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Em 2017, o mundo bateu recorde de crianças vacinadas, segundo dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da OMS (Organização Mundial da Saúde). A imunização alcançou 123 milhões de crianças no mundo. O Brasil, por outro lado, vai no caminho contrário, com queda nas taxas de imunização.
As informações dos órgãos da ONU mostram que, a cada dez crianças, nove foram vacinadas pelo menos contra difteria, tétano e coqueluche -a tríplice bacteriana. Ao mesmo, no Brasil, a cobertura dessa vacina caiu de 90%, em 2015, para 78,2%, em 2017.
Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, a imunização de bebês e crianças apresentou, em 2017, a menor taxa dos últimos 16 anos. As vacinas para menores de um ano, por exemplo, alcançaram entre 70,7% e 83,9% de quem deveriam atingir, valores abaixo da meta do ministério.
A OMS e a Unicef também afirmaram que a cobertura mundial contra sarampo e rubéola agora chega a pouco mais da metade da população mundial -52% em 2017 contra 35% em 2010. Além disso, a vacinação para HPV (papiloma vírus humano) teve início em 79 países. Ela é importante como forma de prevenção de câncer do colo do útero.
Mesmo com o número recorde alcançado, em 2017 cerca de 20 milhões de crianças não foram totalmente imunizadas, das quais 40% se encontram em situação vulnerável ou crises humanitárias.
Os novos dados, porém, levantam um alerta: vacinas que estão disponíveis mas que ainda possuem pequena presença nos calendários vacinais.
A vacina a contra rotavírus, que pode causar diarreias graves, febre e vômitos, é um dos exemplos, com cobertura global de somente 28%. Outras são as vacinas pneumocócicas conjugadas, que trazem proteção contra doenças como pneumonias e meningite, e têm cobertura de 44%. Essas duas imunizações, afirma a OMS, podem reduzir substancialmente as mortes de crianças com menos de cinco anos.
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É verdade que pais que não vacinam filhos podem ser multados?
Sim, mas pena não é aplicada; tema costuma ser resolvido pelo conselho tutelar
A vacinação de crianças é uma obrigação dos pais e, caso não seja cumprida, a família pode ser obrigada a participar de programas sociais, levar multas e até mesmo ter a guarda do filho suspensa.
Recentemente, o país registrou quedas na cobertura vacinal. A vacinação de crianças atingiu seu índice mais baixo em 16 anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, as vacinas indicadas para menores de um ano ficaram com índices entre 70% e 83% -inferiores à meta da pasta.
Com essa queda da cobertura, as possibilidades de ação começam a ser questionadas e muitas postagens sobre o assunto são compartilhadas nas redes sociais. Uma delas relata a possibilidade de multa em casos de falta de vacinação.
Realmente, "o descumprimento tem previsão no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] de multa", diz Ricardo de Moraes Cabezón, presidente da comissão de direitos infanto-juvenis da OAB-SP.
O ECA, em seu parágrafo único do artigo 14, determina a obrigatoriedade da vacinação de crianças nos casos que forem recomendados por autoridades sanitárias.
Cabezón afirma que, além disso, esse tipo de caso pode ser juridicamente enquadrado como um crime contra a saúde pública, considerando que a criança se torna um vetor de risco.
Mas a previsão legal não é necessariamente refletida no cotidiano, segundo especialistas da área de imunização. "Nunca soubemos de multa", diz Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SbIm).
Marco Aurelio Safadi, presidente do departamento de imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo, também diz nunca ter visto casos em que pais foram multados.
O mais comum, segundo Cabezón, é a ação do conselho tutelar por meio de advertências. "Nunca vi a destituição do poder familiar, a aplicação de multa ou alguma consequência mais grave."
De acordo com Ballalai, já houve casos em que, a partir de denúncias, os pais foram obrigados por sentença judicial a vacinar os filhos. Mas, antes de apelar para esferas legais, a especialista defende que o pediatra busque convencer a família da importância da vacinação.
Os especialistas dizem, porém, que é impraticável aumentar a taxa de vacinação por meio de denúncias. "Você fica enxugando gelo", diz o presidente da comissão de direitos infanto-juvenis da OAB-SP. Ele afirma que as escolas poderiam ter um papel central no combate ao problema, cobrando a caderneta de vacinação e acompanhando a sua atualização.
"Medidas autoritárias ou truculentas não são a solução para o problema, que deveria ser combatido com informação", diz Safadi.
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Simulador mostra berços, museus e túmulos da biodiversidade da América
Estudo da Science recriou os processos que levaram à formação das espécies da América do Sul
Reinaldo José Lopes
SÃO CARLOS
Uma simulação de computador criada por biólogos brasileiros, americanos e europeus conseguiu recriar, com fidelidade surpreendente, os processos que levaram à formação das espécies de animais e plantas da América do Sul. Resultado: as montanhas dos Andes parecem ter sido o fiel da balança no desenvolvimento da grande biodiversidade sul-americana, influenciando até regiões longínquas, como a mata atlântica na costa brasileira.
O modelo computacional apontou ainda as áreas que podem ser consideradas "berços" de espécies, as que têm papel de "museus" (onde espécies tenderiam a persistir por mais tempo sem se extinguir) e os "túmulos", locais onde o risco de extinção é naturalmente maior.
"Surpreendentemente, os Andes ocupam todos os três papéis", diz Thiago Rangel, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás. Rangel é um dos coordenadores do estudo, publicado em artigo na última edição da revista especializada Science, uma das mais importantes do mundo.
A simulação faz parte do esforço para tentar entender os padrões profundos da biodiversidade, ou seja, quais os fatores que fazem com que certas áreas do planeta acabem sendo agraciadas pela evolução com uma variedade de espécies fora do comum, como é o caso da América do Sul.
Neste pedaço do continente americano, esses padrões começaram a ser forjados há dezenas de milhões de anos. A equipe, porém, decidiu tentar reproduzir fenômenos mais recentes de diversificação de espécies, a partir de 800 mil anos atrás e chegando até o presente - isso porque esse período abrange boa quantidade de dados paleoclimáticos (ou seja, do clima do passado) bastante confiáveis. Isso permite simular vaivéns de calor e frio, secura e umidade, que poderiam afetar a sobrevivência e a diversificação das espécies ao longo do tempo.
No modelo computacional, a América do Sul foi dividida em retângulos, cada qual com parâmetros climáticos - temperatura e quantidade de chuva - que podiam variar conforme séculos e milênios transcorriam. Esses retângulos podiam abrigar uma ou mais espécies, caso elas tivessem capacidade de se adaptar às condições prevalentes em cada área.
Finalmente, o cenário inicial incluía quatro "espécies fundadoras" (ou seja, ancestrais das que viriam depois), distribuídas respectivamente pela Amazônia, pelos Andes, pela mata atlântica e pela Patagônia e ocupando vários retângulos. A simulação podia variar parâmetros como a capacidade de dispersão dessas espécies, ou seja, a que distância de seus retângulos natais elas podiam estabelecer novas populações, e a sua capacidade de aguentar condições climáticas variáveis.
Após "rodarem" as simulações diversas vezes, os pesquisadores verificaram que, apesar de elas serem uma versão muito simplificada dos processos reais que geraram a biodiversidade sul-americana, mesmo assim seus resultados são muito parecidos com mapas reais da variedade atual de espécies de mamíferos, aves e plantas da região.
Nas três categorias - berços, museus e túmulos -, a região dos Andes mais próxima da Amazônia mostrou ser a mais importante. Entre os berços, a mata atlântica também se destaca, enquanto as terras baixas da Amazônia e a Patagônia seriam túmulos importantes.
E o que está por trás da aparente magia evolutiva dos Andes? "Por causa da altura das montanhas, há todos os tipos de climas em um espaço geográfico muito pequeno. Isso significa que é possível abrigar mais espécies em uma região muito menor. Por isso, quando os ciclos de glaciação chegam, esse é o melhor lugar para estar, pois há maior chance de as espécies estarem próximas de um clima adequado às suas preferências", explica Rangel. "Os Andes são um verdadeiro porto seguro para espécies. Se esquentar, basta subir a montanha para se manter confortável. Se esfriar, basta descer a montanha."
Já a condição de túmulo, aparentemente paradoxal, está ligada à própria abundância de espécies - se há mais delas em certo lugar, algumas também vão acabar desaparecendo ali - e, de novo, à fragmentação da área ocupada pelas espécies, o que pode aumentar o risco de extinções. "Já a Amazônia é um túmulo pela homogeneidade climática ao longo de uma vasta área. Se você estiver no meio da Amazônia, especializado em clima quente e úmido, e isso se alterar, você realmente não terá para onde fugir", diz o pesquisador.
O vaivém climático também permitiu que as espécies andinas se espalhassem por outros locais da América do Sul quando condições favoráveis a elas se tornavam mais comuns pelo continente. Também há sinais dessa troca de espécies entre a Amazônia e a mata atlântica no passado, em fases de aumento de umidade: nesses casos, a floresta tropical se expande, formando uma ponte entre os dois biomas passando pelo Pantanal.
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