Como o "Cometa do diabo" indica que a água chegou a Terra por rochas espaciais

Publicado em 23/08/2025, às 11h02
Foto:  Chris Shur
Foto: Chris Shur

Por Revista Galileu

A pergunta "de onde veio a água da Terra?" é um dos maiores quebra-cabeças da ciência. Uma das hipóteses mais quentes envolve a presença de rochas espaciais vindas de outros cantos do universo. Uma nova pesquisa, que analisou o chamado "Cometa do Diabo" colabora para essa ideia. O estudo publicado na revista científica Nature Astronomy em 8 de agosto revela que a água encontrada no cometa 12P/Pons-Brooks é "praticamente indistinguível" da água dos nossos oceanos. Essa é a evidência mais robusta até hoje de que cometas foram cruciais para viabilizar a vida no nosso planeta.

A impressão digital química da água

A chave para rastrear a origem da água está em sua assinatura isotópica. Os cientistas analisam a proporção entre deutério (hidrogênio "pesado", com um nêutron extra) e hidrogênio comum (a chamada razão D/H) na água. É como uma impressão digital química única para diferentes corpos do sistema solar.

A equipe usou o conjunto de telescópios ALMA, no Chile, e o Infrared Telescope Facility (IRTF), da Nasa, para analisar essa proporção no vapor de água liberado pelo núcleo do Cometa 12P/Pons-Brooks. Eles mediram tanto a água comum (H₂O) quanto a água "pesada" (HDO), que contém deutério.

"Nosso novo resultado fornece a evidência mais forte até agora de que pelo menos alguns cometas do tipo Halley carregavam água com a mesma assinatura isotópica encontrada na Terra", disse o astrofísico molecular Martin Cordiner, principal autor do estudo, em comunicado. "Isso apoia a ideia de que os cometas podem ter ajudado a tornar nosso planeta habitável".

Por que essa descoberta é tão importante?

O 12P/Pons-Brooks é um cometa do tipo Halley, com um período orbital de 71 anos. Medições anteriores da água em outros cometas dessa mesma classe, como o Halley e o Hyakutake, mostraram uma razão D/H muito mais alta que a da Terra. Esses resultados lançavam uma sombra de dúvida sobre a teoria, sugerindo que talvez os asteroides, e não os cometas, fossem os principais responsáveis por trazer água.

Esta nova análise do "Cometa do Diabo" quebra esse paradigma. Ele prova que pelo menos alguns cometas da nuvem de Oort (a origem dos cometas de longo período como este) carregam água com a assinatura isotópica perfeita para ser a fonte da nossa. A descoberta indica que a população de cometas é mais quimicamente diversa do que se imaginava, e que uma parcela deles tinha exatamente o "tipo certo" de água para abastecer a Terra.

Um mapa sem precedentes

A técnica usada foi inovadora. "Ao mapear H₂O e HDO na cabeleira do cometa, podemos dizer se esses gases vêm do gelo congelado dentro do corpo sólido do núcleo, em vez de se formarem a partir de processos químicos ou outros na cabeleira gasosa", explicou Stefanie Milam, cientista do projeto da Nasa e coautora do estudo.

Isso significa que os pesquisadores não apenas mediram a água, mas mapearam sua distribuição com um detalhe sem precedentes, confirmando que ela é ejetada diretamente do gelo primordial do cometa - um verdadeiro fóssil congelado da formação do sistema solar.

A imagem está ficando mais clara: a água que forma nossos oceanos, preenche nossos rios e compõe nossos corpos muito provavelmente começou sua jornada muito longe daqui, congelada no núcleo de um cometa, até ser entregue em um impacto cataclísmico que, ironicamente, permitiu que a vida florescesse.

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