Preso na última sexta-feira e investigado por exploração e exposição de menores em redes sociais, o influenciador Hytalo Santos é alvo de denúncias e investigação há cinco anos.
LEIA TAMBÉM
Depoimentos em processos judiciais obtidos pelo UOL descrevem como ele estabeleceu relações com uma menor quando ela tinha sete anos de idade: aos dez, ela já produzia conteúdos com danças para as redes sociais dele. Hytalo arcava com despesas da garota e pagava uma mesada à sua família, beneficiária do Auxilio Brasil.
O caso envolve Kamylinha, uma das menores que tinham mais destaque nas redes do influenciador. A exposição dela nas redes sociais foi alvo de uma denúncia à ouvidoria do Ministério Público da Paraíba em julho de 2020: na época, Kamilynha tinha 12 anos de idade. A história da adolescente, hoje com 17 anos, é um dos destaques do vídeo do youtuber Felca sobre "adultização".
A denúncia levou à adoção de medidas protetivas em 2022: o MP exigiu que ela tivesse acompanhamento do Conselho Tutelar, tratamento psiquiátrico e comprovação de matrícula e frequência na escola.
O caso foi arquivado em fevereiro de 2024, com a comprovação de que a menor estava saudável e frequentando as aulas regularmente. Ontem, quando a defesa de Hytalo entrou com pedido de habeas corpus, usou o arquivamento como argumento em favor de que ele fosse solto. O pedido foi negado pela Justiça.
Ao longo do período em que Kamylinha foi exposta nas redes sociais de Hytalo, o influenciador assinou contrato cedendo a imagem dela para uso publicitário por um colégio. Em um vídeo, os dois apareciam jogando para cima o dinheiro de pensão alimentícia pago pelo pai dela.
Contratos também obtidos pela reportagem mostram que Hytalo monetizava seus conteúdos com a divulgação de casas de apostas: um deles, sozinho, ultrapassava os R$ 700 mil. Os acordos previam multas caso suas contas fossem suspensas ou retiradas do ar.
Isso aconteceu. O TikTok puniu várias vezes o influenciador por violar as regras das plataformas, e acabou banindo ele em abril 2023: o caso se desenrolou em segredo de Justiça. Já a Meta foi acusada pelo próprio Hytalo de limitar várias funcionalidades da sua conta no Instagram em 2024 - ele foi à Justiça também nesse caso, e conseguiu restabelecê-las.
O UOL procurou a defesa de Hytalo, mas não teve resposta até a publicação da matéria. A Meta também não respondeu. A matéria será atualizada caso ambos se manifestem. O TikTok confirma que baniu a conta de Hytalo Santos em abril de 2023, e que, em junho deste ano, ele criou uma nova conta, que também foi banida.
Abordagem aos sete anos de idade
O processo das medidas protetivas do MP-PB envolveu depoimentos de Kamylinha e várias pessoas da sua família. Em setembro de 2022, aos 15 anos de idade, Kamylinha contou ao MP que conheceu Hytalo aos sete anos de idade, na Praça do Leblon, em Cajazeiras, PB.
O contato aconteceu no mesmo período em que seu pai abandonou a família, depois de anos de violência doméstica contra a sua mãe. Em virtude dos traumas, a menor fazia tratamento psiquiátrico no SUS.
Segundo a tia de Kamylinha, a menina começou a dançar, produzir conteúdo e passar dias na casa de Hytalo desde os dez anos de idade. A família vivia com a ajuda de programas sociais como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil.
De acordo com os depoimentos, Hytalo enviava entre R$ 2.000 e R$ 3.000 para a mãe a tia de Kamylinha. Além disso, custeava as despesas da menor, incluindo mensalidades escolares, roupas, maquiagem e telefone celular.
A investigação começou em julho de 2020, depois de denúncias apontando conteúdo sexualizado produzido com Kamylinha e publicado nas redes sociais de Hytalo.
Em agosto daquele ano, o MP constatou que havia erotização de crianças e expediu uma recomendação, determinando que Hytalo "excluísse de seus perfis de redes sociais todos os vídeos em que crianças/adolescentes participassem de danças erotizadas ou coreografias de cunho sexual, além de se abster de postar novos vídeos com conteúdo semelhante".
Segundo o órgão, o influenciador recebeu o documento em mãos, recusou-se a assiná-lo e manteve a postagem dos conteúdos em seus perfis.
Diante desse cenário, em março de 2022 o MP pediu —e o Judiciário deferiu— as medidas protetivas. Elas envolviam, primariamente, apoio psiquiátrico, orientação e acompanhamento pelo conselho tutelar.
Em outubro, um relatório social de acompanhamento do cumprimento das medidas constatou que Kamylinha estava matriculada, frequentava a escola com notas adequadas e não apresentava sinais de riscos psiquiátricos, mas levantou um alerta: os conteúdos erotizados continuavam a ser postados nas redes de Hytalo.
Também em 2022, Hytalo cedeu a imagem da menor para uso em campanhas publicitárias por uma escola, chamada Colégio Curso Netto. A cessão foi gratuita.
Ao longo da investigação, Kamylinha, sua mãe e sua tia sempre retrataram a relação com Hytalo como algo positivo, ressaltando a participação financeira dele na vida da família. A menor chegou a afirmar em depoimento que o considerava uma "figura paterna".
Mesmo com a continuidade das postagens, o processo foi encerrado em 2024, a pedido do próprio MP, que considerou que as medidas foram atendidas de forma satisfatória e que Kamylinha não corria riscos.
Contratos com bets e 144 violações no TikTok
Dentre as várias formas de monetização de conteúdos nas redes sociais de Hytalo Santos, estavam os contratos com bets. A reportagem teve acesso a dois deles.
Da Esportes da Sorte, Hytalo recebeu R$ 150 mil no segundo semestre de 2022, enquanto corria o processo das medidas protetivas. O acordo envolvia três meses de trabalho, com duas postagens semanais no TikTok.
Para fazer divulgação de outro site, o Betbry, em março de 2023, os valores eram bem maiores: R$ 720 mil por 20 dias de postagens, sendo três postagens em cada dia, no Instagram.
Os contratos preveem multas e punições caso as postagens não sejam realizadas —por isso, o influenciador os anexou como documentos em brigas judiciais contra a Meta, responsável pelo Instagram, e ByteDance, responsável pelo TikTok no Brasil.
Em março de 2023, Hytalo acionou a Bytedance na Justiça, alegando que estava sofrendo punições arbitrárias do TikTok —ele teve sua conta banida e depois restabelecida várias vezes.
Na ação, que corre em segredo de Justiça, o TikTok afirma que ele violou 144 vezes os termos de uso da rede social. Os termos violados foram:
O influenciador chegou a conseguir uma liminar ainda em março para restituir sua conta: a condição era de que removesse os conteúdos considerados problemáticos e não voltasse a postá-los.
Ele descumpriu a ordem judicial e teve a liminar revogada menos de um mês depois. Sua conta foi banida em 2023. Em junho de 2025 ele retornou com uma nova conta, e foi, novamente, banido.
Contra a Meta, Hytalo abriu um processo em janeiro de 2024, alegando que várias funcionalidades de sua conta profissional no Instagram tinham sido desabilitadas, impedindo a monetização adequada.
A empresa respondeu de forma vaga que ele potencialmente teria violado seus termos de uso, sem especificar quais foram as violações ou quando elas teriam acontecido. Em junho de 2024, a Justiça determinou a reativação de todas as funcionalidades.
LEIA MAIS
+Lidas