As mulheres negras são as maiores vítimas de violência doméstica no Brasil. Elas representam 60% das agredidas por pessoas conhecidas: no período de um ano, somam 1,5 milhão.
O resultado foi obtido pelo R7 após análise dos microdados da última Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada entre o final do ano passado e agosto deste ano.
Foram considerados relatos de mulheres com 18 anos ou mais. As respostas referem-se a agressões ocorridas durante o ano de 2013. O levantamento completo está na tabela abaixo (confira os números no fim desta reportagem).
Autora do estudo Tramas e dramas de gênero e de cor: a violência doméstica e familiar contra mulheres negras, a socióloga Bruna Cristina Jaquetto Pereira, pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília), afirma que a quantificação dos casos é por vezes a única forma de perceber como o racismo influencia a taxa de agressões a mulheres.
— Tem sido muito pouco investigado como a violência de gênero e o racismo atuam conjuntamente. Em várias características, a violência [contra mulheres brancas e contra mulheres negras] é semelhante. Mas, ao olhar para a quantidade, para o total de casos, a gente percebe como a questão racial está presente.
Os dados indicam que, entre as mulheres negras, 3,75% sofreram agressão de pessoas conhecidas ao longo de um ano. Entre mulheres brancas, a taxa é de 2,56%. No geral, a taxa das mulheres é de 3,14%. Os índices são bem superiores ao 1,84% referente à população masculina.
Bruna Cristina chama a atenção para o fato de, nos caso de feminicídio, também haver diferença. Estudo do Ministério da Justiça aponta que a taxa de homicídio entre negras (7,2 por 100 mil habitantes) é mais que o dobro do que entre branca (3,2 para 100 mil habitantes).
— E essa diferença vem aumentando. Então esse aspecto racial da violência contra a mulher tem se pronunciado e tende a se tornar cada vez mais vísível.
Presidente do Geledés Instituto da Mulher Negra, a advogada Maria Sylvia Aparecida de Oliveira atribui o fato de mulheres negras serem as maiores vítimas à intersecção de preconceitos.
— A mulher negra sofre opressão por ser mulher e sofre opressão por ser negra. Isso é histórico. Além disso, a mulher negra está na base da pirâmide social: tem os piores índices de educação, saúde, salário etc. Isso faz com que a sociedade dê pouca atenção à questão.
A socióloga Bruna Cristina, da UnB, diz que a posição da mulher negra na sociedade também faz com que o atendimento a elas seja menos intenso.
— Isso impacta também no acesso à polícia e aos sistemas de proteção, que acabam não sendo tão efetivos no atendimento à mulher negra.
Uma vez por semana
Considerando todas as mulheres, independentemente da raça/cor, o total de vítimas de violência doméstica no País chega a 2,4 milhões. Uma em cada cinco delas tiveram lesões corporais (21%) e deixaram de praticar alguma atividade cotidiana (22%) por causa da agressão.
Cerca de 285 mil vítimas (12%) são agredidas ao menos uma vez por semana.
Primeira mulher a ingressar na magistratura gaúcha, a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias afirma que o Estado precisa capacitar funcionários para facilitar que as mulheres denunciem a violência sofrida cotidianamente.
— Romper esse ciclo é complicado para a mulher. Há ameaça, há uma série de temores. E, quando decide denunciar, muitas vezes não encontra uma equipe esperando por ela. As delegacias da mulher, em geral, não funcionam 24 horas por dia. Na absoluta maioria das cidades, a Justiça não possui varas especializadas em violência doméstica. Então a mulher desiste da queixa. Mas, muitas vezes, desiste porque não encontrou no Estado a resposta que ela precisava.
Os dados mostram ainda que os agressores, em geral, não precisam de armas: depois das palavras (54%), que podem ir desde um xingamento a até uma ameaça de morte, a força física (35%) é o meio mais usado para cometer a violência. Facas, paus e outros objetos do tipo são usados em 6%; e armas de fogo, em 1%.
Os dados apontam ainda que, apesar de o local mais comum da violência ser a casa da vítima (64%), há um número considerável de agressões praticadas em lugares públicos, como a rua, o trabalho, e a escola (juntos, esses locais somam 30%).
Fonte: R7
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