Flávio Gomes de Barros
Texto de Ricardo Kertzman:
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"Quem me acompanha sabe que nunca acreditei na isenção olímpica da Justiça brasileira – até porque, eu juro, motivos pessoais não me faltam. Detesto fulanizar debates e situações, mas, no caso a seguir, é impossível não reconhecer o protagonismo do ministro Gilmar Mendes, que, de tanto passear em Lisboa, só falta transferir parte de seu gabinete da Suprema Corte para a capital portuguesa.
O Gilmarpalooza, uma espécie de micareta jurídica-financeira-política, que anualmente reúne ministros, polpiticos, réus, advogados e empresários – a maioria multimilionários e até mesmo bilionários -, corporativamente chamados stakeholders, com interesses diretos em decisões judiciais e com ações tramitando no STF, e políticos sedentos por influência, supera qualquer sátira imaginável.
Ali, entre taças de vinho do Douro, mesas de bacalhau e selfies sorridentes, ministros do STF debatem 'democracia' com investigados pela Polícia Federal. Empresários que dependem de regulação estatal têm conversas ao pé do ouvido com deputados que votam leis sob encomenda. Ministros de Estado e magistrados que julgam, ou poderão julgar seus destinos, passeiam pelo Tejo no verão português.
Não é à toa que a Justiça brasileira goze de tão baixa credibilidade e grande repulsa da opinião pública. Juízes que não se contentam em julgar e querem também legislar e governar, abrem espaço em suas agendas, largam para trás seus fazeres e correm para 'palestrar'. O Gilmarpalooza, se fosse mesmo um festival de rock, teria shows da banda Conflito de Interesses e do grupo instrumental Os Parciais do Planalto.
Mas não é show; é realidade. Ministros que deveriam ser símbolo de contenção e discrição se tornam influenciadores de toga, brincando de 'network jurídico' com advogados, empresários e lobistas que, claro, não estão ali pelo pastel de nata ou o 'notório saber' dos capas pretas. Afinal, quem se esforça tanto – e paga caro – para ouvir o óbvio quer, no mínimo, ser visto, cumprimentado e lembrado na hora certa.
O Judiciário brasileiro, a cada evento assim, vai se travestindo de Think Tank para oferecer acesso ao poder. No fim, voltam todos para casa (a bordo de seus jatinhos) certos de que cumpriram a missão: garantir que tudo siga. Juízes julgando, réus festejando, empresários lucrando e o povo bancando a bacalhoada, de boca fechada para não ser censurado ou processado, acreditando que isso é democracia."
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