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Os debates em torno das mudanças na lei do trabalho escravo

21/10/17 - 09h26
Thinkstock

Na última segunda-feira (16), o governo federal publicou uma portaria anunciando mudanças na lei sobre o trabalho escravo.

As novas medidas, que alteram os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para a concessão de seguro desemprego, ganharam defensores e detratores ao longo da semana.

A reação contrária, inclusive, fez com que o governo considerasse voltar atrás no tema.

A nova norma determina que, para configurar a ocorrência de trabalho degradante, será preciso comprovar que o trabalhador era impedido de se deslocar e que havia segurança armada no local para vigiá-lo.

Além disso, a divulgação do nome das empresas que sujeitam trabalhadores a essas condições será feita pelo próprio ministro do Trabalho e não mais pelo corpo técnico do Ministério.

Quem defende as normas aponta que elas apenas especificam o que já era previsto em lei, ajudando na fiscalização e punição e garantindo o direito de defesa das empresas.

Quem é crítico da medida lembra que elas foram anunciadas logo após a demissão do coordenador nacional de fiscalização do trabalho escravo do Ministério, e aponta que as especificações vão tornar cada vez mais difícil enquadrar os responsáveis.

Entenda os argumentos de quem assume cada uma das posições no debate:

A favor da nova lei

Para a ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, Maria Aparecida Pellegrina, a portaria na verdade, especifica conceitos que, pela regra anterior, eram muito amplos.

Em artigo, ela afirma que a nova redação sintetiza “excessos procedimentais, que não apenas impediam o efetivo cumprimento da Portaria referida, como criavam obrigações ao administrado, que realmente não seriam cumpridas, por impossibilidade material”.

A nova redação ainda garante que as empresas tenham direito de ampla defesa antes de ir para a “lista suja” do trabalho escravo, afirma Pellegrina.

Antonio Galvão Peres, que é sócio do Robortella Advogados e foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados de São Paulo, também defende a nova redação. Segundo ele, essa é uma discussão técnica que está sendo ideologizada.

“Antes da portaria não havia clareza, e ocorriam situações absurdas, como uma mera jornada excessiva bastando para caracterizar a situação análoga à de escravo. A empresa não tinha direito nem a levar testemunhas, não havia ampla defesa, a palavra do auditor prevalecia do início ao fim do processo”, criticou.

Bruno Freire e Silva, professor da pós-graduação em Direito da FGV e professor adjunto de Teoria do Processo na UERJ, também acredita que as mudanças são positivas, depois de, segundo ele, ter presenciado muitas injustiças contra empresas em casos de denúncia.

“A nova redação garante maior razoabilidade na punição. A empresa que coloca trabalhador em condição degradante, trabalho exaustivo, continua a ser penalizada, mas não vai para uma lista suja, sofrendo danos de tal monta que podem até inviabilizar a atividade empresarial”, argumentou.

Em relação à sanção do ministro, ele afirmou que deve-se partir do pressuposto de que ele vai atuar em consonância com as decisões da equipe técnica. “E, se houver suspeita de que o ministro sucumbiu às pressões de grupos empresariais, o Ministério Público pode levar a questão para os tribunais”, argumenta.

Os advogados destacaram que não são contrários à fiscalização e punição do trabalho escravo, apenas que acham que as alterações na lei vão tornar o processo mais justo.

Veja quem defendeu:

  • Confederação Nacional da Indústria
  • Integrantes da bancada ruralista
  • Gilmar Mendes
  • Blairo Maggi

Contra a nova lei

Segundo a Repórter Brasil, agência jornalística que acompanha casos de trabalho escravo, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), que coordena a atividade dos auditores fiscais responsáveis pelos flagrantes, enviou um comunicado interno dizendo que não foi consultada para a elaboração da portaria.

“A SIT orienta seus auditores a manter, por ora, as práticas conduzidas pelos normativos que até então regularam a fiscalização para a erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo”, afirma o texto.

A Comissão Pastoral da Terra e a Conectas recorreram à ONU pedindo que o Brasil seja punido pelo “retrocesso” na legislação, e apelando que o órgão obrigue o país a revogar as novas regras.

O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho, Tiago Muniz Cavalcanti avaliou que a portaria viola tanto a legislação nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil.

“O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT. O Ministério Público do Trabalho tomará as medidas cabíveis”, disse por meio de nota.

A secretária nacional da cidadania do governo Temer e presidente da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), Flávia Piovesan, disse à BBC que as novas normas são “inaceitáveis”. Ela ressaltou, ainda, que a portaria é ilegal, pois contraria a Constituição e o Código Penal Brasileiro.

Os auditores fiscais de 21 estados brasileiros fizeram uma paralisação contra as mudanças da lei.

Veja quem foi contra as mudanças das regras:

  • Área técnica do Ministério do Trabalho
  • Ministério Público do Trabalho
  • Ministério Público Federal
  • Organização Internacional do Trabalho (OIT)
  • Comissão Pastoral da Terra e Conectas
  • Fernando Henrique Cardoso e Marina Silva.