PL da Censura: “Perderam ótima oportunidade de reafirmar a força e a independência do Congresso”

Publicado em 02/05/2023, às 18h40

Redação

Texto de Nuno Vasconcellos, no portal IG:

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“Ao receber das mãos do presidente do presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Alexandre de Moraes, na terça-feira da semana passada, um conjunto de sugestões destinadas a endurecer ainda mais o Projeto de Lei 2630/2020 — conhecido como projeto das Fake News ou, como parece mais apropriado, PL da Censura —, tanto o senador Rodrigo Pacheco quanto o deputado Arthur Lira perderam uma ótima oportunidade de reafirmar a força e a independência do Congresso Nacional. Ao contrário disso, Pacheco, que preside o Senado, e Lyra, que comanda a Câmara dos Deputados, agiram como se seguissem uma agenda que não reflete o interesse do poder que representam. A impressão que deixaram foi a de que, de cabeça baixa e em nome da pressão de um outro poder, aceitaram trabalhar para suprimir o direito à livre expressão no Brasil.

Não importa se a justificativa para a supressão desse direito seja proteger as instituições dos “atos antidemocráticos” supostamente praticados em nome dos interesses do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. O que não faz sentido é que, num regime que pressupõe a alternância no poder, uma parcela da sociedade — seja ela qual for — perca seu direito de se manifestar em nome do direito de outra parcela falar o que quiser e impor sem debate sua versão sobre os fatos.

Ninguém aqui está dizendo que os atos do dia 8 de janeiro devam ficar impunes. Pelo contrário! Tomar as atitudes previstas em lei para coibir manifestações que ultrapassem os limites aceitos pelo Estado Democrático de Direito (sejam elas levadas adiante por agitadores bolsonaristas, por militantes do MST ou por quem quer que seja) é uma obrigação das autoridades de qualquer um dos três poderes. Mas ultrapassar esses mesmos limites em nome da intenção de impedir que outros o ultrapassem é um erro de grande magnitude.

Pacheco e Lyra poderiam ter deixado claro que, numa democracia, os poderes, além de independentes, têm atribuições específicas. Um não pode avançar sobre o espaço dos demais, sob o risco de acabar com a harmonia que deve existir entre eles. Já pensou se amanhã ou depois algum deles procurasse Moraes para “sugerir” a sentença sobre uma ação em julgamento? Na divisão de tarefas que a democracia prevê para os poderes, a atribuição de legislar cabe ao Parlamento — jamais ao Poder Judiciário…

Ao invés de propor a criação de dispositivos capazes de ampliar as garantias à livre manifestação e circulação de informações e de ideias, os presidentes das duas casas do Congresso aceitam delegar a “censores” o poder de decidir o que será e o que não será visto pelas pessoas.

Antes de entrar nos detalhes do projeto, convém refrescar a memória em relação a fatos históricos que jamais deveriam ser esquecidos pela sociedade. Toda vez que alguém delega a uma autoridade poder para decidir sobre as informações que chegarão à sociedade, o cidadão que acredita na democracia tem a obrigação de recordar o temor manifestado pelo então vice-presidente da República Pedro Aleixo no momento em que se opôs à decretação do Ato Institucional nº 5, na tarde de 13 de maio de 1968.

Perguntado por um auxiliar do marechal Arthur da Costa e Silva se ele não confiava nos critérios do presidente da República para aplicar as medidas draconianas previstas no Ato, Aleixo respondeu: “no presidente eu confio; mas tenho medo do guarda da esquina”.

Aleixo não tinha o menor poder de resistir à decretação do documento que empurrou o Brasil para o momento mais sombrio de sua história. Mesmo assim, não alienou sua consciência nem compactuou com a decisão de aprofundar ainda mais a ditadura militar. Sua atitude foi oposta à que se vê hoje em dia, quando as autoridades com algum poder de livrar as redes sociais ao jugo dos “guardas da esquina” parecem fazer tudo para restringir o direito à livre expressão de suas ideias.

O relatório de Orlando Silva dá aos políticos direitos que nega aos cidadãos — o que, por si só, é um despropósito. O deputado resguarda para os eleitos para o Executivo e para o Parlamento a imunidade em relação a qualquer opinião emitida por eles nas redes sociais. Os cidadãos comuns, no entanto, poderão sofrer sanções e ter os conteúdos postados removidos sem direito a apelação pelo primeiro censor que se sentir incomodado pela postagem.

Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá pedir a abertura de investigação na Justiça Eleitoral para apurar uso indevido de meios de comunicação social em benefício de algum candidato ou partido. “A equiparação das plataformas digitais e dos meios de comunicação serve apenas e tão somente para que a eficácia da Justiça eleitoral se dê plenamente quando houver abuso na atividade nesses espaços”, garante Orlando Silva. Será?

Outros argumentos “nobres”, no melhor estilo “me engana que eu gosto” surgem em meio às explicações dadas por Silva para justificar seu relatório. A maioria das medidas propostas, no entanto, abre espaço para que o “guarda da esquina” temido por Pedro Aleixo interprete a questão de acordo com os mesmos critérios que a censora Joselita utilizou para vetar sambas do grande Adoniran. Ou seja, sua preferência pessoal…”

 

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