Um exemplo marcante e raro de independência no serviço público

Publicado em 09/08/2025, às 10h30

Flávio Gomes de Barros

Ricardo Melro tem se constituído um dos melhores quadros da Defensoria Pública do Estado de Alagoas, demonstrando possuir requisitos essenciais em um servidor público: altivez, simplicidade, competência, conhecimento de causa e independência funcional.

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Ele tem agido dentro desses princípios no exercício das suas funções, inclusive quando exerceu o cargo de Defensor Público Geral.

No início desta semana ele foi surpreendido – e a sociedade alagoana, de forma geral – com seu afastamento da coordenação do Núcleo de Proteção Coletiva da instituição que integra.

O episódio gerou suspeitas porque se deu exatamente a quatro dias da apresentação de um relatório técnico-científico sobre o afundamento do solo em vários bairros de Maceió, causados pela exploração de sal-gema pela Braskem, evento que havia sido articulado pelo próprio Ricardo Melro e que ocorreu ontem pela manhã, no auditório do Cesmac.

A Defensoria Pública Geral do Estado de Alagoas emitiu nota negando as insinuações e explicando, em síntese, que a substituição da cúpula do Núcleo de Proteção Coletiva seria um ato rotineiro.

Em contestação, Ricardo Melro se pronunciou também através da nota que segue abaixo, na íntegra:

"Sobre a nota recentemente divulgada pela Defensoria Pública do Estado, é preciso esclarecer alguns pontos fundamentais.

Além de desinformada, a nota se revela, em certos trechos, covarde. Covarde porque não esclarece — insinua. E a insinuação é, como se sabe, a arma preferida dos que não têm coragem de dizer a verdade com clareza.

Quando, de forma enviesada, sugere que teria havido solicitação de recursos públicos em benefício de terceiros, tenta plantar a dúvida. Tenta dar margem a detrações. Pois esclareço: a solicitação feita dizia respeito à vinda do representante do grupo de pesquisadores — entre os maiores especialistas do mundo em subsidência — para apresentar, em audiência pública, uma pesquisa científica inédita, de interesse público inquestionável. Não se tratava de benefício pessoal, mas de benefício direto à sociedade alagoana e, sobretudo, às vítimas do colapso provocado pela Braskem.

Como resposta, o que se obteve foram, mais uma vez, insinuação e exigências absurdas — estapafúrdias mesmo, típicas de quem, em vez de colaborar, prefere atrapalhar. E isso, é claro, nós não aceitamos. Por esse motivo, solicitei formalmente esclarecimentos, que até hoje não foram prestados.

Diante das barreiras internas injustificáveis, busquei apoio junto ao Governo do Estado. Se não fosse essa articulação direta, a apresentação pública da pesquisa científica jamais teria ocorrido. Foi por fora que conseguimos garantir aquilo que deveria ter sido prioridade institucional.

Mais grave: no exato dia em que anunciamos à sociedade a existência da pesquisa e a realização da audiência pública, o que houve, em vez de apoio, foi retaliação. Pura e simples. Medidas administrativas foram adotadas poucas horas depois, com a exoneração de colegas e o esvaziamento do núcleo de Proteção Coletiva. Vamos dar nome ao que aconteceu: perseguição institucional. Lamentável.

Chama atenção, também, outro trecho da nota, que afirma estar mantida uma suposta 'força-tarefa' dedicada ao caso Braskem. Trata-se de uma inverdade. A única força-tarefa formalmente constituída para atuação coletiva foi criada em 2018, quando eu exercia o cargo de Defensor Público-Geral, e encerrou suas atividades naturalmente com a homologação do primeiro acordo. Desde então, todas as ações coletivas foram idealizadas, construídas e conduzidas por mim, na condição de defensor natural do caso, contando apenas com o auxílio informal dos 3 (três) colegas afastados do núcleo nesta semana. 

A força-tarefa existente atualmente é composta por dois colegas, Fernando Rebouças e Djalma Mascarenhas, e atua exclusivamente em demandas individuais. Em 2023, diante da gravidade da situação da Mina 18, o defensor Lucas Valença passou a integrar o núcleo para somar esforços nas ações coletivas. Foi exonerado nesta última segunda-feira.

É hora de cada um assumir suas escolhas. Não se pode causar os problemas e depois posar de vítima. Tampouco é aceitável que, em reuniões de gabinete e sob o manto do silêncio, se tentem enfraquecer os que estão na linha de frente, protegendo vidas e buscando justiça.

Não é admissível que, em vez de apoio, quem enfrenta diariamente interesses bilionários, quem presta contas à sociedade, quem trabalha pelas vítimas, encontre apenas obstáculos e tentativas internas de deslegitimação.

Lamento, profundamente, o rompimento de um princípio basilar da convivência institucional: a lealdade e o respeito entre pares. Você pode não gostar de mim, mas por que não estar ao meu lado na hora em que a gente entre em um embate na defesa do povo? Todos os colegas dever estar juntos nessas horas, principalmente o chefe da instituição.

Em manifestação anterior, afirmei — com serenidade — que, caso houvesse qualquer crítica à minha atuação, esperava da Administração o devido espaço de diálogo. Como se espera de qualquer liderança verdadeiramente comprometida com a justiça e com a missão da Defensoria Pública.

Disse, ainda, que, conhecendo minha história, minha conduta e minha dedicação de mais de duas décadas a esta instituição, confiava que a Administração não se associaria, ainda que de forma indireta, a tentativas de detração pessoal ou institucional. Infelizmente, essa confiança foi desconsiderada.

Mais preocupante ainda: a postura adotada tem, por diversas vezes, se alinhado aos interesses de entes que, nas ações judiciais em curso, atuam contra a própria Defensoria Pública do Estado de Alagoas, tentando-a retirar dos casos. Isso é, no mínimo, estarrecedor.

De minha parte, deixo claro: não vou parar. Continuarei contra tudo e contra todos defendendo os direitos das vítimas, a verdade dos fatos e a missão institucional da Defensoria Pública."

 

 

 

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