Uma rotina alimentar equilibrada exerce papel essencial na manutenção da saúde física e mental. Em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse cuidado ganha relevância adicional, já que é comum haver dificuldades relacionadas à ingestão de determinados alimentos — chamada de seletividade alimentar.
LEIA TAMBÉM
Para esclarecer os obstáculos mais recorrentes enfrentados por famílias, cuidadores e autistas, além de destacar quais componentes da dieta merecem atenção especial nesse contexto, entrevistamos Aline de Piano Ganen, coordenadora do Mestrado Profissional em Nutrição da Pós-Graduação São Camilo. Confira!
Indivíduos com TEA podem apresentar alguns déficits nutricionais associados a possíveis restrições e comportamento alimentar seletivo, tais como: cálcio, proteínas, zinco, vitamina D e B12. Essa ingestão inadequada pode resultar em comprometimento do crescimento e desenvolvimento, aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade.
Suplementos de ômega 3 e vitamina D têm sido estudados em relação ao autismo. A suplementação combinada mostrou efeitos positivos nos sintomas sociais e comportamentais de indivíduos com autismo. Entretanto, reforça-se a necessidade de mais estudos para que seja um consenso.
A seletividade alimentar em crianças autistas pode estar relacionada a sensibilidades sensoriais, preferências por texturas específicas ou dificuldades com mudanças na rotina. Uma técnica eficaz é a “cadeia alimentar”, também chamada de Food Chaining, que introduz gradualmente novos alimentos semelhantes aos preferidos da criança, facilitando a aceitação.
Além da cadeia alimentar (food chaining), é útil envolver a criança na preparação das refeições, oferecer escolhas dentro de uma variedade limitada e manter uma rotina consistente nas refeições. A paciência e a celebração de pequenos progressos são essenciais. Além disso, o acompanhamento com nutricionista especializado neste público é essencial para a adoção de estratégias efetivas.
Respeitar as sensibilidades sensoriais da criança é crucial. Ofereça alimentos com texturas aceitáveis e, gradualmente, introduza novas texturas em pequenas quantidades, sempre observando a reação da criança e evitando forçar a aceitação.
As evidências sobre os benefícios da dieta GFCF são mistas. Alguns estudos relatam melhorias nos sintomas do autismo, enquanto outros não encontram efeitos significativos, reforçando a necessidade de mais estudos para ser um consenso no TEA. Devemos também considerar sempre a individualidade de cada paciente.
Dietas como a cetogênica ou low-FODMAP podem ser consideradas para indivíduos autistas com distúrbios gastrointestinais específicos, mas devem ser implementadas sob orientação e supervisão médica e de nutricionista devido à sua complexidade e possíveis efeitos colaterais.
Restrições alimentares sem orientação adequada podem levar a deficiências nutricionais, comprometendo o crescimento e a saúde geral, bem como piorar um quadro de seletividade alimentar. É fundamental buscar orientação de profissionais qualificados na área de nutrição e TEA ao considerar mudanças significativas na dieta.
O eixo intestino-cérebro refere-se à comunicação bidirecional entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central. Alterações na microbiota intestinal têm sido associadas ao autismo, e estudos sugerem que probióticos podem melhorar sintomas gastrointestinais e comportamentais em alguns casos. Entretanto, são necessários mais estudos para definição de quais cepas, quantidades e orientações individualizadas.
Uma meta-análise encontrou uma associação positiva entre o consumo de açúcar e bebidas açucaradas e os sintomas de TDAH em crianças, entretanto, os pesquisadores destacam a necessidade de mais estudos para confirmar essa relação. Outro estudo sugere que alimentos ricos em açúcares, corantes artificiais e conservantes químicos podem contribuir para o aumento do risco de TDAH. No que se refere ao TEA, ainda são necessários mais estudos para estabelecer essas relações.
Desta forma, reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e açúcares adicionados pode ser benéfico. Optar por uma dieta equilibrada, rica em frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras, pode contribuir para a melhora do bem-estar geral e dos sintomas comportamentais. É importante consultar profissionais de saúde para orientações personalizadas.
A suplementação deve ser considerada quando há deficiências comprovadas ou necessidades específicas, sempre sob orientação profissional. Monitorar mudanças nos sintomas e realizar avaliações periódicas ajuda a determinar a eficácia da suplementação.
Suplementos devem ser administrados com cautela. Alguns podem interagir com medicamentos ou ter efeitos adversos. Sempre consulte um profissional de saúde antes de iniciar qualquer suplementação.
Buscar orientação de nutricionistas em serviços públicos de saúde, aproveitar programas de assistência alimentar e focar em alimentos nutritivos e acessíveis pode ajudar a garantir uma dieta balanceada dentro das limitações financeiras.
Escolas e cuidadores podem colaborar com famílias e profissionais de saúde para criar planos alimentares individualizados, oferecer ambientes de refeição tranquilos e respeitar as preferências e sensibilidades alimentares da criança.
Um mito comum é que dietas específicas podem “curar” o autismo. Embora a nutrição adequada seja crucial, não há evidências de que qualquer dieta elimine os sintomas do autismo. Um planejamento e manejo individualizado, por meio de estratégias específicas para esse público, são primordiais para a promoção de qualidade de vida desses pacientes e de suas famílias.
Por Carolina Fleischman
+Lidas