Opinião: A "fênix" corre o risco de se queimar mais uma vez

Publicado em 28/09/2015, às 09h31
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Redação

Collor: trajetória de altos e baixos (Crédito: Agência Senado)

O ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTB) talvez seja o político brasileiro que mais tenha se comportado como uma fênix, o pássaro da mitologia grega que renasce das cinzas.

Depois de renunciar à Presidência da República, em 1992, e sofrer um processo de impeachment, Collor, que tem seu berço político em Alagoas, conseguiu retomar o poder, se eleger duas vezes senador pelo estado nordestino – em 2014, com 55,6% dos votos – e ainda passar imune pelas acusações de corrupção, falsidade ideológica e peculato. Pois, agora, com o nome novamente envolvido em corrupção, desta vez no esquema de propina da Petrobras, a fênix corre o risco de se queimar mais uma vez. Seus eleitores assistem apreensivos aos desdobramentos da investigação, dividindo-se entre os que confiam na inocência do político e aqueles irritados, ou melhor, “aperreados”, como dizem os nordestinos, com a conduta do homem que ajudaram a eleger.

Morador do antigo povoado de Floriano Peixoto, atual Ipioca, último bairro de Maceió, o caseiro José Carlos dos Santos, de 42 anos, está com Collor e não abre – e nem se importa se ele for acusado de participar da Lava-Jato. “No tempo em que foi presidente, ele roubou muito, mas a gente não estava nessa crise. Se ele se candidatar 10 vezes, eu voto nele as 10 vezes”, afirma. Por quê? “O Collor é um dos melhores políticos que existe”, diz José Carlos, sem citar os feitos do senador.

A artesã Rosineide Soares, de 37, nordestina da brava, encarrega-se de enumerar as realizações do ex-presidente, que, segundo ela, fez muito pelo povo que necessitava. “Tirou muita gente do barraco de lona. Também trouxe o papa João Paulo II aqui”, conta. O sumo pontífice visitou a capital alagoana em 1991, quando o político era presidente. Na época, foi construído um palco especial para o líder católico e que ficou conhecido como papódromo. “Voto nele 100 vezes. Acredito na sua inocência”, afirma.

Lamborghini Apesar de ser considerado o político que “ajudou os pobres e o povo do sertão”, a realidade de Collor destoa da população de um dos estados mais pobres do Brasil – Alagoas tem o 6º menor Produto Interno Bruto (PIB) do país, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012. Nas eleições passadas, quando investiu R$ 5 milhões na campanha, Collor declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) patrimônio de R$ 20,3 milhões. Na Operação Lava-Jato, os brasileiros puderam ter ideia do poder econômico do senador. Em julho, a Polícia Federal (PF) apreendeu uma Lamborghini, uma Ferrari e um Porsche na Casa da Dinda, residência do ex-presidente em Brasília.

Por falar em carros, o bugueiro José Gonçalves de Moura, de 55, morador de Maragogi, litoral alagoano, relembra da apreensão da Fiat Elba de Collor na época do impeachment e faz coro à defesa do político. “Collor foi injustiçado por causa de uma Fiat Elba”, diz. Durante as investigações contra o presidente que culminaram no impeachment, veio à tona a descoberta de que o veículo usado pelo presidente foi comprado com dinheiro de contas fantasmas do tesoureiro da campanha, Paulo César Farias, o PC Farias.

Gonçalves não votou nas últimas eleições, mas acredita na honestidade do político. “Meu pai era presidente do sindicato dos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar e o Collor pôs dois advogados para ajudar os pés-descalços (trabalhadores das lavouras). Os homens mais sanguinários de Alagoas ele colocou na cadeia e, se hoje todo mundo recebe um salário mínimo, é por causa dele”, afirma. Apesar de tomar medidas austeras na economia, foi no governo do ex-presidente que aposentados rurais conquistaram o direito a um salário mínimo. Até então, eles recebiam apenas meio salário. “Ele tem uma história bonita em Alagoas”, diz.

Indefensável

Na sexta-feira passada, o advogado de Collor, Fernando Neves, entregou a defesa do parlamentar contra a denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção em um dos inquéritos da Lava-Jato. As investigações apontam que o parlamentar recebeu cerca de R$ 26 milhões de propina em contratos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Sem adiantar detalhes, Neves pediu a rejeição da denúncia. Para o empresário do ramo do turismo Jimmy Lins, de 41, o político é indefensável e motivo de vergonha para Alagoas.

O sangue “arretado” do Nordeste sobe à cabeça quando o morador de Maceió fala do homem que ele ajudou a eleger presidente e, depois, senador. “O Collor era a esperança do povo, mas votei numa raça de ladrão da peste. Dei a ele a única arma que tinha: meu voto. O alagoano está envergonhado”, diz. Mesmo sem saber se o político será culpado por participar do esquema de corrupção na Petrobras, Jimmy afirma que não dará ao senador uma terceira chance. O empresário conta que, como Collor saiu como o vilão da história na época do impeachment, resolveu apostar nele mais uma vez. “Se ele realmente tivesse sido inocente, não voltaria a ser acusado”, diz. Mas Collor ainda tem cartaz com a mãe do empresário. “Ela fala que ele é boa pessoa, que é bonito”, explica.

Galã Aliás, a beleza dos tempos em que disputou a Presidência ainda está na lista de atributos do político junto aos eleitores e há até quem exiba a foto do galã em casa. “As senhoras mais velhas são apaixonadas pelo Collor. Por ele ser o dono da emissora afiliada da Globo aqui, fazem uma imagem perfeita dele”, conta o garçom Gilson Silva, de 22. Nascido no ano do afastamento de Collor da presidência, Silva se orgulha de nunca ter votado no político.

E não foi só a avó de Gilson quem se rendeu aos encantos do ex-presidente. “Fiquei achando ele bonito e, na época em que foi prefeito de Maceió, construiu a escola onde estudei. Mas agora deixei de gostar”, diz a ambulante Sandra da Silva, decepcionada em ver o nome do político envolvido em mais um escândalo.“Chegou e já molhou a mão no mel. Agora não voto em mais ninguém. Enquanto lá se come caviar, a gente fica se matando nas praias para ganhar 800 ‘contos’”, afirma.

Alagoanos no poder

Apesar de ter sido criado e feito carreira política em Alagoas, o senador Fernando Collor (PTB) é, na verdade, carioca da gema, nascido no Rio de Janeiro, em 1949. Mas o estado do Nordeste já teve dois filhos da terra ocupando a presidência da República, posto por onde já passaram 41 pessoas. Os primeiros presidentes do Brasil, Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) e Floriano Peixoto (1839-1895), eram alagoanos. Em deferência aos dois militares, um município e um povoado, próximos da capital Maceió, levam o nome dos políticos.

Deodoro da Fonseca nasceu em 5 de agosto de 1827 no município de Alagoas, atual Marechal Deodoro. À frente da facção abolicionista dentro do Exército e prestigiado na corporação, foi quem proclamou a República, em 15 de novembro de 1889, depondo o imperador dom Pedro II. Como chefe da nação, ele separou a Igreja e o Estado e instituiu o casamento civil. Embates com parlamentares o levaram a renunciar em 3 de novembro de 1891.

Quem assume o lugar de Deodoro da Fonseca é o seu vice, o também marechal Floriano Peixoto. Nascido em 1839, na Praia de Ipioca – antigo povoado de Floriano Peixoto e atual bairro de Maceió –, o militar ficou conhecido como Marechal de Ferro. Enfrentou forte rejeição daqueles que acreditavam ser necessária a convocação de novas eleições com a renúncia de Deodoro.

Por causa desse clima de agitação, Floriano Peixoto acabou enfrentando a Revolta da Armada (1893) e a Revolta Federalista do Rio Grande do Sul (1893-1895), combatidas com violência. Seus principais opositores eram oligarquias cafeeiras e banqueiros estrangeiros. Mesmo com o apoio de alguns segmentos, não disputou as eleições de 1894 e, em novembro, transferiu o cargo para o presidente eleito, Prudente de Moraes.ato


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