Estudante é encontrado morto dentro de cela de delegacia em MG

Publicado em 25/08/2022, às 20h04
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Por Correio Braziliense

O estudante Charles Wallace dos Reis Aguiar (23), aluno de História na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), foi encontrado morto na madrugada do domingo (21), na Delegacia Policia Militar de Ouro Preto, enforcado com um tirante para canecas.

Segundo a Polícia Militar, Charles, que era negro, gay e militante de movimentos sociais, foi detido após uma discussão com seu namorado, na noite de sábado (20), em Mariana, quando ele teria desacatado os policiais chamados para apartar a confusão. Levado para a Delegacia de Ouro Preto, Charles foi colocado em uma cela, vindo a ser encontrado, momentos depois, já sem vida.

Apesar de a polícia sustentar a versão de suicídio, amigos, Ufop, instituições estudantis e figuras políticas cobram maiores explicações sobre o caso, que consideram pouco esclarecido.

‘Ele estava machucado’ - Segundo uma fonte próxima de Charles, ele ser um homem negro e gay pode ter influenciado na forma em que foi tratado pelos policiais. Além disso, segundo a mesma fonte, ele foi encontrado com o rosto machucado.

‘O Charles tinha uma tatuagem do símbolo do Comunismo no braço somado ao fato dele ser negro, gay e estar brigando com o namorado, faz com que qualquer coisa que ele tenha falado à polícia já dê o aval de um tratamento mais bruto. Ele estava todo machucado no rosto, então eu acho que ele apanhou. Ele deve ter apanhado bastante.’

Charles estar com o tirante de canecas numa cela também gerou críticas da fonte.

‘Como você prende uma pessoa numa cela com um tirante de canecas, cadarço do tênis e não tira isso da pessoa? Isso é protocolo. Acho que a maneira como qlideram com ele, faltou protocolo.’

Uma outra fonte chegou a afirmar que os policiais sabiam da existência do tirante, sendo ele devolvido ao Charles.

‘No caminho para Ouro Preto, o tirante estava na frente da viatura, com os policiais. Ao descer da viatura, o cordão chegou a cair no chão, mas o próprio policial o colocou no bolso de Charles. Não sabemos se o PM esqueceu de pegá-lo antes de levar o Charles para a cela.’

Versão da Polícia Militar - Procurado pelo Estado de Minas, o 52º Batalhão de Polícia Militar, que opera nas cidades de Mariana e Ouro Preto, respondeu que “em casos de autoextermínio, não fazemos a divulgação de dados da ocorrência.”

Apesar da negativa, um policial que esteve de plantão no dia da morte de Charles deu uma declaração ao site Agência Primaz, onde narrou a versão da polícia na dinâmica dos fatos.

Segundo o PM, a guarnição foi acionada para conter uma discussão acalorada, com agressões físicas, numa travessa entre as ruas Wenceslau Brás e Marquês de Pombal, ambas em Mariana, por volta das 20h30 do sábado (20). Chegando ao local, os policiais encontraram Charles e seu namorado e conversaram com ambos, até que os ânimos se acalmassem. Quando a briga foi apartada, o namorado de Charles saiu da cena e os policiais então deixaram o local.

Na versão do policial, em seguida, pouco depois, houve outro chamado para as proximidades e outra viatura foi destacada para o local. Chegando lá, os dois estavam novamente em discussão. Os policiais mais uma vez apartaram a confusão e o namorado de Charles teria entrado em uma casa. Quando a viatura se afastou novamente, os policiais afirmaram ter ouvido gritos e voltaram ao local.

Os PMs disseram que ao tentarem apartar novamente a briga, Charles teria desacatado um dos militares, que deram voz de prisão ao jovem. O namorado de Charles e uma amiga voltaram para a rua e todos foram encaminhados, primeiro à Policlínica de Mariana, para a realização de exames de corpo de delito, onde, de acordo com a polícia, Charles teria ameaçado um policial, além de ter resistido à prisão. ‘Essa é a última prisão que você irá fazer’, teria dito o estudante.

Em seguida, o policial afirmou que os envolvidos foram levados para a Delegacia de Ouro Preto. Lá a ocorrência começou a ser lavrada e Charles foi conduzido para uma cela, enquanto o namorado e sua amiga ficaram no pátio da Delegacia.

Durante os procedimentos, a Polícia Militar afirmou ter feito a revista no rapaz, encontrando em seus bolsos um celular e um maço de cigarros. Sobre o tirante, a PM afirmou que o jovem não estava com nenhuma caneca e que a revista foi padrão e que o cordão poderia ter sido escondido nas roupas do jovem.

Charles então teria ficado na cela enquanto os procedimentos padrão da PM eram feitos. De acordo com a versão policial, um militar foi até a cela de Charles duas vezes para ver se estava tudo bem e na terceira, teria encontrado o estudante já sem vida. A polícia afirmou que o Samu foi chamado, mas nada pôde ser feito.

Segundo a versão policial, o período entre a chegada na delegacia e a morte de Charles foi de, aproximadamente, uma hora, pois eles deram entrada pouco depois das 1h da manhã do domingo (21) e o jovem foi encontrado sem vida às 2h30.

Nota da Ufop - Em nota, a Ufop prestou solidariedade a amigos e familiares de Charles e afirmou que “A Administração Central está solicitando mais informações sobre o ocorrido, assim como uma apuração rigorosa para que não haja dúvidas sobre os fatos.”

Leia a nota da Ufop, na íntegra:

“É com pesar que a Universidade Federal de Ouro Preto comunica o falecimento de Charles Wallace dos Reis, aluno do curso de História.
Charles faleceu neste domingo (21), em Ouro Preto, em circunstância ainda não esclarecida. A Administração Central está solicitando mais informações sobre o ocorrido, assim como uma apuração rigorosa para que não haja dúvidas sobre os fatos.
O Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) se manifestou em nota:
É com extremo pesar e luto que comunicamos a perda de nosso querido aluno Charles Wallace dos Reis. Neste momento de dor, em que buscamos entender ainda o que aconteceu, o ICHS manifesta solidariedade aos familiares, aos amigos mais próximos que com ele conviviam na República Cangaço e, também, aos alunos do Instituto, expressando as mais sinceras condolências. Que possamos nos restabelecer da dor e, juntos, nos fortalecer".

A comunidade acadêmica se solidariza com familiares e amigos.”

Pedido de informações - A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Universidade Federal de Ouro Preto buscando saber quais foram as atitudes tomadas pela Administração Central da instituição acerca do caso. De acordo com a Assessoria de Comunicação da Ufop, a universidade contactou a OAB-MG e a Comissão de Direitos Humanos da OAB para prestar apoio jurídico aos familiares.

‘Informamos que foram feitos contatos com o vice-diretor da OAB-MG, Subseção de Ouro Preto, Lucas de Assis Sena Santos, para que a entidade pudesse fazer acompanhamento junto à família do jovem, assim como atuar com a Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG/Ouro Preto para verificar o ocorrido na Delegacia.’

Além disso, a instituição buscou apoio da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-MG e, segundo ela, foi procurada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG.

‘Também foi feito contato com o professor Alexandre Bahia (UFOP), vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-MG, solicitando também apoio para verificação do ocorrido. A partir desse contato, fomos procurados pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG, a partir de assessores parlamentares da presidenta da comissão, deputada Andreia de Jesus, que ofereceu apoio para a família e reforço na solicitação de explicações.’

De acordo com a Ufop, familiares e moradores da república onde Charles morava também foram procurados pela instituição, sendo colocados em contato com as comissões que acompanham o caso. Também foram pedidas informações adicionais para a Polícia Militar.

‘Internamente, por meio da Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace), que participou de todas as mediações citadas, foram realizadas reuniões com família do estudante para prestar condolências e colocá-los em contato com as comissões que estão acompanhando o caso, ocorrendo o mesmo com os moradores da República onde o aluno morava. Ainda, via Reitoria, está sendo encaminhado ofício para o Delegado Regional de Ouro Preto solicitando informações sobre o falecimento do aluno ocorrido nas dependências da Delegacia.’

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