• ESPECIAL TNH1 / POR EBERTH LINS

• 29/06/2022


No dia 3 de março de 2018 um tremor de terra dava início a uma tragédia que iria resultar no deslocamento de mais de 57 mil pessoas vítimas do afundamento do solo em quatro bairros da capital alagoana. Um cenário dramático que arrancou, abruptamente, 14.500 famílias de seus lares nos bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto. Mas além das residências, os escombros em que se transformou a região também expulsaria centenas de pequenos e médios comerciantes. Padarias, lojas, mercadinhos que atendiam à população e movimentavam a economia local, gerando emprego, renda e sustento para cerca de seis mil comerciantes afetados por um fenômeno sem precedentes no Brasil.

Expulsos dos bairros onde tinham clientela fiel e uma história de vida, esses comerciantes tiveram que recomeçar praticamente do zero. É sabido que empreender já não é uma tarefa fácil em condições normais, mas para esses empresários a situação atípica tem feito com que o recomeço seja ainda mais desafiador.  

Como eles começaram a se reerguer? O TNH1 conta nesta matéria histórias de quem ainda luta para refazer seu negócio e dar um sentido à vida familiar e financeira.

Gente como o José Ivanildo de Lima, que aos 49 anos, recorreu ao Sebrae para não fechar as portas da empresa familiar, uma sorveteria tradicional, parte da memória afetiva de muitos moradores do Pinheiro, que hoje funciona em novo endereço. Um recomeço agora guiado por conhecimentos, que “Seu Ivanildo”, como é carinhosamente chamado pelos clientes, não imaginava que pudesse voltar a precisar. 

FALÊNCIA CHEGOU A 1 TERÇO DOS 6 MIL EMPREENDIMENTOS AFETADOS 

A Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada diz que não sabe precisar a quantidade de empreendimentos que fecharam as portas após o tremor de terra transformar a região em um verdadeiro campo minado.

Mas a entidade estima que nos quatro bairros mais de 6.000 empreendedores foram afetados pelas consequências do afundamento do solo. Desses, pelo menos um terço dos negócios faliram ou estão sendo mantidos de forma precária. Já a Braskem,  por meio do Programa de Compensação Financeiro e Apoio à Realocação (PCF), diz ter identificado, até maio deste ano, 4.318 comércios ou empresas em toda a área de desocupação.

"Temos hoje menos de 2.500 empreendedores indenizados, sem falar que essa parcela foi indenizada sem reconhecimento de dano moral pela empresa causadora, que reconhece menos de 4.500 empreendedores dentro do mapa. E os demais, como vão viver e reconstruir suas vidas sem a devida indenização?", relata o presidente da entidade, Alexandre Sampaio. 

A cabeleireira Erika Maria faz parte desta triste estatística. Ela conta que perdeu quase tudo depois que o salão de mais de uma década, no bairro Bebedouro, foi obrigado a fechar as portas. 

" A minha vida virou de ponta a cabeça e falo isso de forma pejorativa. Eu tive que mudar meu padrão de vida, ando me desfazendo de bens que conquistei com muito trabalho para sobreviver. Esses dias tive que vender até o carro, também desenvolvi problemas de saúde. Antes disso, minha vida era outra, tinha um salão cheio de clientes, ofertava vários serviços e até loja de roupa montei dentro do salão. Minha renda era certa, cheguei a ter meia dúzia de funcionárias'', lembra a empresária com tristeza.

TRAGÉDIA DO PINHEIRO DESFEZ NEGÓCIOS E SONHOS, QUE COMEÇAM A SER RETOMADOS

A comunidade do Pinheiro acompanhou a consolidação da Sorveteria Belo Monte, batizada com o nome da cidade natal de “Seu Ivanildo”, comerciante que coleciona histórias do bairro onde o empreedimento se tornou ponto de encontro. Um sonho que começou em São Paulo, foi o pontapé para retornar a Alagoas, onde o negócio se solidificou. Uma história de sucesso que, repentinamente começou a ruir em 2018, com o bairro afundando, junto aos sonhos do empreendedor. Ele conversou com o TNH1, em seu novo local de trabalho, onde recomeçou. Cheio de esperanças, ele relembra como tudo começou.

"Comecei vendendo o sorvete na vizinhança. A notícia foi se espalhando e passei a vender também na empresa onde trabalhava. Daí pensei: se aqui em São Paulo está dando certo, onde temos praticamente dez meses de frio e dois de calor, em Alagoas vai ser ainda melhor. Juntei o útil ao agradável e voltei para Alagoas feliz e fazendo uma coisa que eu me apaixonei”, brincou.  "A sorveteria sempre foi o negócio da nossa família, trabalhamos e conseguimos realizar muitas coisas". 

Mas os sonhos foram abalados com a desocupação do bairro. "Um dia de domingo um senhor chegou lá perguntando se ainda era seguro, já que tinha essa história de que o bairro está afundando e os nossos vizinhos começaram a se mudar. Ele era um cliente antigo, daqueles que criamos uma relação de amizade, mas deixou de ir na loja e começou a pedir via telefone, foi quando a ficha caiu", lembra, emocionando.

70% dos clientes sumiram: hora de buscar ajuda

Ivanildo conta que depois de perder mais de 70% dos clientes passou a vivenciar dias difíceis e que por pouco não encerrou as atividades. "Ficamos até onde podemos, mas estava insustentável. Foi quando procuramos o Sebrae, que nos assistiu e tem nos acompanhando até agora, as meninas [ele referindo-se às técnicas do Sebrae] viraram da família. Estamos sendo acompanhados por pessoas que entendem do que se trata o nosso negócio financeiramente e emocionalmente", diz. 

A história entre Ivanildo e o Sebrae ganhou mais um capítuto com o suporte da ferramenta “Radar de Oportunidades”, onde o empreendedor recebe uma radiografia completa sobre mercado e localização ideal para seu negócio. Munido dessas informações, a Belo Monte ganhou novo endereço, e abriu as portas no bairro Santa Lúcia, na parte alta de Maceió.

Empolgado, o empreendedor fez uso também da consultoria para negócios digitais. A partir disso, incluiu os produtos da sorveteria no catálogo do Ifood.  "Com a experiência deles [os técnicos do Sebrae] encontramos um bom local, o bairro aqui é populoso e vislumbramos crescimento. Nosso objetivo, nosso sonho é crescer mais, ampliar o número de funcionários e gerar empregos", diz Ivanildo, otimista.  

"O Sebrae é o que chamo de parceirão. Ele já está nas nossas vidas há tempos e tem sido muito importante para nós, principalmente nesse processo. Enquanto muitas empresas que funcionavam no Pinheiro e nos outros bairros das áreas de risco fecharam, nós conseguimos mudar e estamos resistindo. As coisas estão caminhando, ainda é distante do que tínhamos, mas estamos no caminho", diz o empreendedor ao contar a história da sorveteria que ganhou o coração e que há quase uma década adoça a vida dos maceioenses.

No vídeo abaixo, Ivanildo contato sua história de superação:

Edição de vídeo: Wando Cajueiro

"Radar" recoloca clínica no mercado após localização dos sonhos no Pinheiro virar pesadelo

A clínica de saúde do trabalho Preven + tinha somente três anos e começava a se consolidar quando o solo começou a afundar no Pinheiro e o negócio começou a desandar. A história desse declínio quem conta é o próprio empreendedor, Eric Batista. "No início, quando idealizamos a clínica, a localização era muito promissora. O local escolhido foi a Rua Miguel Palmeira, próximo a corredores de transportes e  local de passagem de muitos trabalhadores. Começamos lá em 2016 e nos estabelecemos, até que houve o tremor de terra e os pacientes passaram a questionar a segurança da localidade. Eles tinham receio de ir até a clínica com medo do bairro afundar", explica.

"A gente percebeu que nosso público começou a diminuir, os trabalhadores deixaram de nos procurar para exames por esse medo e essa insegurança pelo local. Para se ter ideia, imediatamente a nossa receita reduziu em 25%, inclusive foi preciso fazer demissões", complementa Batista.

A mudança, no entanto, não foi protelada pelo empreendedor, que contou com o estudo de território do Radar de Oportunidades. “Foi bastante desafiador, mas como empregador, precisava tomar uma decisão rápida. Os planos não permitiam que a gente continuasse no bairro Pinheiro. Foi  uma mudança ousada, visto que fomos para um lugar maior e que o mercado imobiliário está inflacionado justamente por conta dos problemas no Pinheiro. A gente teve que recorrer a créditos para suportar e não ser mais uma empresa a ruir", conta Eric. Assista:

Edição de vídeo: Wando Cajueiro

Suporte decisivo - O empreendedor diz que o suporte do Sebrae foi decisivo para manter o empreendimento diante do cenário de quebradeira geral. "Está com a gente desde sempre. Costumo dizer que o ambiente do Sebrae impulsiona o empreendedor principalmente nas suas lacunas. Acho que nós, empreendedores e empregadores, nunca estamos prontos e poder contar com essa assessoria em diversas áreas para tomada de decisões faz com que a gente siga. A gente consegue absorver orientações de gente que tem mais propriedade e experiência", comemora.

Passado o momento difícil no Pinheiro, o empreendedor fala sobre os planos para o futuro. "Nosso objetivo agora é diversificar ainda mais a carteira de serviços, com foco na satisfação do cliente. Os planos de saúde estão aí, mas cada vez menos pessoas têm acesso,  estão em declínio, e do outro lado temos o SUS com déficit gigante. Nossa clínica quer se inserir nesse meio como uma alternativa rápida e viável", complementou.

SEBRAE: SUPORTE MINIMIZA DANOS E ACOMPANHA RETOMADA DE NEGÓCIOS

Ainda no início do processo de notificação para que essas empresas deixassem a região, uma instituição foi especialmente necessária para minimizar os danos causados aos empresários e evitar que muitos desses negócios fechassem as portas de vez. O Sebrae Alagoas, desde 2019, tem acompanhado clientes que manifestaram interesse em adotar soluções, principalmente no que diz respeito ao processo de realocação.  

Um escritório do Sebrae com um consultor "full time" chegou a funcionar no Pinheiro, onde eram ofertados orientações e capacitações específicas de marketing, vendas e finanças, por exemplo, para avaliar e propor novos modelos de negócio a empresários afetados.  Entre os serviços, destaque para o Radar de Oportunidades,  um estudo de território realizado e disponibilizado pelo Sebrae para que os empresários possam compreender melhor possíveis espaços para realocação.  "Com a ferramenta, eles conseguem saber a população, a quantidade de negócios e o perfil de consumo dos moradores da região para onde pretendem fazer a mudança, segundo a faixa etária", explicou a gerente-adjunta de Relacionamento Empresarial do Sebrae, Fatima Aguiar, acrescentando que o levantamento só contabiliza negócios formalizados. 

Outro destaque é a ferramenta Canvas Modelo de Negócios. "Nessa, o trabalho é mais focado em logística e no que de importante o empresário precisa se ater para se manter de pé, nas novas políticas para se reposicionar e ser mais assertivo. Nós pensamos e acompanhamos a readaptação, a mudança da oferta de produtos e serviços, além da parte de transformação digital", emendou Aguiar.

Acompanhamento é gratuito e Sebrae tem capacidade para atender mais empreendedores 

A adesão aos serviços e capacitações do Sebrae, embora boa parte sejam gratuitos, ainda é pequena. "São poucos os que aderiram e isso é muito ruim, porque a gente abre a porta, mas não vê essa procura por parte dos empresários. A gente tem oferecido esses suporte para todos e observamos que esses serviços podiam ter uma melhor adesão", pontua a gerente Fátima Aguiar, acrescentando que o problema tem prejudicado, princialmente, pequenos negócios, aqueles capitaneados por pessoas que empreendem por necessidades. "Sofrem mais aqueles que não eram formalizados e alguns MEIs, por exemplo. No caso dessas pessoas, as necessidades e prioridades são outras, a sobrevivência fala mais alto e nessa hora eles não conseguem entender o tamanho dessa oportunidade para os negócios", frisa.

Técnicos do Sebrae, empreendedores e representantes do governo estadual / reunião em busca de ações para minimizar danos aos comerciantes.

SOLUÇÕES SEBRAE SÃO GRATUITAS; SAIBA COMO TER ACESSO

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) oferece orientação, capacitação e consultoria de atendimento, tanto presencial quanto remotamente, gratuitamente. Uma dessas ferramentas é o Radar de Oportunidades, utilizadas pelos empreendedores Ivanildo e Eric. Com o Radar, quem pensa em abrir um negócio pode contar um estudo geográfico e ter informações concretas sobre quantidades de empresas e população da localidade escolhida, por exemplo.

Quem tem interesse nas soluções deve entrar em contato no 0800 570 0800 e agendar ou acessar https://www.hubsebrae.com.br/agendar-atendimento.  O Sebrae subsidia até 70% de uma consultoria, em diversas áreas, dentro da empresa do cliente, sendo esta com mais profundidade.

Em Alagoas, o interessado pode ir pessoalmente, sem a necessidade de agendamento, à agência, que fica na Rua  Marinho de Gusmão, número 46, no Centro de Maceió.

Radar de Oportunidades: ferramenta trabalhar, entre outras funções, melhor localização para empreendimentos

Braskem - A reportagem também entrou em contato com a empresa Braskem para buscar informações sobre apoio e indenizações para os empreendedores afetados.

A mineradora diz que desde fevereiro do ano passado, para garantir mais agilidade nos atendimentos, técnicos sociais exclusivos oferecem suporte aos comerciantes e empresários, tirando dúvidas e dando suporte no levantamento de informações e documentos.

“O fluxo de realocação dos comerciantes e empresários começa com a identificação do imóvel pelos técnicos sociais. Equipes de mudança organizam e embalam todo o maquinário, equipamentos e estoque de produtos, que são levados na data agendada a um novo endereço da empresa - ou a um depósito. A Braskem cobre todo o custo de realocação. Nesta etapa, o empresário pode pedir um adiantamento da compensação financeira para cobrir despesas extras referentes à mudança de local. Comprovada a necessidade para realocação, a antecipação não é descontada.  Aqueles com atividade econômica não formal ou os microempreendedores individuais têm direito a um adiantamento da compensação no valor de R$10 mil. Para empresas de micro, pequeno, médio e grande porte, o valor a ser antecipado é proporcional ao porte de cada negócio. Também é possível solicitar a antecipação de custos comprovados por orçamentos”, explicou, em nota, a multinacional.

► EXPEDIENTE

• Reportagem e texto: Eberth Lins

• Edição de texto: Gilson Monteiro

• Edição de vídeo: Wando Cajueiro

• Artes gráficas: Filipe Cabral

• Foto Pinheiro: Itawi Albuquerque