Uma recente avaliação de Omar Coêlho: “Ambiente do futebol é mais nocivo que política partidária”

Publicado em 25/05/2023, às 10h11 - Atualizado às 10h12

Redação

Um dos mais recentes textos do advogado Omar Coêlho de Mello, falecido hoje em São Paulo, foi postado em 19 de abril no blog do jornalista Irineu Tamanini:
“Atendendo a uma solicitação do amigo Tamanini, a quem devoto o maior respeito por tudo que já realizou – e vem realizando – no jornalismo nacional, ouso, após uma rápida passagem pela presidência do CSA (além dos 4 anos na condição de vice-presidente), tecer algumas considerações acerca de um assunto palpitante, a Sociedade Anônima do Futebol, famosa SAF, que tantos clubes buscam como tábua de salvação para suas dívidas faraônicas.
Primeiro, há de ser dito que o ambiente do futebol não é para amadores. Escutei muito que, se comparado à política partidária, ainda consegue ser mais nocivo. Senti na pele essas agruras, podendo atestar a veracidade de tal fato.
Sabemos que o futebol lida com interesses políticos, econômicos e financeiros, mas é a passionalidade, dentre seus diversos aspectos, o grande diferencial, pois a paixão cega a razão. Por mais cristalino que seja, todo jogo tem seu ‘quantum’ de sorte na composição do resultado final, e o que vale é vencer, seja de que modo for. Assim, os envolvidos no ambiente futebolístico tentam, a qualquer custo, atingir a vitória.
Para não perder e/ou não ser rebaixado, na tentativa de salvar sua equipe, às vezes você, um simples mortal, avança além do previsto, gerando algum déficit financeiro. Nos momentos mais delicados, esse ‘avanço’ é pedido por todos: invista, só não deixe cair, somente não perca o campeonato… E assim por diante.
Pois bem, diante desse quadro factual, nossos clubes de futebol formaram-se através de associações sem fins lucrativos, fugindo das altas taxações da receita, de um controle administrativo, financeiro e contábil, sem serem importunado pelo Ministério Público, a quem cabe fiscalizar, por integrar o terceiro setor, e por ser ‘uma paixão nacional’, pela vista grossa dos governos que, de tempos em tempos, criaram mecanismos para que a impunidade e os desmandos se perpetuassem.
O tempo foi passando e o futebol foi se transformando em um grande negócio. ‘Segundo Gianni Infantino, são US$ 286 bilhões por ano, tendo em vista que em termos de receita anual dos clubes, o valor alcança US$ 45 bilhões. O futebol mundial movimenta cerca de US$ 286 bilhões por ano, equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) de um país como a Finlândia.’ Google.
Portanto, os gestores não poderiam continuar livres e, no Brasil, a legislação começou a tentar balizar suas condutas, os clubes começaram a ser cobrados e aquele passivo bilionário começou a incomodar. O que fazer?
Os clubes começaram a recorrer ao judiciário, visando uma anômala ‘recuperação judicial’, a legislação passou a tratar do clube empresa, mas somente, em 2021, a Lei 14.193 foi aprovada a tão sonhada SAF.
Os clubes endividados buscaram a SAF, visando se liberar do passivo dos Clubes e dar uma nova imagem aos seu futebol, que se desassocia do Clube, pensando também que se livraria de suas dívidas, só que a justiça do trabalho tem colocado os pingos nos iis. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. A legislação tem muito ainda a evoluir, mas, ao meu ver, a SAF não salva nada, a não ser que mudemos muita coisa no futebol.
No curto período que passei na presidência do CSA, tive o prazer de conhecer grandes gestores, que têm mudado a realidade de seus clubes. Infelizmente, depois de 1 ano de sabotagens e perseguições, não tive a mesma sorte deles. É possível haver má gestão no futebol, independe de ser uma sociedade sem fins lucrativos ou uma SAF. Não venham me dizer que nunca virão uma SA quebrar?
Temos que exterminar, o máximo possível, a informalidade financeira do futebol. Enquanto não colocarmos selos na moeda circulante em espécie, teremos um caminho aberto à lavagem e outros quitais. Capacitar, cada vez mais, os gestores e todo o entorno, para que eliminemos mais uma porta para a irregularidade.
Na SAF, os donos não vão se preocupar com o que pensam os torcedores, o poder da paixão não terá tanta pressão, e, se não tiverem os lucros ou os fins colimados, vão embora. Nós, os torcedores, que arcaremos com os traumas e o sofrimento.
Espero poder ter contribuído com a discussão.”
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