Fazia cerca de 10 anos que Lilian Lozer Purysko, cirurgiã-dentista de Governador Valadares (MG), convivia com dores causadas pelo bruxismo, o hábito inconsciente de apertar e ranger os dentes, dormindo ou acordada. Em 2023, contudo, o problema se acentuou. Naquele ano, ela conciliava o trabalho como funcionária pública, atendimentos no consultório, cuidados com filhos adolescentes e uma especialização que a obrigava a viajar a Belo Horizonte.
Em meio a tanta correria, dormir com uma placa de acrílico nos dentes e tentar controlar o estresse não eram mais suficientes. As dores foram ficando mais frequentes e intensas, acompanhadas de alguma dificuldade para abrir a boca.
Foi nessa fase crítica que Purysko conheceu um colega, o cirurgião-dentista Eduardo Januzzi, responsável pelo centro de Dor Orofacial e Disfunção Temporomandibular do Hospital Mater Dei. Ao realizar exames de imagem, a dentista, agora paciente, descobriu que tinha desgaste ósseo na articulação temporomandibular (ATM), que liga o osso do crânio à mandíbula. Ela foi então convidada a participar de uma pesquisa sobre um tratamento com algumas mudanças em relação à técnica vigente na área.
O protocolo incluía seis sessões, em intervalos mensais, de um procedimento chamado artrocentese, que consiste na lavagem do ambiente interno da articulação somada a outra técnica, a viscossuplementação, feita com a aplicação de um derivado do ácido hialurônico que lubrifica e hidrata a articulação.
No decorrer das aplicações, as dores da voluntária foram melhorando. “Depois de meses, uma nova tomografia mostrou que meu osso havia se regenerado”, celebra. “Minha recuperação foi de 100%. Eu continuo usando a placa todas as noites para dormir e aprendi a controlar o bruxismo na vigília. Também comecei a fazer ioga e meditação, porque o bruxismo tem várias causas. Desde então, estou ótima.”
Como funciona a técnica
O procedimento já era utilizado em ambiente hospitalar, com duas agulhas. A inovação da equipe de Januzzi foi simplificar o método: com anestesia local, em consultório, usando apenas uma agulha acoplada a uma cânula.
“Isso torna o processo mais rápido, seguro e menos invasivo, reduzindo o risco de complicações e morbidade”, explica o pesquisador, autor principal do estudo publicado no periódico Scientific Reports.
No estudo, além da lavagem, foram empregadas duas terapias complementares, de acordo com o estágio de degeneração óssea da pessoa: a viscossuplementação, utilizada na maioria dos participantes, e, em casos mais graves, os ortobiológicos, feitos como próprio sangue do paciente, capazes de estimular a reparação dos tecidos. Outro diferencial foi o acesso simultâneo aos compartimentos superior e inferior da ATM.
O estudo acompanhou 22 pacientes por cerca de um ano. Todos apresentaram melhora da dor, chegando a zerar após o tratamento, além de ganho de amplitude de abertura da boca e recuperação estrutural com redução do desgaste ósseo.
Segundo o Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, cerca de 10 milhões de brasileiros sofrem com algum tipo de distúrbio na articulação temporomandibular. Conhecido pela sigla DTM, o quadro pode causar dor, estalos e dificuldade para mastigar e falar.
Quem pode se beneficiar do procedimento
De acordo com Januzzi, o novo método é indicado para pacientes que não respondem a medidas conservadoras, como uso de placa oclusal, fisioterapia e medicação.
A disfunção temporomandibular é mais comum em mulheres, possivelmente por fatores hormonais e pela relação maior com ansiedade e estresse. E, como lembra Purysko, cuidar desses aspectos também fez parte do sucesso da sua recuperação.
“Nós, mulheres, acumulamos muitas funções e precisamos dar ouvidos ao nosso corpo. Essa experiência me deixou mais empática com meus pacientes, porque sei o quanto a dor impacta a vida e como o autocuidado é fundamental", afirma.
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