Caso Miguel: TST considera privilégio branco e manda casal pagar R$ 386 mil

Publicado em 04/07/2023, às 11h14
Foto: Reprodução
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Por Uol

Uma decisão histórica por se basear no conceito de "racismo estrutural".

Assim foi definida pelos ministros da 3ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) a condenação de Sergio Hacker Corte Real e Sari Mariana Costa Gaspar — ex-prefeito e ex-primeira dama de Tamandaré (PE), envolvidos na morte do menino Miguel, em Recife, em junho de 2020. O julgamento aconteceu na última quarta-feira (28) e determinou indenização de R$ 386 mil, que será paga a um fundo de trabalhadores.

Filho de Mirtes Renata Santana, uma das empregadas domésticas do casal, o garoto de cinco anos faleceu após cair do 9º andar de um prédio de luxo no centro da capital pernambucana. Miguel estava aos cuidados da patroa da mãe para que ela passeasse com o cachorro da família dos empregadores.

As trabalhadoras domésticas são o grupo mais impactado pelo racismo estrutural no país e sofrem consequências que vão além das questões trabalhistas, afirma o ministro Alberto Balazeiro, relator do caso no TST, à Repórter Brasil.

"[A morte de Miguel] é o desfecho de uma cadeia de problemas estruturais envolvendo as violações trabalhistas sofridas pela família de Mirtes", diz o ministro, citando também a falta de proteção à maternidade pelos patrões.

A maioria das mulheres que trabalham no serviço doméstico são negras. E as pessoas que estão no poder, contratando, são brancas. Há um pacto da branquitude para que a gente não tenha autoconhecimento e possam usufruir do nosso trabalho de forma até ilegal."

Contratação fraudulenta - 

O caso julgado pelo TST não diz respeito ao processo criminal, que ainda está em curso, mas sim à contratação fraudulenta de Mirtes e sua mãe.

Trata-se de um casal em que o marido era prefeito de uma das cidades da região metropolitana de Recife e estava usando o trabalho doméstico de duas trabalhadoras negras em sua casa durante o período de pandemia sem qualquer adoção de medidas de segurança e de defesa para a saúde delas", destacou o ministro José Roberto Freire Pimenta durante o julgamento.

"E alega no processo que elas não eram suas empregadas, e sim do município, e que ele tinha desviado as trabalhadoras para trabalhar em sua residência, como se ainda vivêssemos no período colonial", complementou o ministro.

"Em virtude dessa ideologia racista operante no mundo do trabalho, mantiveram-se intocados os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas que ao longo da história lucraram em cima da mão de obra negra", escreveu o relator em sua decisão.

A reparação por danos morais coletivos foi requerida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Pernambuco por meio de uma ação civil pública.

Em geral, o MPT só se envolve em ações coletivas. Assim, ao aceitar a tese do órgão e condenar o ex-prefeito e sua esposa a pagarem uma indenização de R$ 386 mil, o TST entendeu que a história de Mirtes agride todas as mulheres negras que trabalham como empregadas domésticas no país.

Como se trata de danos morais coletivos, o dinheiro não será destinado à mãe e à avó de Miguel. A Justiça pode determinar o uso desses recursos para diversas finalidades — da capacitação de trabalhadores à compra de ambulâncias.

"Se o Judiciário não tiver uma mudança de olhar no julgamento dessas questões, haverá um incentivo à prática da exploração e um desestímulo para a denúncia das trabalhadoras, que não possuem recursos e podem ser vítimas de perseguição e ameaças ao longo do processo", diz o ministro Balazeiro.

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