“Kátia está no céu”, é assim que Lipe, o primeiro chef empreendedor de Alagoas com síndrome de Down, entende sobre a partida de sua mãe, vítima de codiv-19, no último dia 9 de junho. No dia 10 eu publiquei uma homenagem à alagoana que foi mãozona até o final, porque Lipe pegou corona primeiro, e Kátia cuidou 100% dele. Uma guerreira, e sua primeira filha, Lenita, que reside em Portugal, enviou uma carta para mim, a qual estou publicando na Íntegra.
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A carta resume a luta de Kátia para aceitarem Lipe sem discriminação. “A ficha ainda não caiu para a gente, imagine para meu irmão. Ela foi uma mãe não só para nós dois, mas para muitos outros que puderam testemunhar o seu exemplo de dedicação.”, conta Lenita. Também disse que, quando tudo passar, o hot dog do Lipe vai reabrir com o auxilio luxuoso da tia Regina Célia e Marcelo (padrasto). Aí sim, o coração de Kátia vai bater bonito em cada um de nós, porque o amor e a ciência hão de vencer essa guerra insana da COvid-19, e de todos os legítimos aliados do Planalto Central.

Família: Lipe com a namorada Tais, tia Regina, sua mãe Kátia e Marcelo, pai de coração: temperos essenciais para o primeiro empreendedor com Síndrome de Down de Alagoas

Foto de 2019 para a materia para revista da Abrasel sobre primeiro chef com Síndrome de Down de Alagoas
Lenita Martins Bandeira
Kátia Maria Martins Oliveira de Carvalho foi a nossa mãe, minha e de Lipe. Nós sempre vivemos em Maceió e sempre fomos muito, muito unidos. Quem nos conhece, sabe.
Quem nos conhece também sabe a mãe devotada que ela foi. O que talvez poucos saibam, é que ela foi uma mãe não só para nós dois, mas para muitos outros que puderam testemunhar o seu exemplo de dedicação.
Ela trabalhava muito, vivia cansada. Mas nunca desistia. Quantas vezes a vimos ir dormir de madrugada, 2, 3 da manhã, preparando trabalho para o dia seguinte. Quantas vezes ela estava cansada, mas lá estava ela no dia seguinte, trabalhando junto com o meu irmão (com o apoio da nossa tia e do nosso padrasto) no Hotdog do Chef Lipe. Foram inúmeras essas vezes!
Era uma luta constante, diária. Era mesmo exaustivo, mas lá estava ela. Tudo pelo meu irmão, tudo para vê-lo realizado, tudo na tentativa de tornar a vida dele a mais normal possível.

Kátia na formatura de Lipe em gastronomia
Eu quero que todos os que vão ler essa carta aberta saibam que, dentro dessa luta da nossa mãe, dentro dessa jornada de sacrifícios, ela recebeu muitos nãos, como de escolas de renome de Maceió que não aceitaram o meu irmão; enfrentou junto com ele olhares e comentários preconceituosos, julgadores, maldosos.
Quantas vezes ela voltou para casa triste, chorando, porque não haviam aceitado o meu irmão em alguma escola que ela queria que ele estudasse? E ele, inocente, se perguntava se ele fez algo de errado e o porquê de não ter sido “aprovado” naquela instituição.

Felicidade: Kátia com Lipe e Marcelo
E lá ia a minha heroína explicar que NADA, absolutamente nada de errado ele tinha feito, e que ela ia arranjar outro lugar para ele estudar.
Daí, mais uma vez por Felipe, nossa mãe, nossa rocha, foi estudar pedagogia. Depois se pós graduou e ainda fez um mestrado. Estava constantemente envolvida com a educação do meu irmão e escolheu esse curso por causa dele.
Antes, ela havia estudado Contabilidade e trabalhava em bancos. Tudo por Felipe, tudo por nós. Que mãe! Que mãe doadora, devotada, a nossa. Por esses motivos e outros que eu não tenho a capacidade de lembrar, já que são tantos, ela foi uma mãe exemplar não só para nós.

Kátia com Lenita, amor para sempre
Ela ensinou como educadora e como cidadã que a pessoa com síndrome de Down pode ter uma vida regular e que cada um tem suas peculiaridades, independentemente de ter uma síndrome ou não. Ela ensinou respeito e cidadania. Ela derrubou barreiras com muito suor e lágrimas.
Muita lágrimas foram derramadas na nossa casa para fazer as pessoas entenderem que a pessoa com síndrome de Down merece o nosso respeito.
Então, no dia de hoje, e em memória dela, eu peço a você que está lendo a minha carta (escrevo de Portugal, onde moro), que quando você estiver na presença de uma pessoa com síndrome de Down ou que tenha uma outra condição como essa, que você se lembre dessa carta.

Brinde a cada conquista do Lipe
Que você se lembre da minha mãe, do esforço dela para incluir o meu irmão na nossa sociedade. Que você trate as pessoas com mais amor, com mais paciência, com mais compaixão e pense que por trás dessa pessoa, existe uma família morrendo de medo que ela seja maltratada, ou que ela sofra.
Ajude, não julgue. A missão da minha mãe, e eu disse isso a ela, foi a de nos educar. Primeiro, a mim e a Felipe como filhos. Depois, a todos nós, como cidadãos. Nós somos melhores por causa dela.

Bonequinho do Chef Lipe quando completo o hot dog completou um ano
Maceió é melhor por causa da luta dela. Ela já nos ensinou que a pessoa com síndrome de Down merece todo o nosso apoio e respeito.
Então, vamos fazer o que a nossa professora nos ensinou, vamos tirar um 10. Para ela, para as pessoas com síndrome de Down, e por Maceió.

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