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Pausa para a Leitura: Se eu encontrasse com a minha mãe

*Por Fernanda van der Laan | 29/10/23 - 09h00

Eu queria encontrar a minha mãe com a minha idade. Queria ouvi-la falar sobre as coisas importantes da vida – antes da vida ter tirado tão mais dela que os anos. Adoraria vê-la dançando ou acompanhá-la num passeio de carro ao som das músicas que ela gostava. E eu adoraria ouvir as músicas que ela escutava. E ver os esmaltes que ela escolhia. Saber qual roupa escolheria caso fosse sair para jantar com o meu pai numa data especial. Queria saber dos sonhos, dos medos, queria saber se ela seria minha amiga, caso eu não fosse sua filha. E queria descobrir se eu gostaria dela, caso ela não fosse minha mãe. Se fôssemos contemporâneas, o que nos aproximaria? Se vivêssemos no mesmo tempo, será que teríamos afinidade? O que, genuinamente, a emocionaria? Que segredos ela esconderia? O que ela confessaria?

Se eu pudesse acompanhá-la num dia comum de anos atrás, sem as cicatrizes dos anos, sem os lutos acumulados, sem os calos engrossados, que mulher eu veria? O que as flutuações hormonais e os ciclos perdidos me revelariam? O que a pele viçosa mostraria? O que será que esta mulher desconhecida me ensinaria? Que conselhos receberia? E quais eu rejeitaria? Por quais caminhos ela me levaria? Será que eu seguiria? Será que eu a reconheceria?

Eu posso supor, mas nunca saberei. O tempo, a dor e as experiências têm um poder transformador e maior do que supomos. E o vínculo parental sacramenta relações afetivas – muitas vezes completamente improváveis se fossem eletivas. Não sei se, de fato, seriamos amigas. Se seriamos parecidas.

Imaginar diálogos triviais e profundos com quem ela foi é muito difícil. Imaginar uma conversa com a minha mãe da minha idade – se ela não fosse a responsável por minha vida inteira – é quase impossível.

O abismo intransponível dos anos e o fato de termos vindo ao mundo como mãe e filha cria uma limitação quase dolorosa na minha capacidade imaginativa.

E eu queria me apresentar hoje para ela – cheia de vida e futuro. E o que ela pensaria? Caso eu entrasse na casa dela com minha forma de mulher, o que será que ela sentiria?

Nunca saberei, nunca imaginarei. Mas uma coisa eu sei. Os meus filhos, ela amaria.

► *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima