No mundo da ficção de "Divertida Mente 2", filme de animação de maior bilheteria do século, uma personagem roubou a cena e mostrou o quanto é desafiador decidir, atuando como uma espécie de "gerenciadora da mente", as atitudes que uma criança ou um adolescente deve ter para se sentir pertencente àquele lugar. A Ansiedade, considerada a antagonista da película, busca o tempo todo ofuscar os outros sentimentos, como a Alegria, a Tristeza, e a Raiva, aprisionando-os para ter o poder de decisão, para tentar criar uma proteção daquilo que ainda não vê, ou pode ou não acontecer. Ela tem novas certezas que não são reais. Ela tem pensamentos cruéis que acabam com a personalidade de quem está no começo de tudo, de quem está a traçar as novas maneiras de agir, pensar e sentir. E este tipo de emoção constrói algo que a pessoa pode não se reconhecer mais à frente.
A história criada na mente da pequena Riley, a garotinha que está deixando de ser criança, retrata bem a ansiedade que muitos meninos e meninas sentem nessa fase da vida. Uma realidade cada vez mais presente na infância. Prova disso, no Sistema Único de Saúde, por exemplo, o número de atendimentos de crianças e jovens com ansiedade supera o de adultos.
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| (Crédito: Freepik) |
Com experiências semelhantes às da personagem da animação, o maceioense André Carvalho é uma criança de 11 anos que já enfrenta os desafios que a pré-adolescência impõe. Assim como a personagem adolescente do filme, também tem uma personalidade influenciada por fatores como a família, a amizade, a honestidade e o esporte que pratica, retratados como "ilhas" no Divertida Mente 2. E na vida é assim. À medida que cresce, a personalidade se expande e novas características vão influenciar o comportamento, o pensamento e o sentimento.
André mora em uma casa em condomínio fechado na parte alta de Maceió, Alagoas. Ele vive com a mãe, o pai e a irmã, esta última com dois anos de idade a mais que ele. Sempre foi visto desde cedo pela família como uma criança peralta, aquela que se os pais não puserem limites, passaria o dia inteiro brincando com os amigos. Mesmo com toda agitação, até comum na idade dele, ele também consegue passar a imagem de ser um menino afetuoso com todos que ama.
A ansiedade na vida de André começou a interferir na ação dos outros sentimentos no mesmo período mostrado na animação: mudança de ambiente escolar, possibilidade de fazer amizades e o desejo de se estabelecer neste novo meio de relações com pessoas. A empresária Adriana Lima contou que a ansiedade do filho é provocada por algo que ele tem que fazer ou que ele queira. É o momento em que faz perguntas repetidas sobre o mesmo assunto, já sabendo das respostas; apresenta uma inquietação acima do normal, podendo ser ríspido com os próprios familiares; exagera na alimentação, pois nunca vai estar satisfeito com o que acabara de comer; e tem dificuldades para dormir, ao falar aceleradamente e caminhar de um lado para o outro, entre outros sinais.
"Ele sempre foi aquele menino peralta, que não para quieto, e eu sempre recebi muita reclamação dele na escola. Pelo comportamento, pela impulsividade. E ele enfrentava as professoras. Porém eu sabia que meu filho não é mal educado, pela educação que eu dei e por conhecê-lo demais. Eu sempre percebi nele que não só existia a inquietação. Existia algo mais. Vamos dizer que naquela época, sem ter o diagnóstico de nada, era uma agonia. No sentido de que eu não poderia sequer falar que teria uma festa no fim de semana, porque ele ficaria perguntando da festa, da hora, querendo saber mais sobre, toda hora isso. Essa ansiedade consumia demais ele. Consome o tempo, o juízo".
E foi depois de uma conversa com a psicóloga da nova escola de André que Adriana decidiu procurar um médico para fazer exames para identificar o que poderia estar afetando o comportamento do menino. O resultado dos testes era o que ela esperava. O filho foi diagnosticado com ansiedade e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, o conhecido TDAH, e desde então recebe acompanhamento de profissionais. "Quando saiu o laudo e a médica analisou meu filho, pronto, tudo o que eu já sabia dele estava ali. Tudo o que eu já entendia da funcionalidade, toda a personalidade dele...".
Dona de uma loja, Adriana afirmou que, por inúmeras vezes, precisou abrir mão de trabalhar presencialmente para acompanhar André nos dias em que ele fica mais ansioso.
"Eu percebi que ele precisava de mim diretamente, que eu tinha que ter um tempo livre para ele para me dedicar. Para estudar e para saber lidar com situações. Antes do diagnóstico do meu filho, para ter uma ideia, se eu viajasse, era o pior momento dele na escola. Ele arrumava briga e eu tinha que ir na escola depois. Porque ele ficava tão ansioso com a situação de não me ter por perto, que inventava história para ser buscado mais cedo, arrumava confusão, queria a todo momento beber água ou ir ao banheiro", conta a mãe.
► ESTUDO, APETITE E SONO: A BATALHA PARA SUPERAR AS DIFICULDADES
Apesar das boas notas na escola, André tem dificuldade para se concentrar nos estudos em casa. Adriana, além de mãe, precisa exercer o papel de professora para explicar os assuntos e fazê-lo focar na tarefa. Quanto mais complicado for o conteúdo, mais atenção vai exigir do menino. Por vezes, quando não consegue assimilar o que é estudado, André fica irritado e quer desistir. Cabe a mãe saber a hora certa de tentar novamente.
"Ele não precisa de ajuda para tirar boas notas, mas para estudar em casa, eu sempre fiquei no pé dele para ajudá-lo. Ele voa em decorrência do TDAH. Falta atenção. Hoje em dia ele está maior, e há a interferência hormonal, apesar de ter 11 anos, mas já começam a ter mudanças, e automaticamente começa a fazer mais atividades, que geram mais agitações mentais. Percebo também que, durante os estudos, se ele não compreende determinada matéria, isso o deixa muito ansioso. Eu posso ler, reler, e ele não assimila. Porque o TDAH e a ansiedade andam juntos. Aí quando percebo, eu deixo ele brincar antes, para ele gastar energia e depois a gente estuda".
À noite, mais uma luta. Sem sono, André fica inquieto, anda pelo quarto, conversa mais do que o normal e acaba agitando toda a casa. A ansiedade o deixa agoniado antes de adormecer e prejudica o descanso quando está dormindo, com episódios de pesadelos e chamados pela mãe na madrugada. "É um período que ele fala dormindo, se levanta de noite, anda pelo quarto. É um momento que ele fica estressadíssimo. Ele não consegue dormir sozinho. Ele tem uma noite agitada. Aí às vezes ele acorda e vem atrás de mim. Às vezes grita por mim, e eu vou até ele".
Outro traço da ansiedade é a gula. O exagero nas refeições e o excesso de lanches durante o dia ligam o sinal de alerta para mãe. "Meu filho quando está ansioso come demais. Ele nunca está satisfeito com a comida. Ele come logo cedo, pela manhã, logo em seguida quer comer um lanche. À tarde é da mesma forma, e à noite sempre quer estar comendo. Ele começou a ser atleta, ajudou bastante a se autorregular, pois entende, que por mais que sinta fome, ele não pode comer demais porque pode ganhar peso e isso pode prejudicar o esporte dele. Mas, às vezes, ele está muito ansioso, aí vai lá e come mesmo".
► JUDÔ: DE "VÁLCULA DE ESCAPE" À PAIXÃO E MEDALHAS
Diferente do hóquei, de Riley de "Divertida Mente", o amor de André é pelo judô, arte marcial que foi determinante para que ele pudesse ter mais disciplina e buscasse o equilíbrio. O menino começou a praticar o esporte em outubro de 2022 depois de sugestão de uma professora da escola, por causa de episódios de desobediência e de nervosismo do garoto em sala de aula. As competições vieram seis meses depois. Desde então ele tem boas participações nos campeonatos e é considerado um dos destaques na categoria que luta, a sub-13, sendo medalhista na maioria dos torneios.
A felicidade ao falar sobre André como esportista é tamanha, não só pelo filho ser um vitorioso, mas também pelo judô ter ajudado no tratamento dele, que faz Adriana abrir o sorriso durante a entrevista. Hoje, a mãe tem a certeza de que tomou a decisão certa no momento em que ainda não havia o diagnóstico de ansiedade e de TDAH.
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| Há aproximadamente dois anos, André é judoca e disputa campeonatos em Alagoas e outros estados (Crédito: Arquivo Pessoal) |
Adriana enfatizou ainda que ao tempo que o esporte autorregula a emoção também traz ansiedade em alguns momentos para o filho. Mas André já está aprendendo a lidar com ela. Depois da última conquista, o judoca se prepara agora para disputar o Campeonato Brasileiro, que acontece no final de agosto, em Curitiba. "Ele tem bastante medalhas. Só esse ano já foram seis", comemora a mãe, orgulhosa.
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| André já conquistou seis medalhas em 2024 (Crédito: Arquivo Pessoal) |
Charles Guimarães, mestre e professor de André, explicou que os treinamentos de judô, quando específico, ajudam na maturação biológica da criança e possibilitam favorecimentos no desenvolvimento físico e psicomotor. Os treinos, segundo ele, trabalham a necessidade do raciocínio rápido, concentração, coordenação motora e aptidão física.
"Ele está em evolução, sabemos que a ansiedade tem suas fases, seus altos e baixos, cada situação nova é uma reação nova. É um trabalho de formiguinha, que precisa do apoio mútuo dos profissionais e da família. Ele já consegue se concentrar melhor nas aulas, nos exercícios, hoje já pergunta menos, consegue focar mais nas aulas e no aprendizado", explica o professor.
"O judô, quando trabalhado de maneira adequada, pode trazer benefícios para seus adeptos, proporcionando-lhes uma melhor qualidade de vida tanto no contexto físico quanto no psicossocial", acrescenta.
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| André e o professor Charles durante uma premiação de judô (Crédito: Arquivo Pessoal) |
► AS CRÍTICAS POR SER UMA "MÃE PERMISSIVA"
O fato de ser uma mãe permissiva, como ela mesmo se considera, a fez ser alvo de críticas de outras mães, por julgarem a maneira com que tratava o filho. Julgamentos que não influenciaram nos cuidados de Adriana. Ela afirmou que tem a sensibilidade de perceber como vai ser o dia de André, em questões comportamentais, com um simples olhar.
"A gente que é mãe recebe críticas por conhecer nossos próprios filhos com esse problema. No sentido que a gente é permissivo demais. Mas, não. A gente conhece tanto o filho que vê que aquilo faz ele sofrer. Eu sou muito próxima do meu filho a ponto de perceber só de olhar para ele. Os pais precisam entender a criança ansiosa, porque muitos não entendem. Aí acham que é má educação, que é birra, e eu mesmo fui muito julgada por outras pessoas pelo jeito do meu filho, como se eu fosse permissiva demais, mas na verdade eu era muito sensível para entender meu filho".
Sem demonstrar fragilidade, André reconhece que tem uma ansiedade diferente dos colegas que convive. Segundo o que mesmo diz, ela o deixa nervoso e agressivo nas respostas durante interação com alguém. Hoje, ele conta que já tem o pensamento de que precisa controlá-la para ter menos dificuldades, e também comemora os resultados positivos, ao falar: "Antes eu era grosso com os amigos, hoje não sou mais".
O menino que fala como gente grande lembra dos momentos mais delicados da ansiedade, cita como fica em relação aos estudos, ao sono e à fome. E apesar de ser uma criança que não costuma ficar presa às telas quase 24 horas por dia, também se entrega ao revelar que há dias que não consegue se concentrar em outra coisa que não seja o joguinho online. Assista:
► ACOMPANHANDO ANDRÉ NA TERAPIA
Era uma tarde ensolarada de julho quando a reportagem pôde acompanhar, autorizada pelos pais de André, uma consulta com a neuropsicóloga, um encontro semanal que já acontece há mais de seis meses. Ao abrir a porta da sala de recepção, encontramos o garoto sentado na primeira cadeira, ao lado da mãe. Calado, com a cabeça baixa, olhando o celular, André, que já esperava a presença do repórter, foi se soltando aos poucos. As tímidas respostas monossilábicas foram se transformando em frases, construídas por quem já entende a condição de ser uma criança ansiosa e sabe da importância do tratamento.
Eis que os minutos passavam, e aquela concentração com os vídeos que via no celular o deixou um pouco cansado, e os pés, antes encostados no chão, começaram a ficar agitados, o que já mostrava ser uma inquietação. Não demorou muito e a médica chamou o paciente e seus acompanhantes para iniciar a sessão. Já no ambiente que está acostumado, André garantiu um salgadinho colocado à mesa, e com sinceridade, que toda criança tem, disse que não gostou por não ser "fã" de coco, mas logo partiu para outro, o de queijo, o deixando mais satisfeito. Empolgado, o nosso personagem já disse quais joguinhos queria brincar. Começou a falar que gostava mais de um, depois que preferia outro, e no fim, declarou: "Eu gosto de todos".
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| A piscóloga Micheline Fontoura recebe André e a mãe, Adriana Lima, para consulta (Crédito: João Victor Souza/TNH1) |
A doutora Micheline Fontoura, que o acompanha, destacou que o trabalho com André é voltado para um treino cognitivo e comportamental no tocante à atenção, pois a maior dificuldade dele é esta, uma condição predominante no TDAH. "O déficit de atenção e com ou sem hiperatividade pode trazer muitos prejuízos no desenvolvimento e na aprendizagem de uma criança, então é importante que a gente cuide e estimule as questões atencionais para que menos sintomas se sobreponham a outras, por exemplo. Então, para estimular questões atencionais eu uso alguns materiais, como jogos para fortalecer um pouquinho mais da atenção sustentada nas tarefas, a melhorar a alternância de atenção quando tem estímulos distratores e ele precisa voltar para alguma atividade e aprender".
Durante a sessão, o comportamento de André sofre variações, às vezes muito animado, às vezes mais quieto, concentrado e como também desviando o olhar para a mãe. Adriana precisou se afastar um pouco para deixá-lo mais focado. Fontoura disse que é normal este tipo de comportamento e que trabalha com jogos estimuladores de atenção que alternam entre calmos e agitados, para cair mais no gosto de André e de outros pacientes.
Micheline Fontoura reitera que o trabalho dela está para além do consultório, e o acompanhamento se dá em parceria com a família, com um trabalho de orientação e de psicoeducação, para que os responsáveis possam saber lidar com a criança no dia a dia e em momentos de crise. "Caso haja necessidade, o psicólogo vai até a escola, e através da visita escolar estabelece uma ponte de contato, para que exerçam um trabalho ambivalente e multidisciplinar em prol do seu benefício".
A médica também observa que houve um crescimento expressivo ao que diz respeito à ansiedade na infância. Ela acredita que o "boom" de casos tenha começado no período da pandemia, assim como também é resultado das mudanças culturais e sociais que acontecem na última década. "Creio que seja uma soma de fatores, não apenas uma causa que motive esse aumento. Temos por exemplo, o alto diagnóstico simplista, o uso excessivo de celulares e jogos online, além de um maior acesso à informação pela internet".
► ANSIEDADE POSSUI TRÊS NÍVEIS DE INTENSIDADE
A ansiedade é caracterizada em três intensidades: leve, moderada e grave. Micheline Fontoura explica que a ansiedade leve vai durar pouco tempo, o paciente logo vai perceber a crise e vai sair dela sem muito esforço. Já um quadro de ansiedade moderada representa um quadro crônico onde a pessoa já está acostumada a sentir-se ansiosa e diariamente todo o corpo trabalha ao máximo para evitar as cobranças e a projeção dos medos de que coisas ruins vão acontecer. Nesse momento, tentam evitá-las se prevenindo de algo que quase nunca acontecem como imaginaram.
A ansiedade de intensidade grave é caracterizada por atrapalhar e limitar a vida do paciente e faz surgir diferentes tipos de medos: o catastrófico, com crenças de que algo terrível vai acontecer e o medo excessivo de ficar longe de entes queridos. Ele pode ser comum em crianças que passaram pela experiência de separação conjugal na primeira e segunda infância; o de fobia social, quando o medo é persistente e debilitante de ser observado e julgado, incapacidade de falar em determinadas situações (mutismo seletivo); o de perder o controle, quando há síndrome do pânico, comum agorafobia evitando lugares públicos que podem desencadear o pânico; e o da incerteza, que é o medo de não saber o que vai acontecer, transtorno da ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo, uma fixação em impulsos e pensamentos. Medo de que algo muito ruim irá acontecer.
"Caso a ansiedade seja leve, apenas terapia comportamental é em geral suficiente. Uma forma de terapia frequentemente eficaz é chamada de TCC, terapia cognitivo-comportamental. A TCC é uma forma estruturada de psicoterapia de curto prazo, projetada para ajudar as pessoas a identificar e desafiar os padrões de pensamento negativos para que possam lidar com situações difíceis de maneira mais eficaz. Outra abordagem é chamada terapia de exposição. Os terapeutas expõem as crianças à situação que desencadeia a ansiedade e ajudam a criança a permanecer na situação e se sentir confortável. Assim, as crianças são gradualmente dessensibilizadas e sentem menos ansiedade. Sempre que apropriado, tratar ao mesmo tempo a ansiedade dos pais com frequência ajuda".
A medicação para ansiedade é indicada quando há um impacto na vida social, com comprometimento da rotina, afetando o sono e a alimentação. Nesse estágio, a psicóloga direciona o paciente para o atendimento com o psiquiatra. "Caso a ansiedade seja grave, podem ser usados além do acompanhamento psicoterápico, determinados medicamentos, como um tipo de antidepressivo chamado inibidor seletivo de recaptação da serotonina (ISRS), como a fluoxetina ou a sertralina, esta é em geral, a primeira escolha se for necessário tratamento farmacológico de longa duração. A maioria das crianças pode tomar esses fármacos sem nenhum problema".
► INTEGRAÇÃO COM A ESCOLA: COMO LIDAR COM O ALUNO VULNERÁVEL
Mesmo com todo o acompanhamento de psicóloga e psiquiatra, há um outro desafio diário para manter o tratamento eficaz. É necessário que a criança também se sinta acolhida e continue o processo para controlar a ansiedade no ambiente escolar. O TNH1 procurou saber como é a metodologia de ensino em casos como o de André, quais profissionais o acompanham e quais são os procedimentos para identificar estudantes que também sofrem com ansiedade.
A psicóloga Sarah Casado, que atua na escola onde estuda o menino André, explicou, primeiro, as funções de educador e psicólogo que já estão sendo implementadas nas unidades de ensino. Segundo ela, há o orientador para a faixa etária de até 10 anos e outro para alunos de 11 anos ou mais. Eles são responsáveis pelos contatos com os estudantes e as famílias. Também há o coordenador que trabalha diretamente com os professores e estes devem reportar as situações de sala de aula. E em algumas escolas, já há um profissional intermediário, que liga os trabalhos de orientador e coordenador.
"Quando se percebe uma dificuldade do aluno, seja em sala de aula, seja uma alteração de humor, ou comportamento diferente, deve ser reportado ao orientador. Se for um caso pedagógico, sem maiores repercussões, o orientador vai chamar a família, e vai ser feito um trabalho de equipe, com outros profissionais, para tratarmos esse aluno. Caso o agravante seja maior, a escola entra com o acolhimento e com a avaliação da situação. O orientador tem um olhar pedagógico, e o psicólogo vai ter um olhar mais comportamental, dentro das emoções. Aí os pais são chamados, para que eles fiquem mais situados sobre o que devem fazer, sobre os profissionais que devem buscar", explica a psicóloga.
O trabalho das escolas, nesses casos, também está ligado ao diálogo com os médicos que são responsáveis pelo tratamento desses alunos. Sarah Casado afirma que o terapeuta tem o dever de tratar o emocional da criança, e a escola, de trazer conteúdo e procurar maneiras para que a criança tenha acesso ao ensino. Agora como entender o que cada aluno precisa? A psicóloga explica que o acompanhamento da unidade educacional também depende do tipo de transtorno e da avaliação médica.
"O pai traz a avaliação desse profissional, aí dependendo do transtorno, vamos entender que direcionamento vamos dar. A escola, dentro de sua autoridade pedagógica, vai perceber e pensar: "bem, neste caso, tenho que fazer desta maneira para que essa criança entenda e desta forma ajudá-la". Às vezes, o caminho é o inverso. Temos muitos feedbacks, todo semestre, e aí há uma avaliação de como está o aluno. E a família nesse momento pode perceber que a criança não está tendo foco nos estudos ou não consegue ficar quieto, e aí os pais já procuram um profissional, depois contactam a gente e fazemos esse processo todo. É o momento em que a coordenação orienta os professores, ajusta a metodologia, qual tipo de aula vai ser exposta, e qual tipo de prova vai ser aplicada para determinados alunos".
Dados do programa internacional de avaliação de estudantes, o Pisa, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostram que houve uma queda no "senso de pertencimento escolar" no Brasil. No início do século, 91,4% das crianças afirmavam que faziam amigos com facilidade na escola. Em 2012, o número caiu para 86,3%. Já dez anos depois, a queda foi ainda maior, com quase 20% de diferença. O registro foi de 69,6% de crianças brasileiras em 2022. Em relação à solidão, a pesquisa também trouxe relatórios alarmantes. No ano 2000, um a cada 20 estudantes se sentia estranho ou excluído na escola. Eram 8,5% que se sentiam sozinhos. Vinte e dois anos depois, o número pulou para 26,6%, e o sentimento de solidão é mencionado por dois em cada 10 alunos. Estas são emoções que ajudam a potencializar a ansiedade.
► ANSIEDADE LIDERA CASOS DE TRANSTORNOS ENVOLVENDO CRIANÇAS E JOVENS
O trabalho de análise feito a partir da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), via Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS, mostra que os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos. Especialistas dizem que a piora nos índices de saúde mental é acentuada na segunda década dos anos 2000, com o maior acesso à informação pela internet, além da popularização de aparelhos como smartphones - com o uso maior das câmeras frontais para selfies - redes sociais e jogos online. Abaixo você confere uma comparação entre os tipos de transtornos e a faixa etária de pacientes atendidos pelo SUS.
A taxa de pacientes de 10 a 14 anos:
- Ansiedade - 125,8 a cada 100 mil habitantes;
- Depressão - 93,1 a cada 100 mil habitantes;
- TDAH - 53,2 a cada 100 mil habitantes;
- Esquizofrenia - 24,1 a cada 100 mil habitantes;
- Transtorno bipolar - 14,5 a cada 100 mil habitantes;
- TOC - 4,8 a cada 100 mil habitantes.
15 a 19 anos:
- Ansiedade - 157 a cada 100 mil habitantes;
- Depressão - 130,4 a cada 100 mil habitantes;
- Esquizofrenia - 90,3 a cada 100 mil habitantes;
- Transtorno bipolar - 35,3 a cada 100 mil habitantes;
- TDAH - 16,5 a cada 100 mil habitantes;
- TOC - 6,5 a cada 100 mil habitantes.
20 anos ou mais:
- Depressão - 128 a cada 100 mil habitantes;
- Ansiedade - 112,5 a cada 100 mil habitantes;
- Esquizofrenia - 110,7 a cada 100 mil habitantes;
- Transtorno bipolar - 53,1 a cada 100 mil habitantes;
- TOC - 3,4 a cada 100 mil habitantes;
- TDAH - 1,7 a cada 100 mil habitantes.
Os números apresentam o quanto a ansiedade afeta os jovens brasileiros. Ela lidera a lista de transtornos presentes na vida de pessoas de 10 a 19 anos, e cai para a segunda colocação quando a avaliação é feita com adultos, com 20 anos ou mais. Os dados são de acordo com o período de 2013 a 2023.
► ENTENDER A ANSIEDADE PELO TRABALHO DA PSIQUIATRIA
Há seis anos, o psiquiatra Lucas Tavares recebe pacientes no seu consultório em Maceió. Um dos mais recentes foi o menino André, por indicação de Micheline Fontoura, que já o acompanhava. O médico afirmou que é perceptível o aumento da procura de pais ou responsáveis pelo atendimento da psiquiatria, a cada ano que passa. Ao TNH1, ele destacou que a ansiedade na infância pode ser causada por uma combinação de fatores, como por exemplo: a genética, o temperamento, o ambiente familiar, as experiências traumáticas, e a pressão acadêmica e social.
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O psiquiatra salientou ainda um outro ponto que causa a ansiedade: a relação de crianças e adolescentes com o imediatismo. De acordo com Lucas Tavares, a geração atual, a chamada "Z", cresce em um mundo com a tecnologia sempre presente. Ele então acentuou as implicações do mundo virtual para a saúde mental, como redes sociais e comparação social, falta de paciência e frustração, e distração contínua e multitarefas.
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A falta de acesso adequado aos cuidados de saúde mental também resulta no crescimento da ansiedade infantil. "São fatores que contribuem para o aumento da ansiedade em crianças. Estudos mostraram que, apesar do aumento da necessidade de cuidados de saúde mental, muitos jovens não recebem o tratamento necessário, o que agrava ainda mais a situação. Cuidar requer uma abordagem multifacetada, incluindo intervenções familiares, educativas e de saúde mental. Promovendo um ambiente familiar seguro, limitando o tempo de tela e incentivando atividades físicas e sociais são medidas importantes para ajudar a mitigar os efeitos da ansiedade em crianças. Caso a ansiedade esteja em um nível muito frequente, duradoura e de grande intensidade, pensamos nos uso de medicamentos para nos auxiliar nesta abordagem".
► A IMPORTÂNCIA DOS PAIS COMO CUIDADORES
A educação sobre as emoções e a regulação emocional também fazem parte do processo. Para Lucas Tavares, é essencial que os pais busquem entender como as emoções funcionam e como podem ajudar os filhos na regulação delas de maneira saudável, seja através de livros, cursos, terapia e consulta com psiquiatra, que podem ser recursos valiosos. Também deve haver o reconhecimento de características e temperamentos de cada criança. Os pais devem aprender a reconhecer esses traços, que aparecem desde cedo, e adaptar suas abordagens de acordo. O que inclui entender que certas crianças podem ser naturalmente mais ansiosas ou sensíveis, ou mais tímidas, ou mais destemidas. Cada uma possui uma variedade de características.
"Nenhum comportamento surge do nada, resultam de aprendizado. Os pais devem entender que os comportamentos ansiosos de seus filhos são respostas a estímulos e consequências, ou seja, experiências específicas. Observar padrões de comportamento pode ajudar a identificar gatilhos e a criar estratégias de enfrentamento. Os pais devem modelar comportamentos de enfrentamento saudáveis, ensinar habilidades de resolução de problemas, ensinar estratégias de relaxamento e valorizar bons comportamentos".
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O papel dos pais também deve ser como cuidadores e não apenas como amigos. Lucas Tavares frisa a importância da frustração para a criança, pois é uma parte natural e necessária do crescimento. Se as crianças forem protegidas, de forma excessiva, de experiências frustrantes, elas serão impedidas de desenvolverem resiliência e habilidades de enfrentamento. Os pais também devem estabelecer limites e fornecer estruturas. Isso não significa ser autoritário, e sim, proporcionar um ambiente onde a criança sabe o que esperar e se sente segura.
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| Psiquiatra Lucas Tavares atende pacientes crianças em Maceió |
Outros pontos que podem ajudar tanto no bem estar como no tratamento de quadros de ansiedade são:
⇒ Estabelecer uma rotina diária pode ajudar a reduzir a ansiedade. Isso inclui horários regulares para refeições com a família junta, estudo, brincadeiras e sono.
⇒ Atividades físicas regulares ajudam a reduzir os níveis de ansiedade e melhorar o humor.
⇒ Uma dieta balanceada pode impactar positivamente o bem-estar emocional da criança.
⇒ O contato com a natureza pode fornecer sensações agradáveis e reduzir a ansiedade.
⇒ Passar tempo de qualidade com a família fortalece os laços emocionais e proporciona um senso de segurança.
⇒ Estimular a comunicação aberta e honesta sobre sentimentos e preocupações. Isso ajuda a criança a sentir-se compreendida e apoiada.
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