Texto de Nuno Vasconcellos:
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Quem não gosta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aplaudiu a ordem do ministro Alexandre de Moraes — que, na sexta-feira, impôs o uso de tornozeleira eletrônica e mais uma série de medidas restritivas ao ex-presidente — deveria pensar duas vezes antes de comemorar. Aqueles que, por outro lado, não aprovam o tratamento que o STF vem dando a Bolsonaro e se queixam de que a perseguição ao ex-presidente ultrapassa os limites da lei, também deveriam se conter antes de aplaudir a decisão do governo americano de revogar os vistos de entrada no país de Moraes, de outros sete ministros da Corte e dos parentes próximos de todos eles nos Estados Unidos.
O que está acontecendo neste momento é importante e grave demais para ser reduzido a apenas alguns lances a mais da disputa entre a esquerda e a direita que tem marcado a política brasileira nos últimos anos. O problema, porém, é que pouca gente parece preocupada com os efeitos do contencioso desencadeado pela decisão do presidente Donald Trump de taxar em 50% os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, anunciada na quarta-feira da semana retrasada.
Isso mesmo. As consequências econômicas das medidas têm recebido menos atenção do que a efervescência política em torno delas. E muita gente, dentro e fora do próprio governo, se limita a enxergar essa crise apenas por seus possíveis efeitos nas eleições do ano que vem. Essas pessoas, porém, deveriam estar atentas ao riscos que essa crise traz de inibir investimentos, conter o crescimento, causar desemprego, provocar evasão de divisas e estimular a inflação.
Auxiliares próximos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trataram a revogação dos vistos dos ministros do STF como se tudo não passasse de uma ingerência do governo americano em assuntos internos — e estudam as medidas que podem ser tomadas em resposta. Cada ação de um lado é respondida com uma reação do outro — e essa reação deixa a solução ainda mais distante.
No que se refere especificamente ao Brasil, que é o lado que nos interessa neste momento, o assunto mexeu com o brio das autoridades. E foi recebido em Brasília como um empurrão capaz de estimular a popularidade do presidente. O próprio Lula reagiu à situação, como ele mesmo afirmou na quarta-feira passada, com o espírito de um jogador de truco. A essência desse jogo é desafiar sempre o adversário e forçá-lo a revelar o que ele tem nas mãos.
Lula reagiu à taxação e às menções feitas por Trump ao tratamento que o ex-presidente Jair Bolsonaro vem recebendo da Justiça brasileira como se tudo se resumisse a uma agressão à soberania nacional. E disse que 'não é um gringo que vai dar ordens a este presidente'. Do lado Norte da Linha do Equador, governo Trump também reagiu a seu feitio: com o nariz empinado de um jogador de pôquer que tem um straight flush nas mãos e espera o adversário aumentar a aposta para mostrar suas cartas.
Na quinta-feira, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, comentou, a pedido de um jornalista brasileiro, uma declaração de Lula. Mais cedo, o presidente havia dito à emissora CNN internacional que Trump não foi eleito para ser o imperador do mundo. Segundo a porta-voz, Trump não é um imperador. É um presidente forte e já provocou uma grande mudança no mercado global. 'Ele é o líder do mundo livre'.
Independentemente do que um governo diga ou do que o outro deixe de dizer, a questão é séria e as inevitáveis consequências econômicas da crise precisam ser trazidas para o primeiro plano. Nada indica que haverá no curto prazo qualquer alívio na guerra tributária que, neste momento, ameaça a estabilidade da economia brasileira. Tarifas de 50% são altas o suficiente para produzir estragos.
Não é o caso, portanto, de aplaudir Trump nem de criticar Lula pelo rumo o debate. Também não é o caso de se fazer o contrário; ou seja, aplaudir Lula e espezinhar Trump..."
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