Salvador tem 25 queixas de agressão à mulher por dia em 2019

Publicado em 09/01/2019, às 08h10
Juliana foi agredida e prestou queixa contra o DJ John Oliver no sábado (5) | Arquivo Pessoal -

Correio 24h

Em apenas uma semana, 175 mulheres bateram às portas de duas delegacias de Salvador para denunciar um tipo de crime: agressão. Os registros foram feitos na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Brotas - 108 - e na Deam de Periperi - 67 - e apontam para uma média assustadora:  já são  25 casos  por dia em 2019.

LEIA TAMBÉM

Segundo a Polícia Civil da Bahia, cerca de 70% das denúncias são encaminhadas à Justiça - ou seja, viram processo. Entre as denúncias feitas este ano, pelo menos duas foram contra o DJ João René Espinheira Moreira, 33 anos, conhecido em Salvador como DJ John Oliver. Ele foi apontado por duas vítimas como o autor de agressões ocorridas entre o dia 30 de dezembro de 2018 e 5 de janeiro deste ano. 

Primeiro, a ex-namorada Juliana Galindo, 26 anos, o denunciou no sábado. Ela foi agredida com murros, chutes e estrangulamento após uma conversa na casa dela, depois de o relacionamento dos dois chegar ao fim. Após as agressões, Juliana não teve dúvidas: “Foi uma tentativa de homicídio”, disse ao CORREIO.

A denúncia dela acabou encorajando uma estudante de 22 anos, que se identificou como Lívia, a denunciar o DJ, nesta segunda-feira (7), por violência sexual ocorrida no dia 30 de dezembro do ano passado. O DJ já responde a quatro processos por agressões a mulheres, mas nega. Segundo ele, Juliana o agrediu. O problema é que, de acordo com a promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia (MP-BA), a vítima costuma não acreditar que aquela agressão poderá se repetir.Aí vem a segunda briga e mais cicatrizes. E, assim, segundo a promotora, “a maioria dos feminicídios envolve mulheres que nunca prestaram queixa dos agressores”.

Ainda de acordo com a promotora, a comunicação da agressão pode levar à concessão de uma medida protetiva, que impede o agressor de entrar em contato com a vítima. “Um fator que chama a atenção é que a maioria das mulheres mortas não tinha essa medida, essa proteção”, afirmou.

Proteção
Denunciar o caso fez com que Juliana recebesse a medida protetiva. A primeira foi concedida no domingo, pela juíza plantonista Lizianni de Cerqueira Monteiro, que obriga John Oliver a manter distância mínima de 300 metros dela, bem como não frequentar residência e ambiente de trabalho da vítima.

Nesta terça-feira (8), a juíza titular da 1ª Vara da Justiça pela Paz, Márcia Nunes Lisboa, reforçou a medida, que tem validade de 180 dias - podendo ser renovada. Ela também marcou uma audiência do caso para 22 de fevereiro, quando vão ser ouvidos vítima e acusado  - caso compareçam.

No entanto, segundo a promotora Márcia Teixeira, a medida protetiva só tem eficácia, ou seja, só passa a ter validade, quando o réu - neste caso, John Oliver - é citado, comunicado da decisão judicial, o que ainda não aconteceu, segundo o processo.

“Mas, por se tratar de um caso que ganhou repercussão, inclusive em rede nacional, ele não tem como alegar desconhecimento da medida”, explicou a promotora.

Nos demais casos, inclusive das outras mulheres que denunciaram John Oliver e qualquer outro agressor, a demora do Judiciário e a dificuldade de localização dos réus é algo que preocupa: “Muitos dificultam essa citação e, quando sabem da existência do processo, entram em contato com a vítima, para intimidar, ameaçar”.

Esses casos, segundo a promotora, a vítima que se sentir insegura, mesmo sem que tenha havido descumprimento, de fato, da medida protetiva, porque sequer houve citação, pode entrar em contato com o Ministério Público, a delegacia ou a vara onde tramita o processo.

É a partir deste momento que o MP-BA, uma vez acionado, pode ajudar a vítima, inclusive argumentando junto ao Judiciário para que seja expedido mandado de prisão preventiva do acusado. “E, se por qualquer motivo, prenderem e ele for solto, terá de usar tornozeleira eletrônica”, afirmou a promotora. 

Para preservar a integridade física da mulher, mesmo se a vítima desistir da ação penal contra o agressor, o processo continua. 

Exposição nas redes sociais
A bacharel em Direito Juliana Galdino, 26 anos, que denunciou o DJ John Oliver, seu ex-namorado, por agressão no último sábado (5), prestou depoimento, nesta terça (8), na 7ª Delegacia (Rio Vermelho) e disse que vai procurar o Ministério Público da Bahia para reportar a exposição nas redes sociais praticada por Oliver.

O advogado dela, Dielson Monteiro, que também atua junto às outras mulheres que acusam o DJ, afirma que John Oliver tem feito postagens em redes sociais expondo conversas íntimas que alega ter tido com Juliana e vídeos do casal. As postagens começaram nesta segunda (7), quando o caso ganhou repercussão nacional.

A defesa dela também espera conseguir que o pedido de prisão preventiva do DJ seja feito a qualquer mometo. O advogado Dielson disse que os crimes atribuídos a John Oliver cumprem todos os requisitos legais para que o pedido de preventiva seja feito e acatado pela Justiça. “Ele já foi preso em flagrante pelo mesmo crime, ou seja, não tem um histórico bom e ainda oferece risco às vítimas”, declarou.

As outras vítimas de John Oliver também têm se sentido inseguras. “É importante, agora mais do que nunca, que estejamos unidas e preparadas para enfrentar ele, com a ajuda da Justiça, do Ministério Público e de todas as pessoas que são contra esse tipo de violência”, disse Lívia, uma das vítimas.

O CORREIO encontrou registros de oito mulheres agredidas pelo DJ.  John Oliver disse que processos são antigos e que as mulheres querem destruir sua vida.

Feminicídios
O medo que uma agressão física se torne cade vez mais grave tem sentido. De acordo com dados da Polícia Civil da Bahia, o número de feminicídios no ano passado em toda a Bahia - 70 - foi 6% maior do que os casos registrados em 2017, quando houve 66 crimes do tipo. O caso mais recente aconteceu em Salvador, quando a atendente Dara dos Santos Cavalcante, 22 anos, foi morta por um vizinho e enterrada nas dunas de Itapuã, no dia 31 de dezembro.

Em todo o Brasil, os números também cresceram. De acordo com balanço do Disque 180, canal do agora Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, publicado nesta terça-feira (8) pelo Correio Braziliense, foram 2.749 tentativas de feminicídio no país de julho a dezembro de 2017. No mesmo período de 2018, foram 4.018 - 46% a mais.

Um levantamento inédito feito pelo Ministério da Saúde e divulgado nesta terça (8) pelo Estadão mostrou outro dado preocupante: três entre cada dez mulheres que morreram no Brasil por causas ligadas à violência já eram agredidas frequentemente.

Gostou? Compartilhe

LEIA MAIS

Empresário assassinado tinha acabado de descobrir que seria pai Laudo da PF confirma que Bolsonaro usou solda para romper tornozeleira Novas regras para horários de entrada e saída de hotéis já estão valendo; veja o que mudou CCJ do Senado aprova PL da Dosimetria e texto vai ao plenário