Redação
“A última semana foi marcada por dois eventos sintomáticos que, a meu ver, ilustram o dom camaleônico de Lula: a recepção um tanto quanto afetada do presidente francês Emmanuel Macron — com direito a foto de mãos dadas na floresta — e a fingida indignação com a proibição, na Venezuela, da candidatura de Corina Yoris, substituta da injustamente inelegível Corina Machado.
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Tenho chamado atenção para o aspecto propriamente maquiavélico da ação política de Lula. Como se sabe, Maquiavel, em O Príncipe, reclama para o governante uma adaptabilidade às circunstâncias, sob a forma de esperteza e ardil. O príncipe não pode ter sua conduta balizada por princípios morais, mas pode ocasionalmente fingir levá-los em consideração quando isso se fizer necessário. A política, assim concebida e vivenciada, é o jogo retórico do poder no qual impera a hipocrisia.
O leitor poderá dizer que 90% dos políticos se movem dentro dessa perspectiva amoral e pragmática, no que tendo a concordar. Nem por isso é ocioso o ofício de denunciar as contradições entre o discurso e a ação dos nossos representantes.
Até ontem eu pensava, inclusive, que essa vigilância crítica era quase sinônimo de jornalismo, mas entendi melhor a crise de credibilidade da imprensa brasileira quando vi o constrangedor vídeo da Globo News no qual a jornalista Daniela Lima se vangloria, de forma patética, por ter passado seu telefone pra Janja, que o passou para Lula e Macron para que vissem alguns memes. O Macron, segundo Lima ‘se divertiu horrores’ e o Lula ‘ficou meio meu deus do céu’.
A cobertura de uma agenda política entre dois chefes de Estado, feita por tietes risonhas foi devidamente ridicularizada nas redes sociais. Mas apontar o ridículo da vassalagem de parte da imprensa a Lula não é suficiente. É preciso retomar o fio das questões importantes com a seriedade que o momento requer.
Macron desembarcou no Brasil com uma comitiva de 140 empresários franceses, com o propósito bem definido de atrair investidores brasileiros, a maioria ligados à bioeconomia. O marketing em torno da visita trabalhou principalmente para projetar os dois presidentes como líderes ambientais. Macron conseguiu tudo que queria, a começar pela foto com os indígenas, que muito lhe interessava.
Foi anunciada uma coalizão de recursos em projetos de pesquisa sobre bioeconomia e sustentabilidade no valor de 5,4 bilhões de reais, em uma parceria entre bancos públicos brasileiros e franceses. O Brasil não conseguiu, portanto, um investimento unilateral. A expectativa de uma doação direita da França para o fundo da Amazônia foi frustrada.
O outro balde de água fria para o Brasil foi a rejeição categórica, por parte do presidente francês, do acordo UE-Mercosul, que Lula finge querer avançar. Macron disse que os termos do acordo eram péssimos e que seria uma loucura assiná-lo…
A visita de Macron não serviu propriamente ao Brasil, mas a Lula, que tenta reverter uma queda de popularidade, provocada principalmente pela sua política externa bizarra, que vai desde a cumplicidade com as ditaduras de Putin e Maduro até as comparações infames de Israel com o nazismo.
É justamente na política internacional que o cinismo de Lula fica mais patente. É lamentável que Emmanuel Macron, que tem engrossado a voz para liderar o esforço europeu em favor da Ucrânia e contra a Rússia, não tenha confrontado com firmeza a postura pró-Putin de Lula….
Lula tem duas caras. Ele quer ser o líder das autocracias do sul global sem deixar de ser bajulado por líderes progressistas e globalistas do Ocidente, a exemplo de Emmanuel Macron.
Ao cidadão, cabe, cada vez mais, a responsabilidade de buscar um jornalismo comprometido e vigilante e repudiar um certo tipo de jornalismo servil, feito por mentes infantilizadas, que não conseguem conter o embevecimento juvenil com a proximidade do poder.”
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