O empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44, enviou mensagens para um conhecido que seria um coronel da Polícia Militar (PM) no momento em que foi abordado por agentes no estacionamento de um academia de luxo, horas após o crime. A conversa, que foi recuperada pela Polícia Civil, aponta que o "amigo" do suspeito chegou a conversar com os militares que faziam a abordagem e disse ter solicitado "cautela".
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Na época, a forma como foi feita a condução do homem, que até então era suspeito de homicídio, gerou críticas da sociedade. Vídeos que circularam nas redes sociais, após a grande repercussão do caso, mostraram que Renê foi levado para o Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DIHPP) no banco traseiro da viatura da PM e sem algemas.
Na última quarta-feira (3 de setembro), O TEMPO teve acesso a uma série de mensagens recuperadas pelos investigadores que apuram a autoria do assassinato. Entre as comunicações feitas pelo empresário antes e depois da prisão, estava um diálogo com um homem que, conforme um policial ouvido pela reportagem, seria o militar que já fez parte do "alto comando da PM".
O coronel em questão foi, até 2024, diretor-geral do Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM). Conforme o inquérito da Polícia Civil, o coronel foi procurado por Renê assim que ele foi abordado pelos PMs.
"Meu amigo, poderia me dar uma ajuda? Estou cercado por PMs dizendo que eu cometi um homicídio hoje pela manhã. Em dado momento, o assassino confesso do gari pergunta se o coronel não poderia "falar com o tenente" responsável pela prisão. Em seguida, ocorre uma ligação de áudio pelo aplicativo WhatsApp que teve duração de pouco mais de dois minutos.
"Renê chega a pedir ao coronel que converse com os policiais militares, o que parece ter acontecido, já que existe uma chamada de pouco mais de dois minutos no mesmo período", completa o inquérito policial. É exatamente após essa chamada que o coronel envia uma mensagem dizendo: "Fique calmo. Pelo que entendi, estão averiguando. Muito inicial. Solicitei cautela na abordagem dos fatos. Me dê notícias".

O TEMPO procurou a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) sobre a conversa entre o coronel e o assassino do gari, que informou ter adotado "todas as providências cabíveis em relação à ocorrência", como a prisão em flagrante do suspeito e o encaminhamento à Polícia Civil. "Demais informações sobre o fato, para além do Boletim de Ocorrência, devem ser buscadas junto à Justiça", escreveu a PM.
Já o governo de Minas, também questionado sobre a situação, se posicionou por meio da Polícia Civil. "A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que o inquérito foi concluído e remetido ao Poder Judiciário", disse a nota.
A reportagem tentou contato com o coronel, por ligação e mensagem, mas não obteve uma resposta. O espaço permanece aberto caso ele queira se manifestar.
Condução polêmica
No dia do assassinato, as imagens da chegada de Renê à delegacia geraram revolta entre internautas, que questionavam o fato de ele não estar algemado e no compartimento de presos, como ocorre em outras situações. Ao deixar a delegacia rumo ao Ceresp Gameleira, já autuado por homicídio duplamente qualificado e por ameaça, ele saiu algemado e no compartimento de preso.
Segundo a legislação e a jurisprudência vigente, o uso de algemas, apesar de às vezes parecer ser a regra, é a exceção. “Em primeiro lugar é preciso ficar claro que entre os princípios constitucionais que regem a legislação brasileira, estão o princípio da não culpabilidade, o princípio da dignidade humana e o princípio da presunção de inocência. Essas são garantias que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país têm, para assegurar o tratamento humanitário do cidadão e preservar a sua dignidade. Ou seja, mesmo se tratando de um crime gravíssimo que cause comoção social, essa justificativa, por si só, não é suficiente para autorizar o uso de algemas”, disse, em entrevista a O TEMPO, a advogada criminalista especialista em Direito Penal e Processo Penal, Fernanda Jatobá, fundadora do escritório Jatobá Advogados.
Para Ludmila Ribeiro, professora no Departamento de Sociologia e pesquisadora no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), o suspeito só deve ser algemado quando apresenta risco para si ou para a corporação. Ela pondera, contudo, que "a grande questão é que em 90% dos casos, pessoas negras e pobres são algemadas como forma do policial mostrar autoridade e mostrar ‘quem manda’". A situação, segundo ela, costuma mudar quando o abordado é uma pessoa mais escolarizada e branca.
“Eu acho que tem duas questões importantes. A primeira é que, quando a pessoa é apresentada algemada, ali já é como se fosse condenada, como se fosse uma pessoa perigosa, bandido que precisa ser contido. Nesse caso do gari isso gera revolta porque o suspeito em um primeiro momento é uma pessoa violenta. E isso também reforça o estereótipo racial. Em teoria, todos os casos deveriam ser tratados de forma equivalente, mas claro, pesquisas mostram que em casos midiáticos há uma maior preocupação de seguir tudo à risca, o que ficou evidente ao não usar a algema e proteger a identidade do suspeito”, pontuou.
No dia seguinte à condução de Renê pela PM, a reportagem de O TEMPO procurou a Polícia Militar, que não quis se manifestar.
Mensagens
Na quarta-feira (3 de setembro) foi divulgada uma série de conversas em um aplicativo de mensagens que acabaram sendo recuperadas pelos investigadores. Três dias antes do homicídio, o suspeito chegou a falar para a delegada que eles precisavam "andar armados".
No momento de sua prisão, em uma academia de luxo, Renê chegou a enviar um áudio para a esposa informando que estava no estacionamento e que tinha sido abordado pela polícia, pedindo que ela comparecesse ao local. Cerca de uma hora depois, quando já estava na delegacia, ele enviou nova mensagem para a delegada, desta vez, pedindo que ela não entregasse a arma que ele usou no crime, uma pistola calibre .380.
"Entrega a nove milímetro", disse Renê se referindo à outra arma da esposa. "Não pega a outra. A nove milímetros não tem nada", completou o autor que, dias depois, confessou ter cometido o assassinato após uma confusão de trânsito. "Ana Paula, por sua vez, não o respondeu, tampouco anuiu com o seu 'plano'", completa o inquérito da polícia.
Sem resposta, o empresário enviou sua última mensagem para a esposa ainda negando o crime. "Estava no lugar errado na hora errada. Amor, eu não fiz nada", diz a última mensagem dele.
Procurado pela reportagem nesta quarta, o advogado que representa a família de Laudemir no caso, Tiago Lenoir, informou por nota que as provas colhidas pela Polícia Civil, como mensagens, vídeos e laudos, apenas reforçam o "crime hediondo praticado pelo principal acusado".
"Elas revelam tentativas de interferência nas investigações. Ressalte-se que sua esposa, delegada de polícia, tinha o dever legal de agir, e sua omissão pode configurar prevaricação, favorecimento pessoal ou condescendência criminosa. Isso tem que ser minuciosamente averiguado", completou. "Como advogado da família do gari Laudemir, reafirmo que não descansarei até que todos os responsáveis, por ação ou omissão, sejam punidos com o rigor da lei", concluiu Lenoir.
Procurada, a Polícia Civil informou apenas que não comenta sobre procedimentos que se encontram em fase processual.
Renê pode pegar até 35 anos de prisão, pelo assassinato, com agravante de motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima, porte ilegal de arma e ameaça a motorista que dirigia o caminhão de coleta. Ana Paula pode pegar de dois a quatro anos de prisão, com acréscimo de metade da pena por ser servidora pública, além de perder o cargo.
O crime
Na manhã de segunda-feira (11/8), por volta das 9h, houve uma confusão no trânsito na rua Modestina de Souza, no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte. Um caminhão de coleta de lixo estava parado quando um carro BYD cinza, vindo na direção contrária, se aproximou. O motorista do carro — apontado como o suspeito — teria sacado uma arma e ameaçado a condutora do caminhão, dizendo que “iria atirar na cara” dela. Logo depois, ele teria atirado contra o gari Laudemir de Souza Fernandes, que estava trabalhando na coleta.
O gari foi atingido na região torácica, próximo às costelas, e socorrido ao Hospital Santa Rita, em Contagem, mas não resistiu aos ferimentos. Após o disparo, o suspeito fugiu no mesmo carro BYD cinza e foi localizado pela polícia na tarde do mesmo dia, enquanto malhava em uma academia de alto padrão no bairro Estoril. Ele foi preso sem oferecer resistência. Conforme relatos das testemunhas, pouco antes de ser atingido, Laudemir teria dito: “Acertou em mim”. Testemunhas que estavam no local do crime afirmaram que o suspeito “saiu tranquilo e com semblante de bravo” após atirar na vítima.
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