Como já mencionado em textos anteriores, lamentavelmente parece que se busca uma solução para os operadores, ao invés de uma solução para o saneamento e os milhões de brasileiros que padecem de maus serviços.
Interessante é observar que um dos argumentos utilizados para valorizar o novo marco regulatório, está associado ao “sucesso” dos leilões e dos bilhões de investimentos garantidos em contratos, os quais, provavelmente ocorrerão sem que isto seja garantia de universalização alcançando quem pode pagar e quem não pode.
Salvo engano e sob uma ótica menos passional e mais realista, os leilões tiveram baixo índice de participação e, as outorgas, como as de Alagoas, por exemplo, criaram entre os Governadores e Prefeitos a ilusão de grandes valores a receber, além de apresentarem elevado grau de risco para todos pela discrepância entre os valores estimados e os pagos. O sucesso do que ocorreu após o novo marco, ainda não pode ser medido. Em alguns poucos lugares, onde tudo era muito ruim, algo a de ter melhorado, porém muito há por fazer antes de festejar.
A aposta que deve ser feita sobre a maior participação dos operadores privados, deve estar embasada nos resultados positivos dos serviços que prestam desde 1995, o que lhes dá “fé de ofício” de que sob sua gestão, os serviços melhoram e com tarifas módicas como atesta o SNIS.
Um sucesso efetivo decorrente do novo marco, foi o aumento de Estados e Municípios contratando estudos e buscando soluções para enfrentar uma nova realidade. Será que os novos decretos vão reduzir ou acabar com este interesse? Quem sabe?
Pelo que se viu desde o novo marco, o mercado se movimentou com o apoio ou não do BNDES.
De fato, o novo marco utilizava um modelo único como solução para alcançar a universalização, embora na prática, os contratos feitos como resultados dos leilões, excluam partes de populações da área de abrangência dos serviços operados por empresas privadas. Além disso, em alguns Estados, a regionalização era, e tenta ser, uma determinação e não uma opção.
Os novos decretos deram mais sobrevida às organizações públicas, o que pode ser justo e bom, se de fato estas organizações entenderem que o modelo ainda vigente não é mais sustentável, sendo necessário buscar soluções que podem ir desde a sua total recuperação financeira – o que é difícil para a maioria – até a própria extinção, tendo como saída sua substituição por uma operadora privada.
O advogado Wladimir Ribeiro, competente profissional, em texto recente sobre os efeitos dos decretos, disse que o momento do saneamento agora está nas mãos de economistas e engenheiros. Com todo respeito ao inteligente colega, estes profissionais lutam há anos para contornar os efeitos da hermenêutica dinâmica que, de uma hora para outra, altera conceitos, regras, normas e leis, fazendo com que planos e projetos elaborados por anos e para muitos anos de aplicação, de repente percam a validade ou tenham que ser totalmente adaptados ao novo regramento.
O momento e a vez, por mais que seja repetitivo dizer, é do Governo Federal. Há necessidade de formular um projeto nacional pela e para a universalização, que seja pautado pelo entendimento de que a melhoria dos serviços de água e esgotos têm no CAPEX um dos seus pilares, mas nem todo projeto poderá ser julgado viável pela relação WACC x TIR. Em municípios viáveis pela própria aparência, esta relação econômica é simples de ser usada como regra de viabilidade, mas, mesmo nos blocos regionalizados para unir “inviáveis” com viáveis, a relação WACC x TIR encontra limitações que devem ser estudadas com profundidade.
Ou seja, economistas, engenheiros, advogados, políticos, gestores públicos e, enfim, representantes da sociedade que possam contribuir para acalmar as posições e coordenar de modo objetivo o projeto de saneamento para o Brasil, devem continuar buscando as melhores soluções para a sociedade, pois cada caso pode ser um caso e estabelecer padrões pode ser difícil.
As dificuldades para atender a todos são mais que conhecidas, de Norte a Sul, de Leste a Oeste e o maior desafio é a pobreza e a capacidade de pagamento. Falar em subsídio cruzado, sem criar um fundo que seja capaz de subsidiar realmente o prestador de serviço – como no caso das distribuidoras de energia elétrica – dificulta a universalização. Neste caso, tanto faz ser operador privado como público, a diferença é que o público aguenta prejuízo e o privado não. Sem subsídio real, as projeções de universalização são apenas projeções.
Assim, a hora é de refletir sobre o novo marco e seus efeitos positivos, do mesmo modo que é necessário buscar, a partir do estabelecido nos decretos, aquilo que poderá servir para alinhar os interesses legítimos de operadores público e privados, aos direitos dos cidadãos a um serviço de água e esgotos seguro, para todos e a preços justos. Tratar a universalização como resultado da melhoria dos serviços e não pelo CAPEX, cuidar para que as agências reguladoras infranacionais funcionem sem capturas por agentes políticos ou empresas e acompanhar as metas e desempenho dos contratos em andamento após o novo marco, pode ser uma grande contribuição do Governo Federal neste instante.”