É verdade que o Brasil tem os juros reais mais altos do mundo?

Publicado em 24/03/2023, às 11h28
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Por Extra Online

Com a taxa básica de juros, a Selic, mantida em 13,75% ao ano, o Brasil continua com o maior juro real do mundo, mesmo quando comparado a vizinhos, como Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. A decisão do Banco Central de manter a taxa neste patamar, na última quarta-feira, aumentou as críticas do presidente Lula à autoridade monetária. Ele afirmou que "nenhum ser humano da Terra" explica os juros atuais do Brasil.

De acordo com levantamento da Infinity Asset, a taxa de juro real no Brasil, resultado da taxa Selic descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses, é de 6,94%. Em segundo lugar no ranking, aparece o México, com 6,05%, e depois o Chile, com 4,92%. Os Estados Unidos têm taxa de juro real de 0,36%. Em termos nominais, sem descontar a inflação, somente a Argentina tem taxa de juros maior que os 13,75% do Brasil. No país vizinho, acossado pela disparada dos preços, a taxa é de 78% ao ano.

Analistas apontam, entre as justificativas, que o Brasil começou o ciclo de alta de juros antes que os outros países, também atingidos por uma inflação global em decorrência da pandemia e da guerra na Ucrânia.

O país conseguiu reduzir a inflação com o corte de impostos sobre os combustíveis no ano passado, mas o Banco Central ainda vê pressões inflacionárias na economia. Já outros países tiveram impacto maior na inflação da alta dos preços de petróleo e energia.

Em relação particularmente a países ricos, como Suíça, Alemanha e Estados Unidos, a diferença é uma questão de credibilidade, observam os especialistas. Enquanto as economias desenvolvidas têm maior estabilidade, o Brasil apresenta maior risco fiscal e, por isso, precisa oferecer juros maiores para atrair capital estrangeiro.

Taxas negativas - Países como Japão, Suécia, Portugal e Espanha têm taxas negativas de 1,54%, 4,03%, 4,34% e 4,78%, respectivamente. Isso significa que a taxa de juros vigente é inferior ao índice de variação de preços. Títulos públicos, por exemplo, têm rendimento insuficiente para sequer cobrir a inflação.

Economista-Chefe na Infinity Asset Management, Jason Vieira prevê que o início do ciclo de corte de juros no Brasil só comece no último trimestre do ano, apesar de o Banco Central ter dado início à subida da taxa antes e de forma mais rápida que outros países. Em apenas 15 meses, a Selic saiu de 2% para 13,75%.

Na quarta-feira, o BC optou por manter inalterada a Selic, como previsto pelo mercado, e ainda emitiu um comunicado duro, afirmando que pode voltar a subir juros caso as condições macroeconômicas se deteriorem.

Para Vieira, a falta de definição do novo arcabouço fiscal e ruídos políticos, como as críticas que o presidente Lula tem feito ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, atrapalham a queda dos juros. Com a inflação em patamar menor do que antes, a taxa de juro real fica elevada.

Roberto Simioni, economista-chefe da Blue3 Investimentos, avalia que a reincorporação de impostos e o aumento nos salários também podem afastar ainda mais o início do ciclo de corte de juros. Por isso, acredita que a apresentação de um novo arcabouço fiscal, que fosse bem recebido pelo mercado, é necessária para trazer alguma previsibilidade.

Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, diz que os outros bancos centrais optaram por levar a inflação para a meta de forma mais lenta. Como o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), que sinalizou que deve conseguir controlar os preços apenas em 2025.

'Inércia inflacionária' - Além disso, ele aponta que, enquanto países desenvolvidos possuem taxas de juro neutro (que não acelera e nem desacelera a inflação) próximas a zero, no Brasil esse indicador fica em torno de 7% ao ano, nos cálculos dele. A taxa de juros real de pelo menos 3,5%, segundo Salles, é essencial para atrair investimentos estrangeiros. Devido às incertezas políticas e econômicas ainda no radar, ele prevê que o BC implemente corte na Selic apenas em 2024.

 "Tem um fator importante que é a inércia inflacionária. Quando a inflação sobe, demora a ceder. E a percepção que o risco fiscal aumentou acaba fortalecendo a inflação", avalia.

Raphael Vieira, cohead de Investimentos da Arton Advisors, acha difícil algum corte de juros no Brasil enquanto os Estados Unidos estiverem elevando a taxa por lá. Ele explica que, ao reduzir a atração de investimento estrangeiro (na prática, dólares), uma redução dos juros poderia provocar desvalorização do real.

Como vários produtos na economia são importados ou produzidos com matérias-primas cotados internacionalmente, o câmbio impacta a inflação.

Nesta semana, o Fed optou por subir apenas 0,25 ponto percentual na taxa de juros, levando-a ao intervalo entre 4,75% e 5%. De acordo com Jason Vieira, a decisão é reflexo dos problemas no setor bancário após o colapso do Silicon Valley Bank. Não fosse isso, o acréscimo poderia ser ainda maior.

Europa tem cenário distinto - Na Europa, os juros não subiram tanto como na América Latina. Segundo Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, isso se deve ao fato de se tratarem de economias que têm juros tradicionalmente baixos.

"A América Latina tem a dupla missão de pagar mais caro para atrair investidores, e ainda assim corroer o poder de compra da população pela inflação bem acima da média, o que na prática torna os países sul-americanos mais pobres", observa.

No caso da Argentina, que vive hiperinflação com índice de preços em 102,5% e taxa nominal de juros em 78%, Bruno Musa, economista e sócio da Acqua Vero, avalia que o problema é a falta de confiança na economia, com forte desvalorização do peso, a moeda nacional.

"Como o Estado é extremamente endividado, ninguém quer emprestar para Argentina. O risco é muito alto, foram inúmeros calotes de dívida desde os anos 2000. A atividade econômica fica parada. Sem ter como se financiar, o governo imprime dinheiro. A inflação é consequência da desvalorização da moeda", comenta.

A Suíça, em contraste, lida com inflação de 3,4%, e tem taxa de juros de apenas 1,5%.

"A Suíça historicamente é um país seguro, conhecido por guardar o dinheiro do mundo. Não precisa oferecer altas taxa para as pessoas investirem lá. Por isso que os juros reais estão negativos. Como a inflação piorou, os juros reais estão mais negativos do que de costume", justifica Lelis.

Apesar disso, o Banco Nacional da Suíça elevou nessa quinta a taxa de juros em 0,50 ponto percentual e deixou a porta aberta para mais aumentos, mesmo depois da queda do segundo maior banco do país, o Credit Suisse.

Na Zona do Euro, onde a inflação é de 8,5%, os países sofreram com a escalada da inflação em decorrência da guerra na Ucrânia e da pandemia. Os consumidores viram preços de combustíveis, alimentos e energia dispararem.

Sem conseguir subir juros na mesma velocidade, países como Portugal, Espanha e Alemanha têm taxas de juros reais negativas. Na última semana, o Banco Central Europeu (BCE) elevou a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, para 3,5%, e evitou assumir compromissos futuros. A presidente do BCE, Christine Lagarde, indicou que permanecerá focada no uso dos juros como instrumento de combate à inflação.

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