a biologia basicamente porque uma professora do ensino médio me incentivou”, declarou o pesquisador.

Mas esse tipo de experiência pode estar com os dias contados no Brasil. Cortando o desenvolvimento da pesquisa pela raiz, a Reforma do Ensino Médio, sancionada por Michel Temer em 2017, prevê o fim da obrigatoriedade de todas as disciplinas no ensino médio, exceto português e matemática. Essa nova Base Nacional Curricular Comum (uma adaptação do currículo escolar à nova legislação depois da reforma do ensino médio), deixa de fora da grade obrigatória praticamente todas as chances de o estudante ter o contato inicial com a ciência.

De acordo com a proposta da nova BNCC, encaminhada pelo MEC para discussão do Conselho Nacional de Educação, com base na Lei nº 13.415/2017 (reforma do ensino médio) “são detalhadas as habilidades de Língua Portuguesa e Matemática, considerando que esses componentes curriculares devem ser oferecidos nos três anos do Ensino Médio”. No entanto, todas as outras disciplinas (física, química, biologia, história) teriam propostas pedagógicas flexíveis, e sem indicação de seriação.

A proposta está em discussão. Foi aberta uma consulta pública no dia 9 de outubro e está disponível até o próximo dia 29 no site do Conselho Nacional de Educação, no portal do MEC.

Desvantagem para a escola pública

Apesar de não obrigar as escolas a ofertar as disciplinas, a reforma não altera as exigências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o que significa que o aluno da escola pública que não tiver como pagar professores particulares, ficará com pouquíssimas chances de chegar à universidade.

Consuelo Correia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal), explica que o projeto representa o desmonte da escola pública. “Essa mudança deixa a oferta das disciplinas a critério de cada gestor. Sabemos que mesmo com a obrigatoriedade a escola pública às vezes sofre carência de algumas disciplinas, imagine como vai ser quando eles não estiverem legalmente obrigados, não teremos nem a lei para cobrar”, alertou a professora.

Entre os alunos de ensino básico no Brasil, cerca de 73% estão na escola pública. Sendo assim, o despertar do interesse da maioria de estudantes que se tornariam cientistas na próxima geração pode não acontecer.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) fez uma análise da proposta e apresentou um parecer contrário à mudança. O documento apresenta 11 motivos para que a população diga não à sua aprovação. Ela alega, entre outras coisas, que isso vai dificultar ainda mais o acesso do estudante de escola pública à universidade e gerar demissões em massa dos professores.

Representantes do movimento estudantil também já se posicionaram contrários às mudanças. Beatriz Oliveira, da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, afirma que o projeto limita o estudante no desenvolvimento do seu senso crítico, já que essa aquisição acontece na maioria das pessoas em sala de aula, através da reflexão e discussão sobre as divergências sociais presentes na sociedade.

Beatriz citou Paulo Freire ao associar a pesquisa ao ensino. “Paulo Freire afirma que não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Para ele, o educador deve respeitar os saberes dos educandos adquiridos em sua história, estimulando-os a sua superação através do exercício da curiosidade que os instiga à imaginação, observação, questionamentos, elaboração de hipóteses e chega a uma explicação. Através do acesso às disciplinas voltadas para a  ciência  no ensino médio, podemos acreditar que esse contato irá  possibilitar que quando esse aluno  ingresse   no nível  superior, as percepções  e noções  adquiridas durante o ensino médio lhe permitam desenvolver a pesquisa científica com mais facilidade, pois ele já  tem a base para se tornar um grande pesquisador”, concluiu a estudante.

Ela alertou para os riscos que a educação pública corre com a implantação da nova BNCC. “Temos a compreensão da realidade e dificuldade que as  escolas da rede publica tem em ter   todos os professores  que são atualmente exigidos pela grade. O fim dessa obrigatoriedade  fará  com que progressivamente nas escolas públicas  não  tenha a oferta dessas disciplinas, por conta do grande corte de investimento que  temos na Educação”.

O levante popular da juventude também tem realizado embates nacionalmente e dialogado com jovens estudantes e trabalhadores de todo o país sobre o momento atual. Leonardo Soares, coordenador do setor de estudantes secundaristas no movimento aqui em Alagoas, explica. “O que nós estamos vivendo hoje no Brasil é um projeto muito bem arquitetado para destruir a capacidade de formação de um povo brasileiro consciente de seus desafios enquanto povo e capaz de realizar esses desafios. É um projeto que visa criar trabalhadores baratos e fáceis de se formar. Eles tiraram todas aquelas matérias responsáveis para produzir o conhecimento focando numa educação minimalista e jogando para as escolas privadas o verdadeiro ensino universalista, a formação do ser humano em todas as suas qualidades antológicas e deixando para o ensino público a formação de trabalhadores baratos para servir o mercado de trabalho informal”.

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