Rinocerontes “voam” de cabeça para baixo em ação na Namíbia para salvar espécie

Publicado em 18/03/2021, às 15h49
Ministério do Meio-Ambiente, Florestas e Turismo da Namíbia -

CNN

A cena de um rinoceronte voando de cabeça para baixo, suspenso em um helicóptero e balançando acima da savana africana, parece comicamente surreal. Mas, para o rinoceronte-negro, voar para um novo território não é brincadeira, e sim questão de pura sobrevivência.

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A maioria dos transportes de rinocerontes é realizada em caminhões, mas alguns locais remotos não são acessíveis por terra. Então, dez anos atrás, os conservacionistas começaram a usar helicópteros de vez em quando para levar rinocerontes de e para terrenos inacessíveis. O animal é colocado de lado em uma maca ou pendurado de ponta-cabeça pelas pernas.

Os conservacionistas gostam do transporte aéreo de cabeça para baixo porque é mais rápido, mais fácil e menos caro do que a opção da maca, mas até agora não estava claro como ser invertido afeta os rinocerontes.

Para descobrir os efeitos, o governo da Namíbia pediu a uma equipe de pesquisa da faculdade de medicina veterinária do Cornell’s College, no estado de Nova York, que examinasse a prática. Os resultados, publicados em janeiro, foram surpreendentes. “A gente previa que seria pior para os rinocerontes serem pendurados de ponta-cabeça”, conta Robin Radcliffe, um professor sênior de medicina e conservação da vida selvagem.

O que ocorreu foi o contrário: Radcliffe e sua equipe descobriram que, embora pareça uma experiência desconfortável, voar de cabeça para baixo é a melhor opção para a saúde do rinoceronte.

O caminho certo

A Namíbia é o lar de um quase um terço dos rinocerontes-negros (Diceros bicornis) da África, uma das duas espécies de rinocerontes encontradas no continente.

A partir de 2015, a equipe de Cornell suspendeu 12 rinocerontes-negros — cada um pesando entre 802 e 1.230 quilos — de cabeça para baixo em um guindaste, e os colocou deitados de lado para comparação.

Os pesquisadores mediram biomarcadores para respiração e ventilação e descobriram que os rinocerontes tinham níveis mais altos de oxigênio no sangue quando de cabeça para baixo.

Radcliffe diz que a posição invertida permite que a coluna se estique, o que ajuda a abrir as vias respiratórias. Além disso, a equipe descobriu que, quando deitados de lado, os rinocerontes têm um “espaço morto” maior. O espaço morto se refere à quantidade de ar em cada respiração que não contribui com oxigênio para o corpo.

A diferença entre as duas posturas era pequena, mas, como o forte anestésico usado no rinoceronte causa hipoxemia (baixos níveis de oxigênio no sangue) mesmo uma pequena melhora faz diferença no bem-estar do animal.

Rinocerontes voadores

Quer o animal esteja de lado ou de cabeça para baixo, o transporte aéreo requer dois helicópteros: um pequeno para atingir o rinoceronte com um sedativo e um maior para efetivamente carregá-lo. Quando os rinocerontes são levantados deitados, a maca adiciona peso e o processo demora mais. De acordo com Radcliffe, uma equipe de seis pessoas pode levar até 30 minutos para posicionar e prender o rinoceronte na plataforma.

Por outro lado, prender cordas às pernas e pés do animal pode levar apenas alguns minutos.

O professor Radcliffe conta que o processo reduz a despesa — juntos, dois helicópteros custam cerca de US$ 4.000 (cerca de R$ 22 mil) por hora — e melhora o bem-estar do animal, diminuindo o tempo de sedação. Os rinocerontes são anestesiados com tranquilizantes opioides mil vezes mais fortes que a morfina. A etapa traz um dos maiores riscos para o animal, seja por transporte rodoviário ou aéreo.

Mudar por quê?

Rinocerontes-negros vivem no deserto, arbustos e savanas em toda a África, com as maiores populações na Namíbia, África do Sul, Quênia e Zimbábue. Na década de 1960, mais de 100 mil rinocerontes-negros viviam na natureza, mas 30 anos de caça furtiva agressiva eliminaram 98% dos animais. Em meados da década de 1990, restavam apenas 2.354 rinocerontes-negros.

Desde então, esforços de conservação cuidadosos e direcionados mais do que dobraram o número de rinocerontes-negros, atingindo hoje cerca de 5.600 exemplares.

Mesmo com população em crescimento, a espécie ainda não está fora de perigo, de acordo com Jacques Flamand, líder do Projeto de Expansão de Rinocerontes-Negros do World Wildlife Fund (WWF).

Segundo Flamand, os rinocerontes são uma espécie “dependente da densidade”, o que significa que, se houver muitos deles em uma área, seu número diminuirá, a menos que alguns sejam transferidos para outro lugar. Mover rinocerontes também ajuda a garantir um pool genético diversificado. “Não queremos que um rinoceronte-negro acasale com sua filha ou mãe, o que na natureza seria improvável devido à emigração de machos, mas nas reservas cercadas é um risco real”.

Os animais ainda são perseguidos por caçadores ilegais, que os abatem por causa dos chifres, altamente valorizados como ingrediente na medicina tradicional chinesa e como joalheria e esculturas ornamentais. Em alguns casos, os rinocerontes são resgatados de áreas de caça furtiva e movidos para onde podem ser monitorados e protegidos.

Na Namíbia, os programas governamentais de conservação da vida selvagem transferem rinocerontes para fazendas e reservas em comunidades remotas. A população local é treinada como guarda-caça e guarda-parques de rinoceronte, o que ajuda a impulsionar a economia local e mantém os animais seguros, disse Simson Uri-Khob, CEO da Save the Rhino Trust Namibia.

Em 2020, a caça furtiva de rinocerontes na Namíbia teve uma queda de 40% em relação a 2019, que Uri-Khob credita ao maior envolvimento da comunidade: “Temos mais pessoas no solo em comparação com os anos anteriores”.

Veremos mais rinocerontes voadores?

Atualmente, a maioria dos rinocerontes é transportada por estrada. A maior parte dos transportes aéreos envolve viagens de cerca de 50 quilômetros que duram de 20 a 30 minutos, diz Radcliffe.

Mas o transporte aéreo de rinocerontes provavelmente se tornará mais comum no futuro, conforme mais animais são movidos para áreas acidentadas e inacessíveis, como a região de Kunene, no norte da Namíbia.

“A Namíbia teve a visão de reconhecer que este tipo de transporte só aumentará no futuro e que devemos entender melhor a segurança dos rinocerontes”, relata Radcliffe.

O professor norte-americano e sua equipe esperam fazer pesquisas sobre translocações aéreas mais longas e investigar o impacto do voo na atividade cerebral e no fluxo sanguíneo dos animais. Além disso, “sabemos que eles reagem bem no curto prazo, mas gostaríamos de monitorar os rinocerontes após a viagem de cabeça para baixo, para ver como eles se comportam a longo prazo”, adianta.

Radcliffe espera que sua pesquisa leve a uma melhor proteção para esses animais ameaçados. “O que podemos fazer como conservacionistas é garantir que oferecemos a melhor segurança e o melhor manejo para que os rinocerontes possam se recuperar”, diz o professor. “Temos a obrigação, como cidadãos globais, de proteger esses animais."

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