Em meio às dificuldades e agruras de vidas sofridas e de caminhos cheios de percalços, elas foram buscar na luta diária seu lugar ao sol. No ambiente hostil do Nordeste brasileiro, onde o machismo, mais do que em qualquer outra região do país, se faz presente e tenta impor limites, três mulheres percorreram seus caminhos com determinação, paixão e muita integridade.

Não foi fácil. Uma foi criada apenas pela mãe, no ermo do Sertão de Alagoas. A outra chegou a rebocar a casa de taipa com as próprias mãos. A terceira se viu demitida e sem perspectiva para sustentar a filha pequena. Foi o destino que uniu Josefa Santos, 44, Marinete do Nascimento, 50, e Silvana de Moraes, 46, todas moradoras e comerciantes do Village Campestre, bairro da periferia da parte alta de Maceió, marcado pela vulnerabilidade social.

Após anos de muita batalha, as três comerciantes se viram unidas pelo Crediamigo, o programa de microcrédito do Banco do Nordeste que facilita o acesso ao crédito a pequenos empreendedores e promove a inclusão financeira de um público que vive à margem do sistema.

No Mês da Mulher, o TNH1 homenageia as mulheres livres, batalhadoras e vencedoras, mostrando histórias e exemplos de força e superação, e a importância do olhar sensível de instituições financeiras como o Banco do Nordeste, que enxergam nos menos favorecidos que compõem o mercado informal uma força capaz de movimentar um setor da economia do país.

Valores pequenos de uma economia miúda, mas suficiente para transformar mulheres como Josefa, Marinete e Silvana em gigantes do mercado empreendedor.

Nos pertences que seguiam na mudança dela e do marido rumo a Maceió, em cima de um caminhão, constavam “quatro coisinhas”, umas panelas, um colchão e uma burrinha. Recém-casados, vindos do Sertão de Santana do Ipanema, mais precisamente dos confins do Sítio Queimada do Rio, Marinete e o marido enxergavam naquela burrinha o meio de sobrevivência em Maceió.

Cortador de cana, o marido poderia reforçar a renda como carroceiro. A burrinha que pastava na aridez sertaneja não teria vida fácil na capital. Arrastaria a carroça com o dono em cima, mais algumas latas cheias d’água, para abastecer as casas cujo sistema da Casal não contemplava.

Criada na roça, debaixo de sol tórrido, Marinete da Silva do Nascimento cresceu plantando feijão, milho, abóbora e palma para o gado. Sob a rigidez do pai, não vivenciou a fase do namoro, tendo pouco contato com o futuro marido. “Eu ficava dentro de casa ouvindo meu marido, que na época era meu namorado, conversando com meu pai”, conta Marinete, hoje aos 50 anos.

Ela só estudou até a 3ª série. “A partir da 4ª série, era na cidade, em Santana do Ipanema, mas meu pai não deixava porque não queria que as filhas dele virassem ‘mulher da vida’”.

O casamento para Marinete também significava liberdade, a possibilidade de uma vida diferente daquela que levava em meio ao ermo sertanejo.

Chegou em Maceió em 1993 com o marido e o filho recém-nascido que adotaram, e foram morar em uma casa de taipa. “Era uma casinha pequena, tão feia”, conta sorrindo. Nos primeiros dias, enquanto o marido trabalhava de carroceiro, ela, com as próprias mãos, rebocou com barro todas as paredes da casa.

“Eu tinha a pele da mão grossa de trabalhar na roça. Depois que terminei de rebocar, a pele da minha mão tava fininha”, brinca Marinete.

Para ajudar em casa, trabalhou como doméstica, como auxiliar de serviços gerais de uma escola e passou a vender produtos de beleza, em revistinhas que levava para os clientes escolher.

Tempos depois, Marinete começou a trabalhar na Feira do Village Campestre, onde comprou uma banca e passou a vender roupa.

“Era um trabalho duro. Você tem que montar e desmontar a banca, debaixo de sol e chuva”, lembra.

Sempre buscando crescer e prosperar, de lá da sua banca, Marinete “paquerava” um imóvel na mesma rua da feira, cuja placa de vende-se fazia ela sonhar com seu próprio ponto.

Amizade e crédito na praça

Foi quando ela conheceu o Crediamigo do Banco do Nordeste. “A gente precisava de dinheiro pra investir, pra crescer o nosso negócio, e não tinha. Aí uma amiga minha, a Josefa, me falou que a gente tinha essa oportunidade no Banco do Nordeste, de pegar uma quantia em dinheiro sem muita burocracia”, contou.

Foi por meio dos créditos do BNB, além do esforço dela e da batalha do marido, que Marinete viu a prosperidade chegar a sua vida. Os vários anos de luta e de batalha valeram muito a pena.

Enfim, após vender a casa em que moravam e juntar o dinheiro de que precisava, conseguiu comprar o imóvel que tanto sonhava. “Tudo isso era feito em parceria com meu marido. Ele batalhava de um lado e eu, do outro. Sempre combinamos assim e conseguimos nossas coisas”, diz ela.

A nova casa, além de moradia, passou a abrigar o negócio de Marinete. O que era uma banca de feira ganhou vitrines, prateleiras e uma fachada onde se lê “Elegância Modas”. É lá onde Marinete recebe os clientes, mostra os novos produtos, e ainda tem tempo de ensinar o neto Lucas, de 8 anos, a fazer a tarefa de casa.

“Me sinto muito feliz, muito tranquila e realizada. Hoje, além dessa casa que moramos, temos mais três imóveis, sendo um deles em Santana do Ipanema, minha terra natal. Tudo que passei até chegar aqui valeu a pena”, comemora Marinete.

Para uma criança que viu o pai ir embora quando tinha apenas dois anos, começou a trabalhar aos 10, e só morou em uma casa com energia elétrica quando tinha 16 anos, a vida não foi fácil. Lá em Poeiras, na zona rural de Pão de Açúcar, havia duas alternativas para Josefa e os irmãos dela: quem quisesse estudar ia pra escola, quem não quisesse, ia pra roça.

“Eu escolhi estudar, mas como as coisas eram muito difíceis e nós precisávamos ajudar a nossa mãe, tive que trabalhar”, lembra.

Muito nova, aos 16 anos, Josefa vendia cereais em uma banca, na feira de Batalha, município sertanejo a 53 quilômetros de Pão de Açúcar. Não foi o primeiro trabalho. Aos 8 anos, ela já vendia bolo, confeito e outras iguarias para reforçar a renda da mãe, que criava sozinha os filhos.

Aos 18 anos, as coisas ficaram ainda mais complicadas para Josefa com a gravidez inesperada. “Eu tive que casar, porque naquela época era assim. Além do mais, minha mãe havia nos criado sozinha, e eu não queria meus filhos sem um pai”, diz com sinceridade.

Era hora de deixar o Sertão de Alagoas para tentar melhor sorte em Maceió. O início da vida na capital foi tumultuado. Ela e o marido foram morar “de favor” em um apartamento que havia sido “invadido” por um amigo do marido, em Santa Amélia.

“Era complicado, porque não pagávamos aluguel, mas a qualquer momento, caso o apartamento fosse vendido, nós teríamos que deixar o lugar”, conta Josefa.

Cinco dias antes do nascimento da filha, o apartamento foi vendido e o casal teve que se mudar para a casa da cunhada, onde quase não havia espaço para todos.

“Foram 11 meses aguentando. Durante esse período, fomos economizando o dinheiro que meu marido recebia com seu trabalho e “bicos” como eletricista, e conseguimos fazer uma casinha no Village Campestre. Nos mudamos para lá quando não tinha ainda piso e nem portas”, relembra Josefa.

Isso aconteceu há 19 anos. A chegada à casa do Village Campestre marca também a trajetória de Josefa como comerciante. “Foi nesta época que peguei R$ 300 que nós havíamos economizado, comprei confecções e montei minha banca da feira”, lembra.

Foi neste mesmo período que ela conheceu a Marinete, sua vizinha na feira, e também teve seu primeiro contato com o Crediamigo do Banco do Nordeste.

“Aí eu chamei a Marinete para a gente participar do Crediamigo, mas precisava de mais uma pessoa para a gente fechar o grupo. Foi quando nós chamamos a Silvana. Lembro que ela falou: ‘Mulher, tu nem me conhece e quer me colocar no grupo’. Mas a gente precisava fazer alguma coisa. Graças a Deus que tudo deu certo e hoje somos amigas”, conta Josefa.

O primeiro empréstimo das três comerciantes, e agora amigas, foi de R$ 300. “Em trinta dias pagamos e pegamos mais R$ 400. Porque à medida que você vai pegando, ele vai aumentando o seu limite”, conta Josefa.

Em meio a muito trabalho, economia, e organização financeira, as coisas foram acontecendo na vida de Josefa e sua família. O marido conseguiu comprar uma praça de táxi e passou a trabalhar por conta própria. Josefa conseguiu também adquirir o imóvel que permitiu que ela deixasse a banca na feira-livre e montasse sua loja.

O segundo filho chegou e outros bens materiais foram sendo conquistados. Hoje, a família tem três imóveis próprios e segue trabalhando para crescer ainda mais.

Ao longo de praticamente toda a trajetória de Josefa como comerciante, ela sempre contou com apoio do financiamento do Banco do Nordeste. “O Crediamigo foi tão importante na nossa vida que até hoje eu faço os empréstimos. Sou cliente como Micro e como Crediamigo. É uma forma de você ter um capital de giro certo. Eu digo sempre que o Crediamigo tem que ser adquirido para você investir e crescer, nunca para pagar dívidas ou usar de outra forma”.

Ela acabara de ser demitida de uma loja no comércio de Maceió, onde trabalhava como vendedora. Além do medo do desemprego e da necessidade de tocar a vida, tudo o que tinha eram três prateleiras velhas e enferrujadas e uma pequena quantia em dinheiro, ‘presente’ do pai, dono de um ferro velho. Há 20 anos, Silvana Maria de Moraes nem imaginava que naquele momento ela estava iniciando uma trajetória da qual se orgulha e serve de exemplo de superação.

“Eu sempre sonhei em trabalhar como vendedora. Meu pai sabia do meu desejo e, mesmo sem condições, fez um sacrifício para me ajudar”, lembra. “Olhei para aquelas prateleiras e comecei a trabalhar. Desmontei, lixei e pintei. Ficaram ótimas”, conta.

O desejo de Silvana era alugar um ponto para iniciar seu negócio, o problema é que não tinha dinheiro para isso. Separada do marido e com uma filha pequena, era preciso lutar para se manter.

Estabeleceu-se então na garagem da pequena casa dos pais, em uma rua do bairro Village Campestre, periferia de Maceió, região de vulnerabilidade social, a 18 quilômetros do Centro da cidade.

Com a quantia em dinheiro dada pelo pai, Silvana viajou para Caruaru, polo têxtil e comercial, no Agreste Pernambucano. “Comprei confecções, brinquedos , depósitos de cozinha e outros materiais, tudo para para revender na minha lojinha”, lembra ela.

As coisas começaram a dar certo, uma pequena clientela já passara a frequentar a lojinha de Silvana. Mas faltava algo fundamental. “Eu precisava de capital para trabalhar, precisava investir e não tinha dinheiro”, conta.

Foi nessa época que ela conheceu Josefa e Marinete, pequenas comerciantes do bairro. “Elas me procuraram e me falaram do Crediamigo do Banco do Nordeste. Eu aceitei e fomos fazer o nosso primeiro empréstimo. Eu peguei R$ 400 naquela época”, lembra.

Aquele primeiro empréstimo marcaria o início do progresso dos negócios de Silvana e suas primeiras conquistas como comerciante. Foi quando ela conseguiu realizar o desejo de ter o seu próprio ponto. Comprou um terreno ao lado da casa do pai, e construiu, além da sua nova casa, o novo endereço de sua loja.

“Aí começou a minha luta pelo progresso. Além de querer aumentar o meu estoque e aumentar também a minha clientela, veio a oportunidade de expandir o meu ponto e fazer um primeiro andar”, conta, ao mensurar cada degrau de sua caminhada.

Silvana seguiu trabalhando. Em meio a dois casamentos que não vingaram, sempre foi uma mulher focada, que vivia para o trabalho. Organizada com as finanças, em dia com o pagamento dos empréstimos que contraía no banco, ela via os negócios crescerem e o crédito aumentar.

“Foi quando surgiu a oportunidade de comprar esse lugar aqui que nós estamos”, diz Silvana, ao se referir à sua loja, a Silvana Variedades, onde conversou com a reportagem do TNH1. Um estabelecimento numa das principais ruas do Village Campestre, que chama a atenção pela organização, e as vitrines e prateleiras bem sortidas, com roupas para crianças, adolescentes e adultos, meias , bonés e sandálias.

As conquistas não pararam. À base de muito suor e esforço, ela tem hoje três imóveis de aluguel, além de um ponto comercial que também aluga.

“Também consegui comprar meu carro. Era bem simples, mas consegui trocar por um melhor no ano passado”, conta, sem arrogância alguma na forma como cita seus bens conquistados com muita luta. “Conto tudo isso com muita humildade, sempre fui muito tranquila. Rezo muito, confio muito em Deus e peço sempre para que me ajude”, diz ela.

Diante de sua experiência de vida e de sua trajetória de sucesso, Silvana manda um recado, principalmente para as mulheres:

“A gente precisa sonhar. Não tenha medo de expor esse sonho, de ir em busca daquilo que você quer. As batalhas vão ser grandes, as dificuldades vêm, mas com muita persistência, muita coragem, muita garra e determinação a gente chega lá”.

De acordo com Diogo Vilela de Medeiros Cavalcante, gerente de Microfinanças do Banco do Nordeste (BNB), as mulheres representam quase 70% dos clientes das linhas de microcrédito do banco. “No Brasil, esse número chega a 69%. São mulheres de 35 a 50 anos, a maioria, cerca de 50%, do segmento do comércio”, diz Diogo.

Em Alagoas, o BNB trabalha nos 102 municípios. São dois programas de microcrédito: o microcrédito rural, o Agroamigo, e o microcrédito urbano, o Crediamigo, objeto da nossa reportagem.

“Nós temos por volta de 140 agentes de créditos. São 23 postos de atendimento do estado”, diz Diogo Vilela.

Em plena expansão, na contramão da crise, o BNB, por meio do Crediamigo, desembolsou no ano passado R$ 423 milhões, o que representa uma média de 190 mil operações. “Para esse ano, já está se projetando um desembolso na cifra de R$ 522 milhões, um aumento de mais de 20%”, comemora o gerente.

“É um programa do governo que está no mercado há mais de 20 anos no segmento. Um dos diferenciais é que nossos clientes são isentos de qualquer tarifa, diferentemente de alguns concorrentes que temos no mercado hoje. É toda uma inclusão bancária ao nosso cliente”, diz Diego, ao explicar que a maioria dos clientes, quando chegam para contrair o crédito, não tem conta bancária.

Outro dado que chama atenção e ressalta o caráter inclusivo do Crediamigo: “70% do nosso público estão com o nome negativado. São empreendedores ou por necessidade ou por oportunidade, mas estão com o ‘nome sujo’. Não é por isso que a gente vai deixar de atender, pelo contrário, é justamente esse público que a gente está em busca”, revela Diogo Vilela.

“Além de fazer essa inclusão no sistema financeiro, isentamos esses clientes das taxas bancárias”, diz.

Pelos números passados pelo banco, vale muito a pena investir e acreditar no tipo de público alvo das duas linhas de microcrédito. Honesta, a imensa maioria dos clientes honra o compromisso e paga em dia as parcelas do empréstimo. A taxa de inadimplência é de apenas 2%.

O Crediamigo atua na concessão de créditos em grupo solidário ou individual. O carro chefe é o crédito coletivo, a exemplo das três personagens que vimos acima. “É o grande diferencial da gente. Esse tipo de microcrédito já tem mais de 30 anos. É um crédito solidário, o aval é um aval solidário. Ou seja, um valida o outro”, explicou.

Para este tipo de crédito, é preciso que o grupo se conheça e tenha confiança mútua. Não precisa necessariamente ser do mesmo ramo de negócios.“Pode ser, por exemplo, um motorista de aplicativo, uma vendedora de roupa, e uma cabelereira. O motorista de aplicativo precisa de 6 mil pra quitar o gás, aí a gente dá 6 mil para ele. A mulher que vende roupas precisa de mil reais, e aí vamos dar mil reais para ela. E assim vai. No final é que forma um proporcional e cada um tem sua obrigação na parcela. É um boleto único, onde é eleito o líder daquele grupo, que vai ficar na responsabilidade de arrecadar a parte de cada um e fazer o pagamento”.

A agilidade em conseguir o dinheiro, a ausência de burocracia, e a metodologia do aval solidário consolidou o Crediamigo como o maior programa de microcrédito do país, possibilitando o acesso ao crédito a empreendedores que não tinham acesso ao sistema financeiro.