Bilionário obcecado por longevidade planeja ser imortal por meio de IA; entenda

Publicado em 13/10/2025, às 14h24
Foto: Reprodução/Netflix
Foto: Reprodução/Netflix

Por Revista GQ

A casa de Bryan Johnson em Venice, na Califórnia, é o protótipo angular e com piso de concreto de uma residência que você presumiria pertencer a um homem. Especificamente, um homem que trabalhou com tecnologia, fez seus milhões e, depois, embarcou em uma busca por propósito na meia-idade. Após vender sua empresa de pagamentos on-line, a Braintree, por US$ 800 milhões em 2013, Johnson se separou tanto da esposa quanto da religião mórmon, que seguiu por toda a vida.


Em 2021, ele anunciou o Project Blueprint, uma iniciativa cujo intuito é reverter o próprio processo de envelhecimento. O projeto envolve um regime intenso e sem eficácia comprovada que inclui - mas não se limita a isso - exercícios diários, exames de sangue, uma rotina rigorosa de sono, ressonâncias magnéticas, transfusões de plasma, estimulantes capilares, testes de urina, dezenas de suplementos, terapia de luz e restrição calórica.

Sua cozinha não é um lugar onde se criam memórias familiares em torno de leite com biscoitos (Johnson tem três filhos, um dos quais ficou famoso por doar dados sobre suas ereções e o próprio plasma para os esforços antienvelhecimento do pai). Ali, aparecem frascos com amostras de sêmen e caixas térmicas com o sangue de Johnson, além de pílulas e pós que são misturados, otimizados e consumidos.


Performance se tornou sua especialidade. Há a performance do corpo, que ele afirma ser atualmente o mais saudável do planeta. Johnson já virou tema de diversos perfis e entrevistas, além de um documentário da Netflix lançado no início deste ano. Ele reúne mais de 4 milhões de seguidores no YouTube, Instagram e X, e publica conteúdo constante sobre seus hábitos de sono (sublimes), sua dieta (meticulosa) e suas ereções (alerta de gatilho).


Em um bate-papo de 90 minutos, Johnson se esforçou para me convencer de que esse processo não trata apenas de saúde e longevidade. Não. Como muitos homens da tecnologia que carregam ilusões de grandeza, ele agora tem um novo cálice sagrado para galvanizar seus fiéis seguidores: a inteligência artificial, baby.

Bryan Johnson: Falso. A morte sempre foi inevitável, por isso tomamos essas providências. Falamos sobre imortalidade em termos de realizações profissionais. Falamos sobre vida após a morte. Essas são as formas com que lidamos com a morte. Agora, temos a possibilidade real de estender nossa vida para um horizonte desconhecido.


Isso é a extensão. Mas também temos a capacidade de começar a migrar para sistemas computacionais. Hoje, de forma ainda bastante rudimentar, tenho uma “IA Bryan” que absorveu tudo o que já falei na vida.


Você tem isso?


Tenho. E essa IA Bryan é bem boa. À medida que a tecnologia evolui, o ativo mais valioso será a existência; a imortalidade, como a concebíamos antes - seja ela por conquistas, por descendentes ou pela vida após a morte -, será desvalorizada em comparação com “existir”. Essa é a minha aposta fundamental para o futuro.

Se houvesse um mundo no qual, digamos, daqui a cinco anos, fosse possível fazer o upload do Bryan para uma IA — e a Bryan IA fosse praticamente tão boa quanto o Bryan Bryan —, o Bryan Bryan comeria um cheeseburger?


Vamos pensar na sua pergunta de outra forma. Hoje, a maioria das pessoas passa em cada momento acordadas perseguindo riqueza; e, no tempo em que não se acumula riqueza, busca-se status ou prestígio.

Quando se dá à luz a superinteligência, é possível começar a estender a vida para um horizonte desconhecido: 200 anos, mil anos, milhões de anos. Quando isso acontecer, todo o jogo da humanidade mudará desse foco singular na acumulação de riqueza, status e prestígio para a existência. Então, ainda poderemos jogar jogos de poder, mas será com a condição de que a própria existência se mostre a virtude suprema. Essa é a mudança que começa a acontecer agora.

Descreva para nós um dia típico na sua vida hoje.


Construí toda a minha existência em torno do sono. Meu perfil de sono é o de alguém com 20 e poucos anos. São oito horas e 34 minutos. Acordo, em média, menos de uma vez por noite, durmo em dois ou três minutos depois de encostar a cabeça no travesseiro e tenho 94% de eficiência de sono. Porém, para conseguir isso, não basta deitar e dizer: “Vou adormecer”. É preciso estruturar toda a vida em torno disso.


Meu dia começa na noite anterior, quando acordo, por volta das 4h30 ou 5 horas. A primeira coisa que faço é sair da cama. Tento levantar em até um minuto depois de acordar. Procuro evitar os “mais dez minutinhos” ou pegar o celular e começar a rolar a tela. Levanto e exponho os olhos à luz — como acordo antes de o sol nascer, uso luz de 10.000 lux. Meço a temperatura interna do ouvido. Depois de quatro anos fazendo isso, minha temperatura corporal caiu 2 graus. E há boas evidências de que espécies com temperaturas basais baixas vivem mais.


Depois aplico um sérum no cabelo, no couro cabeludo. Esfolio-o com um massageador de silicone para crescimento capilar. Tomo um banho rápido e desço. Tomo minha bebida matinal. Como algo, treino por uma hora. Faço terapia de luz vermelha, depois oxigenoterapia hiperbárica, depois sauna, me enxáguo e me preparo para o trabalho.

Você era um empreendedor bem-sucedido. Sentia que não estava vivendo a vida mais saudável possível. Afastou-se do mormonismo. Divorciou-se. O que o fez levar as mudanças a um extremo tão radical?

Sou muito motivado por ter lido biografias de figuras de várias épocas e lugares. Elas conseguiram identificar a ambição mais ousada e abrangente que poderia existir em sua época. Não se podia sequenciar o genoma em 1800. Provavelmente, não se conseguiria viajar ao espaço na década de 1920.

Em qualquer período, surge uma nova possibilidade emergente. Então, duas perguntas aparecem: a primeira é “o que é essa possibilidade?” e a segunda é “alguém vai realizá-la?”. O ano de 2021 foi a primeira vez na história em que uma pessoa pôde dizer “somos a primeira geração que não vai morrer” sem acabar ridicularizada. Vi isso e pensei: esse é um momento em que tudo se encaixa, em que você enxerga a oportunidade e pode fazer algo a respeito.

Fico impressionada com o nível de controle que você exerce sobre a própria vida. O controle sempre foi uma característica marcante para você?

Eu diria que uma pessoa controladora, na verdade, é uma engenheira muito inteligente. Percebe que o custo metabólico de precisar tomar algumas decisões todos os dias é tão alto que diz: “Quer saber? Não vale a pena. Vou sistematizar isso para que meu cérebro possa ser direcionado a outros pensamentos de nível mais elevado”. Prefiro dedicar minha capacidade mental limitada a questões mais amplas, como o futuro da raça humana.

Quando foi que a religião se tornou uma ideia nesse processo e por quê?

Empresas vêm e vão. Países vêm e vão. Religiões resistem por milênios. Confúcio construiu um sistema de ética. Maomé recebeu visões. Jesus foi o filho de Deus. Adam Smith escreveu sobre a mão invisível. Karl Marx escreveu O Capital. Os pais fundadores dos Estados Unidos escreveram uma constituição.

Se você observar os grandes fenômenos ideológicos e tecnológicos, vai ver que eles se manifestaram de formas diferentes. Está claro que, na era da IA, uma nova ideologia surgirá. Ela sempre aparece como resposta a uma disrupção tecnológica. Uma ideologia precisa nos ajudar a dar sentido ao mundo. Quando olho para o mundo atualmente, não consigo encontrar nenhuma ideologia que explique este momento, que me ajude a tomar decisões práticas no dia a dia. Você não pode recorrer ao cristianismo e pedir: “Me diga como devo agir neste momento”. Não pode recorrer nem à democracia. Não pode recorrer ao capitalismo.

Sua premissa é que a IA será essa tecnologia transformadora que estenderá nossa vida de alguma forma, e que não existe uma ideologia que sustente a humanidade neste momento?

Estou dizendo que ninguém sabe o que vai acontecer. Tudo o que sabemos é que a IA está avançando em um ritmo inimaginável para a nossa mente. Isso não nos impede de dizer: “Vou explicar o que vai acontecer. O mundo se tornará um lugar abundante, e nós, humanos, poderemos fazer o que quisermos, e trabalharemos só um dia por semana”.

Não acho que ninguém saiba o que vai acontecer. Acredito apenas que temos um horizonte de eventos. Ninguém consegue ver além dele. Tudo está se movendo muito rapidamente. Nós, como espécie, não conseguimos mudar a sociedade nessa velocidade. Então, haverá algum tipo de deslocamento. Precisamos nos preparar da forma mais básica possível.

Minha solução é escolhermos não morrer. Só isso. Não estou defendendo a imortalidade. Não estou defendendo uma utopia. Nós, como espécie, estamos com a existência em risco. Não sabemos se os humanos terão um papel no futuro. Não sabemos se vamos sobreviver a este momento.

Já estamos prontos para atacar uns aos outros. A aniquilação nuclear é uma possibilidade. Trata-se de um momento em que evoluímos para uma espécie que diz: a única coisa que temos em comum é que ninguém quer morrer agora.

O que é necessário para alguém virar um discípulo dessa religião?

Em um nível fundamental, é ter a humildade de dizer que não sabemos o que está por vir. Portanto, a coisa mais sóbria e prática a fazer é fixar nossos comportamentos individuais e coletivos. Eu não vou fazer coisas que me matem. Nós não vamos nos matar. Não vamos destruir o planeta. Então, alinhamos a IA com o “não morra”. No momento, você tem os Estados Unidos desenvolvendo IA, a China desenvolvendo IA, modelos de código aberto e de código fechado, e basicamente jogamos tudo isso em um coliseu onde todos lutarão por poder. Não acho que queiramos dar à luz a IA em um cenário de guerra.

Alinhar seu movimento, no contexto da IA, teria mais a ver com garantir que as IAs não nos matem do que com tomar suplementos?

Acho que esta é realmente uma oportunidade que não vemos há milhares de anos, para que uma nova ideologia global surja e cresça rapidamente e se torne a ideologia de crescimento mais rápida da história. Algo aparecerá para preencher esse vazio, seja o “não morra”, seja outra coisa. Então, eu estava tentando descobrir: como você realmente fala sobre isso?

As pessoas não se importam com filosofia. Elas realmente não se importam com ideias - não até que vire algo muito importante. Elas se importam é com saúde, com como se sentem de manhã, com a aparência. Tentei começar esta conversa de um jeito compreensível, no qual o “não morra” como filosofia fale sobre ir para a cama no horário, comer alimentos nutritivos e dizer não à comida ruim.

Depois que você conquista as pessoas, e elas entendem que saúde é algo muito bom, dá para fazer a ponte para a filosofia e dizer: “Existe algo maior acontecendo”.

Gosta de ser famoso? Preocupa-se com um nível de fama em que não consiga lidar sistematicamente com o mundo inteiro e com o que está sendo dito?

Aguento julgamentos sobre mim o dia inteiro. O que me incomoda é quando dizem algo que desafia a minha confiabilidade. É a confiança que realmente me importa, e ser respeitado até o século XXV. Talvez os humanos já não estejam mais por aqui, mas, seja qual for a forma de inteligência que existir, realmente quero que digam: “Sabe de uma coisa? Somos gratos por ter existido um cara que tentou entender tudo isso”. Se a minha confiança estiver em questão, não consigo perseguir objetivos maiores.

Quanto à fama, acho fantástica. Se eu tivesse que escolher entre a fama e US$ 1 bilhão, escolheria a fama 100 vezes em 100. É muito mais difícil de conquistar, tem valor único. Hoje, tenho acesso a praticamente qualquer pessoa. Se o objetivo é criar a ideologia de crescimento mais rápida da história e associá-la ao momento em que a espécie está evoluindo para algo diferente, você precisa de fama.

Então, você não pensa no seu legado em uma linha do tempo de dez, vinte ou cinquenta anos, mas de centenas de anos?

É a única escala temporal que faz sentido para mim. Fiz um experimento mental em que me imaginei presente no século XXV. Estou sentado com alguns - que estão conversando, seja lá em que forma se comuniquem - e olhando para trás, para o início do século XXI. Assim como nós olhamos para outros séculos e os resumimos em acontecimentos principais, sem entrar nos detalhes, eles farão o mesmo com o século XXI.

Então, se isso acontecer, o que eles dirão?

Pensei nessa pergunta por anos. Primeiramente dirão que foi quando a humanidade deu à luz a superinteligência. Depois, que foi quando a humanidade percebeu que era a primeira geração que não morreria. Então pensei: como agir agora com essa informação? Você poderia criar uma empresa de biotecnologia ou tentar aprovar uma política governamental. Mas é óbvio que precisamos de um novo arcabouço ideológico - e o que é mais poderoso do que a religião?

Gostou? Compartilhe