Redação
Uma trilha de pedras banhada por esgoto e muito descaso ambiental. Assim está o Paraíba do Meio, rio que abastece seis municípios em Alagoas. O que até pouco tempo atrás era um dos orgulhos dos moradores da Zona da Mata por suas águas cristalinas e fauna abundante, hoje está desaparecendo.
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A equipe de reportagem do TNH1 foi até as cidades de Viçosa, Paulo Jacinto, Quebrangulo e Capela com o objetivo de navegar pelo leito do rio e registrar a possível degradação, resultado da poluição e extração ilegal de areia. Ledo engano. Impossível. Seco, o leito do Paraíba não tem água suficiente nem para a menor das embarcações.
De perto, a sensação é de que o rio desapareceu. Grande parte da área onde antes era possível pescar pôde ser percorrida a pé, em meio a uma trilha de pedras, antes submersas pelo corpo d’água, hoje banhada por muita sujeira.
Veja:
Com a nascente localizada no município pernambucano de Bom Conselho, o Paraíba enfrenta uma das piores secas dos últimos anos, agravada pela falta de conscientização ambiental da população que despeja esgoto indiscriminadamente em suas margens.
Em Alagoas, as cidades Paulo Jacinto, Quebrangulo, Viçosa, Cajueiro, Capela e Atalaia se formaram às margens do Paraíba, mas seus moradores parecem ignorar sua importância.
Além do esgoto, a extração de areia e o despejo de pocilgas clandestinas também contribuem para a morte lenta das águas e, consequentemente, agravam a situação dos moradores da região que já convivem com o rodízio no abastecimento de água.
Sem políticas públicas para revitalização do rio, a equipe do TNH1 encontrou também poças de esgoto ao longo do leito seco, principalmente nos trechos urbanos. Águas servidas lançadas diretamente nas pedras, levantando um incômodo mau cheiro e aniquilando, aos poucos, todo o ecossistema mantido pelo rio.
VIÇOSA: ÁRVORES SE FIRMAM ONDE SERIA O LEITO DO RIO
Em Viçosa, município com pouco mais de 25 mil habitantes, a situação impressiona. O leito está tão seco que já existem árvores onde antes havia grande volume de água.
Num dos pontos mais altos da cidade é possível ter uma noção exata do estrago feito pela seca. Um caminho de pedras que se perde de vista existe no lugar antes coberto por água pura.
O guarda municipal João Pereira garante que nunca viu nada igual. “Presto serviço nessa área há seis anos e nunca vi uma seca como esta”, afirmou. Veja vídeo feito onde antes havia água:
Com “zero” de saneamento, prefeitura promete revitalizar rio
Pra agravar a situação do trecho do Paraíba em Viçosa, o município não possui saneamento básico algum e um canal que corta a cidade, e recebe todo tipo de água servida dos moradores, é despejado diretamente no rio, sem nenhum tipo de tratamento prévio.
A assessoria de comunicação da prefeitura não explicou porque não há sequer projeto para sanear a cidade. Mas por nota, garantiu que há um projeto de educação ambiental em andamento, que promete revitalizar o rio. Atualmente o estudo citado está em fase inicial de elaboração.
“Está sendo formado um comitê dos municípios ribeirinhos para começar a desenvolver ações para preservação do mesmo”, informou ainda a assessoria.
Adriano, o pedreiro que reconstrói a mata ciliar
Caminhando ‘com pés enxutos’, embaixo da ponte onde antes a água escoava abundante, o pedreiro Adriano Vieira se aproximou da reportagem e passou a lamentar a situação, “Esse rio é uma mãe para gente. Era dele que meus pais tiravam alimento e lavavam nossas roupas”, relembrou Adriano.
Adriano levou a equipe até as proximidades da Serra Dois Irmãos, onde ainda é possível contemplar água pura, mas abaixo do nível considerado normal. “O volume aqui era muito maior, infelizmente a cada dia a gente vê menos água chegando”, garantiu o morador. “Sempre que posso, também levo amigos e familiares para recolhermos lixo das encostas”, disse.
Próximo da Serra Dois Irmãos, o pedreiro falou de seu amor ao Paraíba; veja o vídeo:
PAULO JACINTO: 90% DE ESGOTO PARA O RIO
Continuando a rota do Paraíba, chegamos a Paulo Jacinto, onde a situação não é diferente. Com população chegando a 8 mil habitantes, segundo o IBGE, nenhum deles parece perceber o que está acontecendo com o rio que corta seu território.
Ali, além da forte estiagem e o leito do rio seco, existem pontos “mortos” onde até existe água, mas por conta da exploração ilegal de areia ocorrida por anos, tornou-se sem vida. O caso fica mais grave por conta do despejo de dejetos lançados nas águas por pocilgas clandestinas que funcionam nas proximidades. Apenas 10% da cidade possui sistema de esgotamento sanitário.
Veja vídeos feito na divisa de Paulo Jacinto:
A assessoria da prefeitura municipal informou que os abatedouros clandestinos já foram identificados e notificados. Também informou que a extração de areia em Paulo Jacinto foi proibida no final de 2016 e que agora a gestão tenta recuperar a mata ciliar.
“Estamos em contato permanente com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e isso já garantiu o comprometimento da Pasta com demarcação das Áreas de Preservação Ambiental (APP) em nosso município”, disse a assessoria, por e-mail.
Francisca Severiana e a saudade do antigo Paraíba
Para a conselheira tutelar Francisca Severiana, que vive próximo a uma das pontes de Paulo Jacinto, a última vez que viu o rio com alguma ‘serventia’, foi logo depois da enchente que ocorreu em 2010. “Naquela época que choveu bastante ficou bonito de se ver, dava até para pescar”, relatou. “Hoje a ponte até perdeu um pouco do sentido sem água correndo por debaixo dela”, opinou a conselheira.
Em depoimento, ela conta como foi sua infância nas imediações do rio; confira no vídeo:
EXTRAÇÃO DE AREIA: CICATRIZES PERMANECEM
Ao retirar do leito do rio grandes quantidades de areia, várias consequências podem ocorrer a longo prazo. E não só em suas águas, mas também no ar e em toda a fauna que habita o bioma. Os exploradores agem como verdadeiros predadores nômades, que mudam de local quando descobrem outro ponto ainda com água para sugar o mineral, deixando para trás um rastro de degradação ambiental a olhos vistos.
O Paraíba sofreu por anos com a exploração ilegal de minerais e os sinais deixados pelos exploradores permanecem ao longo de seu corpo. Nas áreas completamente assoreadas, percebe-se a ausência de peixes e muito óleo contaminando parte de suas margens.
“EXTRAÇÃO SIM, INFORMAÇÕES NÃO”
Mesmo com pouquíssima água, o rio ainda serve para a extração de areia em uma propriedade localizada na Zona Rural de Viçosa.
Apesar das várias placas de autorização dos órgãos competentes, os funcionários que fazem o processo de retirada parecem incomodados e sequer dão informações simples como o valor da carga de areia acomodada em uma caçamba. “Não podemos dar nenhum informação à imprensa e gostaríamos que vocês deixassem o local”, fomos informados.
POLÍCIA FEDERAL TEM 100 INQUÉRITOS DE EXTRAÇÃO ILEGAL
O IMA informou que só no ano passado, o instituto recebeu 86 denúncias de extração ilegal de areia em Alagoas. Já o Departamento de Produção Nacional em Alagoas (DNPM/AL) confirma que fiscalizou 29 áreas com suspeita do mesmo crime, a maioria no interior do Estado, no mesmo período.
A Polícia Federal (PF), que possui um departamento especial para crimes ambientais, informou que atualmente transitam no departamento cerca de 100 inquéritos desta natureza principalmente no Agreste de Alagoas. Já no Ministério Público Federal (MPF), cinco processos relacionados a crimes ambientes aos cometidos contra afluentes no Estado estão em andamento. Apenas um deles é na Capital.
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL
Ao perceber a situação ‘desgastante’ que atinge o rio, o TNH1 buscou respostas junto a especialistas.
A doutora em águas e solo, Lídia Tarchetti, explica que mesmo quem explora com autorização do Instituto do Meio Ambiente (IMA), precisa obedecer algumas regras.
“Para diminuir o impacto causado pela retirada do mineral, é preciso compensar o meio ambiente com a plantação de novas mudas ao longo do leito dos rios, pois são as árvores que seguram e protegem os corpos d’água”, explicou a doutora. “Se o habitat for comprometido, diversas espécies que vivem ao longo de seu leito sofrerão com o desgaste”, alertou.
COLAPSO À VISTA
De acordo com a doutora Lídia Tarchetti, caso nada seja feito para poupar o Paraíba do Meio, o rio pode entrar em colapso. “A começar pelas áreas abandonadas onde antes havia extração de areia. Elas ficam estéreis”, explicou Lidia. “O reequilíbrio do sistema começa pela conscientização dos moradores na região”, completou.
“Se o contrário ocorresse, e todos os municípios passassem a tratar seu esgoto e a exploração cessasse, mesmo assim, seriam necessários, em média, dez anos para que o rio pudesse voltar ao seu estado original, e sobreviver”, disse.
Como evitar a morte do Paraíba?
Atitude simples, mas que podem salvar a vida do rio, parecem estar ao alcance de qualquer morador da região. “É preciso preservar, principalmente, a vegetação que delimita as margens. A mata ciliar original precisa ser mantida ou reflorestada”, explicou Tarchetti.
Além do reflorestamento das encostas, a especialista explica que o desejo de preservação precisa nascer no coração de cada morador. “A população precisa entender que não pode lançar lixo ou dejetos no leito, pois isso afeta diretamente a vida dos peixes e de toda a fauna aquática”, alertou.
VIDA RESISTE EM MEIO AO ESGOTO
Ao caminhar por entre as pedras do Paraíba, em Viçosa, a reportagem percebeu um ninho edificado por um morador que, pelo jeito, não quer arredar o pé de sua morada: um passarinho conhecido na região como “Lavadeira”, que fez de uma das árvores que nasceram no leito seco do rio, seu lar.
Um símbolo da vida resistindo à ação de degradação do homem, que além de não respeitar o grande afluente que dá vida à cidade, ainda polui suas águas, assinando aos poucos o atestado de óbito daquele que sempre banhou e alimentou seu povo.
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