Empresária da favela cria calcinhas para mulheres trans

Publicado em 02/05/2022, às 17h35
Silvana e sua filha, Natália Pietra, gerenciam a Trucss, marca de calcinhas para mulheres trans e travestis | Foto: Reprodução/Folhapress
Silvana e sua filha, Natália Pietra, gerenciam a Trucss, marca de calcinhas para mulheres trans e travestis | Foto: Reprodução/Folhapress

Por Correio Braziliense

Silvana Bento trabalhava no banco de sangue de um hospital a zona sul de São Paulo quando teve seu primeiro contato com os problemas causados pela falta de peças íntimas adequadas para mulheres trans. Elas precisavam recorrer a bandagens, fitas adesivas e até mesmo cola instantânea para se sentirem confortáveis com o corpo.

Ela conta que mulheres trans e travestis falavam a ela que seguravam xixi por horas para manter a bandagem presa ao corpo durante o dia e que, por isso, muitas iam parar no hospital com infecção urinária e insuficiência renal. “Uma das meninas que fazia transfusão comigo morreu na fila do transplante de rim. Fiquei devastada”, conta Silvana em entrevista à Folha de S.Paulo.

Como profissional da saúde, começou a pensar em soluções para melhorar a qualidade de vida desse público e, em 2016, desenhou uma calcinha que possui uma espécie de bolsa para acomodar a genitália de maneira saudável e que não marcasse nas roupas.

A expressão "aquendar a neca", popular na comunidade LGBTQIA+, se refere ao ato de esconder o pênis e os testículos para que não fiquem visíveis através das roupas.

Desenvolvimento do projeto - Para dar início à produção dessa peça, entretanto, precisou de ajuda, que demorou a encontrar. "Procurei costureiras daqui de Guaianases para fazer as peças-piloto, eu não sei pregar um botão. Só que a maioria delas não quis produzir quando eu disse o que era", explica ela, contando ainda que uma delas chegou a pensar que o design era de roupa para gato e, outra, que “não era de Deus”.

A calcinha só pôde ser produzida, quando encontrou uma designer de moda com uma pequena fábrica de bichos de pelúcia e bonecos de pano. "Ela mandou o modelo e vi que se tratava de um produto novo. Costurei sem questionar", diz Renata Silva à Folha. "É uma peça que é fácil de vestir, confortável, ajustável e aquenda."

As duas começaram a produzir os protótipos e, para conferir a usabilidade, contrataram amigos LGBTQIA da filha de Silvana, Natália Pietra, que é da comunidade e ensinou à mãe alguns dos vocabulários utilizados pela comunidade. "Dava R$ 100 para experimentarem as calcinhas. Criei 16 variações, usando lycra e renda, além da moda praia", conta Silvana.

Em 2017, então, nascia a Trucss. Silvana largou a profissão como técnica em hemoterapia, patenteou o produto e registrou o nome da marca. Atualmente, a Trucss conta com modelos para o dia a dia, esporte e moda praia em uma variedade de tamanhos, inclusive, infantil.

Um outro público que se aproximou da marca foram pais e mães de crianças trans. "Comecei a fazer protótipos para atender ao público infantil", diz Silvana. "A aquendação não é igual a das mulheres, pois elas estão em fase de crescimento e não pode causar deformidade."

.Sucesso da marca - A divulgação nas redes sociais foi um dos fatores que trouxeram muitos consumidores para a Trucss, inclusive famosas. "Linn da Quebrada usou minhas peças no Big Brother", explica Silvana, que chegou a abrir uma loja física na Rua Augusta, localizada na região central de São Paulo, mas que teve que ser fechada por conta da pandemia e a baixa nos faturamentos.

A empresária conseguiu voltar à ativa com o apoio de programas de aceleração, mas conta que, em um deles, seu público foi alvo de discriminação. Com ticket médio de R$ 100, foi questionada sobre o poder aquisitivo de suas clientes. “Falaram para eu mudar de público, porque trans eram analfabetas, prostitutas e não teriam dinheiro para pagar por meu produto”, relata. Ela conta que chegou a rebater, mas foi um processo desgastante.

Em abril deste ano, ela esteve na Expo Favela e foi uma das dez selecionadas para participar de um reality show na TV Globo que será exibido aos sábados no programa É de Casa. A competição terá como prêmio R$ 80 mil.

Para suas clientes, as calcinhas da Trucss são revolucionárias. "Cansei de me machucar e queimar a pele", conta Mar Moraes, atriz e modelo, sobre as estratégias para aquendar a neca. "Era constrangedor ir ao banheiro e agora posso ir à praia, o biquíni é cavado como a gente gosta e fico aquendadíssima”, completa.

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