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Índia: também lá, a luta contra a mortalidade infantil

A médica Sushma Dureja, do Ministério da Saúde indiano, diz que o país só terá futuro quando equacionar este mal

VEJA.com | 19/12/18 - 20h42
Alta taxa de mortalidade infantil desafia o Ministério da Saúde da Índia | Divulgação/VEJA

De fala mansa e compassada, a médica indiana Sushma Dureja tornou-se uma das figuras mais relevantes da Índia no combate a uma chaga social da qual o país está longe de se livrar: a elevada mortalidade infantil. Hoje morrem lá 34 bebês antes de completar 1 ano de vida a cada 1 000 que nascem — duas vezes e meia a taxa brasileira, que estacionou em 14. No Ministério da Saúde da Índia é Sushma que lidera ações voltadas para meninas adolescentes: uma de cada quatro ainda fica grávida até os 18 anos, um dos motores para fazer girar a perversa engrenagem que mantém não só a mortalidade infantil, mas também a de mães tão precoces, nas alturas. Durante o recente encontro em Nova Délhi do PMNCH — parceria de centenas de instituições e 85 países dedicados a melhorar as condições de saúde de bebês, mães e adolescentes, orquestrada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) — a médica falou a VEJA sobre a dureza de sua missão.

A alta incidência de gravidez entre adolescentes indianas contribui decisivamente para a ainda elevada taxa de mortalidade infantil no país? Sem dúvida. A gravidez de uma adolescente é sempre considerada de risco. Essas meninas que engravidam antes dos 18 em geral têm pouco acesso à informação, se cuidam menos no pré-natal e muitas não fazem o parto em um hospital apropriado. Depois que a criança nasce, a baixa informação continua a pesar, desta vez em relação a como lidar com o recém-nascido, uma fase tão delicada. Por isso, para atacar a mortalidade infantil, é preciso mirar na adolescência.

O que explica tantas meninas ficarem grávidas precocemente na Índia? As razões são culturais e econômicas. Persiste uma ideia na sociedade de que, ao casar, a menina estará mais segura. Também quando sobe ao altar ela deixa de ser de responsabilidade dos pais. É muito comum os próprios familiares fazerem pressão pelo casamento, para aliviar as finanças domésticas.

O aborto é legal na Índia até vinte semanas de gestação. Quais são as razões mais recorrentes para a interrupção da gravidez? Há questões objetivas de saúde da mãe e do bebê, mas também aparecem aquelas situações em que a mulher deixou de tomar contraceptivo e engravidou sem planejar.

Adolescentes aparecem nas estatísticas de aborto? Sim. E algumas delas deixam de ter o filho por acreditarem não ter condições de dar ao bebê condições básicas para a sobrevivência.

Muitas mulheres indianas ainda abortam ao saber que terão uma menina? Sim. E as raízes são, mais uma vez, culturais. Ao arranjar o casamento, a família da noiva precisa pagar um dote alto ao noivo. Além disso, pesa a percepção de que, na idade adulta, serão os filhos que ajudarão a sustentar os pais, e não as filhas.

Isso causa um desequilíbrio demográfico? Atualmente nascem 91,8 meninas para cada 100 meninos, uma diferença de dez por cento. Estamos tentando combater o problema fazendo informação chegar a comunidades e famílias.

Por que a mortalidade infantil segue ainda tão alta na Índia? Vinte por cento das mulheres não procuram hospitais preparados para um parto seguro. É uma porção considerável. Nesses casos, crescem as chances de imprevistos e o bebê fica mais vulnerável, sujeito a infecções. Em lugares mais pobres, o baixíssimo índice de educação é outro gargalo. Como uma mãe ou um pai sem uma base mínima de conhecimento vai conseguir prover o básico ao bebê? Mas, é bom que se lembre, melhoramos consistentemente nos últimos tempos.

A senhora poderia dar os números? Em três décadas, a mortalidade infantil retrocedeu 70% na Índia. Isso graças à expansão do sistema de assistência às mães, antes, durante e depois do parto, quando estão em casa. Também as condições de higiene, que já foram um grande problema, estão avançando consideravelmente no país. A massificação das vacinas, certamente, foi outro fator determinante.

A mortalidade infantil no Brasil sofreu uma pequena piora após décadas de imensos avanços. O que a senhora diria aos governantes neste caso? Que é preciso brigar contra a desinformação crônica de forma constante e que não adianta um órgão do governo querer ter protagonismo sobre o outro — só dará certo se trabalharem juntos. A mortalidade infantil é um enfático sinal de atraso de uma sociedade. Ela não deveria mais nos atormentar no século XXI.